quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O Barco Mercantel ou Saleiro - 1

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Mais uma vez, aproveitando a onda dos modelos, tentei o amigo MS a miniaturizar a maior embarcação da laguna, e, eventualmente, uma das mais antigas (das maiores), que ainda faltava na sua colecção.

Acedeu com gosto à minha proposta e aproveitou, para base de trabalho, o barco mercantel, construído pelo Mestre António Esteves de Pardilhó, em 2001, que a Sala da Ria do MMI exibe.
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Tirou minuciosamente os seus apontamentos, por meados de Maio, estando pronto de casco, em bruto, em fins de Agosto. Pintura e vela, concluiu-as até agora, meados de Outubro.
E fotografá-lo tão dignamente como merecia? Sem estúdios, nem condições profissionais, nada como ir ao terreno e dar-lhe a provar o sabor da água da Ria.

Aproado na borda, espera a carga


Lá fomos até à Praia dos Tesos, no Jardim Oudinot, com todo o cuidado, fazer os «clichés» que nos aprouve. Abicou à borda e a suave aragem outonal encheu-lhe o pano, a nosso agrado.
E o Marintimidades não podia deixar de acolher este senhor da Ria.

Refere Marques da Silva:

Completada a pesquisa que efectuei acerca das bateiras da Ria de Aveiro, entendi que esse trabalho ficaria valorizado se, para termo de comparação de dimensões e formas, efectuasse um levantamento rigoroso do barco mercantel ou saleiro.

Aproveitando a oportunidade de ter na sala da Ria do Museu Marítimo de Ílhavo um magnífico exemplar destes barcos, recolhi em óptimas condições todas as medidas e pormenores de construção, necessários ao trabalho que me propunha executar.
Tal como fiz para as bateiras, desenhei com rigor um plano de formas do casco e um plano vélico, de modo a ter possibilidade de construir um modelo completo, seguindo as regras usadas pelos construtores, aplicando a escala de 1/25, como tinha feito para as anteriores.

Utilizei balsa para o fundo e madeira de choupo para os costados. Para o cavername, roda de proa, cadaste e bancadas, serrei ramos de limoeiro. No mastro, verga e varas, apliquei ramos de ameixieira. Na vela usei pano de algodão e nas ferragens do leme e na fateixa, arame de cobre.
Como acabamento apliquei bondex no costado e tinta branca nas caras de vante e de ré. A cobertura da casa da proa, a draga, a cinta e a porta do leme, pintei-as com tinta preta sem brilho e espalhei serradura fina nos locais adequados, simulando o que era costume fazer para dar aderência aos pés do barqueiro quando trabalhava com as varas.

Pormenor do interior da proa


(Cont.)

Ílhavo, 27 de Outubro de 2011
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Ana Maria Lopes
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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Ílhavo na