domingo, 3 de setembro de 2023

O Bote Catraio de Passagem

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O espaço do "Marintimidades" é, hoje, com gosto, cedido ao amigo Capitão Marques da Silva.

Quando há tempo passei na Sala das Galeotas do Museu de Marinha e reparei no bote catraio que lá está exposto, pensei que seria este o modelo que ficava a aguardar oportunidade e disposição para eu dar início a um novo trabalho.

Conversei este assunto com o Dr. Paulo Costa que rapidamente procurou, encontrou e me ofereceu um desenho desta bonita embarcação. Era um belíssimo trabalho da coleção Seixas, que como todos é de uma perfeição e rigor inexcedíveis.

Não foi preciso mais nada para me dar a coragem que me andava a fazer falta. Principiei a preparar um plano de formas na escala de 1/25, como me é habitual, para que este modelo possa vir a fazer parte da minha já vasta colecção. É um bonito barquinho de formas perfeitas e como trabalha com velas de espicha vai enriquecê-lo duplamente, pois será o primeiro desta arte.

Agora nada mais era preciso para começar a preparar o estaleiro e procurar nas minhas reservas os pedaços de madeira de limoeiro que me iam permitir fazer a quilha e as rodas da proa e da popa.

Prontas estas peças, chegam os pormenores e o trabalho vai com mais vagar. As escarvas de ligação devem ser perfeitas, para o conjunto ficar resistente, desempenado e certo no comprimento que o modelo tem. De seguida, é o alefriz que vai levar algum tempo para ficar bem graminhado, principalmente no redondo da roda de proa.

Agora, durante a montagem no estaleiro, tudo tem de ser feito com atenção. A quilha deve ficar bem segura, com a roda e o cadaste alinhados e fixados na vertical, para que o barquinho se construa perfeito.

Chegou então a altura de tratar das cavernas e as primeiras são as duas da casa mestra. Como são iguais, são marcadas e serradas ao mesmo tempo e depois de prontas assentes na quilha nos respetivos lugares, marcados previamente, de acordo com a informação retirada do plano de construção.

Com a colocação de mais algumas cavernas para vante e para ré das mestras, o meu bote começa a mostrar as suas formas elegantes e bem proporcionadas.

Aos olhos de quem o observa, as linhas do seu casco parecem ter sido retiradas de algum gabinete de arquitectura naval, traçadas por mestre muito sabedor.

Estou convencido, se hoje esse gabinete tivesse que idealizar uma embarcação de vela e remo, para executar o trabalho de transportar pessoas de um para outro lado da bacia do Tejo, ou passageiros e tripulantes de navios ancorados neste porto, serviço que a esta estava destinado, nada alterava ou modificava nesta pequena embarcação.

O desenho que me orientou é de Francisco Dias datado de 1929, o que me leva a pensar que teriam sido os barqueiros que navegavam nestes catraios, os chamados catraeiros, que reunidos em grupo, formaram a conhecida Companhia dos Catraeiros. Recordo que, era aos Catraeiros que eu fazia a requisição das lanchas e reboques, quando eram necessários para as manobras do meu navio em porto.

Mas voltando ao meu modelo que ficou pronto e afagado a preceito, chegou a altura de começar a preparar o leme, as bancadas e os paneiros. Ainda faltava o mastro do grande, o da catita, o gurupés, o botaló e as varas das espichas, para poder tirar a dimensão e a forma dos painéis da vela grande, da catita e da de estai, que me permitiriam riscar no pano as respectivas velas.

Como este bote usava a arte de espicha (velas em que o punho da pena é esticado por uma vara em diagonal), este plano vélico era também uma novidade para mim e foi necessário aprender. Depois de cortadas, bainhadas, entralhadas e envergadas nos respetivos mastros, foi com muito gosto que verifiquei que o meu trabalho tinha resultado.

Faltava ainda fazer dois pares de remos, uma fateixa, um balde e um vertedouro para o meu bote catraio ficar aparelhado. Resolvi deixar este modelo sem pintura. Dei isolante por fora e por dentro e revesti tudo com recuperador incolor para ficar à cor da madeira. Como sempre, apliquei madeira de limoeiro nas peças estruturais, choupo no costado, tola nas cintas bancadas e remos. Ramos de ameixieira nos mastros e varas. Nas ferragens e âncora, usei cobre. Nas velas e cordame algodão.

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Por estibordo
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De cima…

 

Plano de construção
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Plano vélico
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Gafanha da Nazaré, 3 de Setembro de 2023

António Marques da Silva

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