domingo, 30 de outubro de 2022

Os "Garridos" de Salreu

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Por um acaso ou talvez não, demorámos quase trinta anos a saber algo mais sobre os Garridos de Salreu, construtores navais de machado e enxó, daquela localidade.

Eram eles Mestre José Luciano Rodrigues Garrido (1897-1962) e Mestre Manuel Maria R. Garrido, irmãos, que tinham tido um estaleiro de construção naval, em Salreu, até meados do século XX, seguramente.

Tinham existido os Garridos! Tivemos provas.

O afável Ti Arnaldo Pires, de Canelas, com eles tinha trabalhado na arte de construção de embarcações lagunares diversas, durante cerca de 30 anos – foi uma credível prova.

E, que melhor testemunho visual? O MMI mantém, em reservas, uma proa de moliceiro, encomendada em 1934, ainda em período anterior à própria fundação do museu (1937). Em legenda de estibordo, regista-se Mestre LUÇIANO GARRIDO Me Fes.

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Mestre LUÇIANO GARRIDO Me Fes.
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Tínhamos tido notícia há uns tempos que um dos filhos do Luciano Maria Garrido, o Manuel (Augusto Tavares Garrido), tinha regressado da Venezuela, para onde emigrara ainda jovem, por volta de 1956.

Em busca de alguns esclarecimentos perdidos no tempo das «mui sui generis» embarcações de Canelas e Salreu, lá encontrámos, perto dos vestígios do antigo estaleiro do pai e tio, uma casa boa, espaçosa, tipicamente de emigrante venezuelano, pela traça e materiais usados.

Manuel Garrido (n. em Janeiro de 1937) e esposa acolheram-nos simpaticamente, mas, como ele próprio dizia, nos seus oitentas, feitos, com algumas maleitas e achaques, já não era muito exacto nos dados que fornecia. Foi o possível….o que a memória foi  deixando peneirar.

Cedeu-nos uma fotografia do pai, do Mestre Luciano Garrido e outra de uma reconstrução levada a efeito em Agosto de 1990, numas férias na região.

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Mestre Luciano Garrido
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No largo da freguesia e perto da ribeira de Salreu, ajudava o Mestre Arnaldo a reparar a bateira do José Maria do Ilídio.

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No largo, perto do esteiro de Salreu
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Em ameno cavaqueio, tivemos a oportunidade de observar restos de ferramenta de construção, incluindo «um macaco» de elevar as embarcações, bem como um grande e prazenteiro bertedoiro de moliceiro, saído das mãos do nosso hospitaleiro salreense. Cobiçámo-lo e em negócio amigável, lá o trouxemos, para fins decorativos.

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Sobras de ferramenta…
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Ílhavo, 30 de Outubro de 2022

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Ana Maria Lopes

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domingo, 23 de outubro de 2022

O "Primeiro Navegante"...

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Faz, amanhã, 76 anos que o “Primeiro Navegante” encalhou, à boca da Barra. Era tão novinha, que ninguém me levou lá para ver, mas esse naufrágio foi tão fotografado, foi-me tão relatado, mais tarde, de uma forma tão empolgante, que parece que a ele assisti.

O lugre, de madeira e quatro mastros, com potente motor Diesel de 425 HP, foi construído na Gafanha da Nazaré por Manuel Maria Bolais Mónica para a Empresa Ribaus & Vilarinhos, Lda.

Lugre sólido e elegante, media 44,17 metros de comprimento, entre perpendiculares, 10,13 m. de boca e 5,13 de pontal; tinha uma tonelagem bruta de 482,77 toneladas e líquida, de 329,23, capacidade para 12 000 quintais de bacalhau e albergava uma tripulação de 56 homens e 53 dóris.

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O “Primeiro Navegante”
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Curiosamente, o seu bota-abaixo aconteceu pelos fins de Abril de 1940, num domingo, coincidindo exactamente com o seu congénere, de três mastros, “Dom Deniz”.

Imediatamente após o corte da bimbarra e o tradicional baptismo, pela menina Eneida Souto, filha de Alberto Souto, o “Primeiro Navegante” começou logo a deslizar, rasgando as águas da ria, triunfal e airoso.

Se a Gafanha da Nazaré, em dia de bota-abaixo, era sempre aquele dia festivo que já descrevi noutros registos, imaginemos o que não teria sido com um duplo lançamento de unidades bacalhoeiras. Certamente, com toda a frota embandeirada em arco, alegria redobrada, muita ansiedade, muita emoção, muita gente, muito discurso, muita aclamação, muito ressoar de foguetes e de silvos de embarcações.

Depois de seis “normais” viagens, debaixo dos costumados perigos, sob o comando de João Maria Vilarinho (1940 a 1942 e 1945), José Simões Ré (1943), José Maria Vilarinho (1944), chegou o regresso fatídico de 1946, de novo com José Maria Vilarinho, segundo informação das fichas do GANPB. Também zoou, na altura, que o irmão João poderá ter feito apenas a viagem de Leixões para cá.

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Prestes a encalhar…
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A 14 de Outubro de 1946, o “Primeiro Navegante” entrara em Leixões, para aliviar 3000 quintais de peixe, tendo voltado a sair, para se fazer à nossa barra. Tinha o destino marcado. Não há que fugir.

No dia 24 de Outubro, perante um cais apinhado de gente para assistir ao sempre emocionante espectáculo da entrada, pairavam também, lá fora, o “Lousado”, o “Navegante II”, o “Ilhavense II”, o “Santa Mafalda”, o “Maria das Flores”, o “António Ribau” e o “Viriato”. Vinha o “Maria das Flores”, a entrar, rebocado pelo “Marialva”, quando o “Vouga” lançou o cabo ao “Primeiro Navegante”, iniciando o caminho já percorrido com os outros navios. Em frente à Meia Laranja, alterosas e repetidas vagas conjugadas com violentas rajadas de vento, encheram todo o poço do navio, que desgovernou e tomou proa ao sul, sendo impelido para cima da coroa ali existente, apesar de todos os esforços do rebocador “Vouga”. Também o “Marialva” veio em auxílio do lugre, perante o perigo iminente que ele corria, mas os seus esforços também foram em vão.

Embora com dois ferros no fundo e o motor a trabalhar com toda a força, segundos depois, o “Primeiro Navegante”, batido pelo mar e pelo vento, varava na praia em frente ao “nosso” Farol.

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Irremediável naufrágio
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Terá sido indescritível o momento de aflição e angústia, acorrendo ao local toda a gente, em altos gritos. Só quando houve a certeza de que a tripulação estaria salva, é que o ambiente serenou um pouco.

Durante as marés baixas, foram-se salvando os haveres, apetrechos e a carga possível.

 

Durante uns tempos, como hoje, sempre que soa a tragédia, a gente das redondezas acorreu, em romaria, para ver, “claramente visto”, o que o mar conseguiu fazer.

Desta vez, vão aparecendo alguns testemunhos fotográficos reveladores e aquele donairoso lugre de quatro mastros foi servindo de repasto ao mar, que o desmantelou, destruiu e destroçou, acabando por o devorar na totalidade

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Vai-se destroçando… 1947
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Foram já alguns, os navios que se perderam naquele fatídico local, de que vou dando conta, sempre que encontro dados suficientes e rigorosos.

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Ílhavo, 23 de Outubro de 2022

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Ana Maria Lopes

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sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Cliché... de Paulo Namorado

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Porque no dia 7 de Agosto, me foi impossível, andava, de dia em dia, para visitar a exposição “Cliché”, sobre Paulo Namorado, com curadoria do Dr. Hugo Calão, no Centro de Religiosidade Marítima. Calhou neste último sábado.

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Paulo de Brito Namorado (1874 – 1945), como pintor da Vista Alegre, terá tido aí o primeiro contacto do que seria o seu métier como fotógrafo-amador. Mais tarde, imigra para o Brasil, e, quando regressa, estabelece atelier de fotografia na actual Praça da República de Ílhavo.

Premiado em importantes concursos de fotografia nacional (1905 e 1906), algumas das suas fotografias foram reproduzidas em bilhetes-postais ilustrados em 1903, promovendo Ílhavo como destino de veraneio nas praias da Costa Nova e da Barra, as tradições piscatórias da ria e popularizando a sua reputação.

Esta exposição dá a   conhecer a colecção de 40 caixas com 890 negativos em vidro, provenientes do seu atelier, datados de 1927 a 1940 e reúne fotografias da sua autoria a partir de 1890.

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Negativo em vidro do barco do mar
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Postal da actual Praça da República, à época
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Depois de ter saboreado com pormenor os objectos (máquina fotográfica, negativos em vidro, fotografias, revistas, postais), expostos em vitrinas, e postados em colunatas e parede arredondada que dá acesso à escada, ficou guardado para o final, no espaço da loja, aquele que foi, para mim, o momento mais emocionante – tirar uma fotografia de época num “suposto” cenário de atelier de Paulo Namorado. Só tive pena de não estar trajada à época, como convinha.

Aconselho a visita.

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Foto em cenário

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Ílhavo, 21 de Outubro de 2022

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Ana Maria Lopes

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quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Que surpresa, ontem, no MMI...

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Ontem, foi uma surpresa na entrada do MMI, para os amigos que frequentam com alguma regularidade o Museu. E, sobretudo para o autor dos modelos.

O Amigo Marques da Silva depositara-os no museu, na semana passada, já que, por motivos diversos, não estavam inseridos na actual exposição que homenageia o autor. Estão, então, na vitrine da recepção, à entrada. A saber, o “moliceiro”, o primeiro modelo que o autor fez, já há alguns anos, que esteve na origem de uma brochura sobre a embarcação, entretanto esgotada, o “matola” ou “mirão”, moliceiro da zona sul da ria, a “mercantela”, a dita “barca da passagem Os Velhotes”, a “matola ou ladra”, que apanhava o moliço acumulado nas praias ou em locais mais recônditos e a “patacha” usada na Pateira de Fermentelos.

Todos de uma delicadeza, perfeição e beleza, na escala de 1/25.

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Barco moliceiro e o seu autor
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“Matola” ou “mirão”, do sul da ria
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Mercantela – Barca da passagem “Os Velhotes”
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“Matola ou ladra”, auxiliar do moliceiro, outrora
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“Patacha” da Pateira de Fermentelos

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Ílhavo, 20 de Outubro de 2022

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Ana Maria Lopes

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segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Modelos de Marques da Silva

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Desde 7 de Agosto até 31 de Dezembro, está patente no Museu Marítimo de Ílhavo, a exposição “Ciências Náuticas – Memórias e Modelos”, que pretende homenagear o Capitão António Marques da Silva, através da exibição dos seus trabalhos.

Desde 2008, o Amigo Marques da Silva, com a generosidade que lhe é conhecida, depositou no Museu, uma riquíssima colecção de modelos de embarcações tradicionais da Ria de Aveiro, de modelos de lugres da pesca do bacalhau e de sete embarcações que navegaram nos Descobrimentos Portugueses, entre outros artefactos relacionados com a pesca à linha do bacalhau e alguns desenhos a lápis de lugres e do lugre-patacho “Gazela-Primeiro”. Ainda estão presentes as publicações com que nos foi brindando, entre 1998 e 2021.

Este post no “Marintimidades”, tem por objectivo chamar a atenção para a exposição, em que os modelos têm um lugar de honra.

Meia dúzia de fotografias de telemóvel, e com o defeito do reflexo das vitrines, pretende cativar os leitores, para os irem observar ao vivo, para apreciar toda a sua minúcia e beleza – as mais bonitas “maqettes” saídas das hábeis mãos de Marques da Silva.

Muito parabéns ao Autor e continuação da feitura de mais uns modelos, que põem à prova toda a sua sabedoria, paciência e habilidade manual.

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Lugre Creoula

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Lugre Argus
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Lugre-patacho Gazela Primeiro e lugre Hortense
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Bateira ílhava
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Barco do mar Sto. António
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Bateira de bicas e caçadeira de pesca Namy
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Ílhavo, 3 de Outubro de 2022

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Ana Maria Lopes

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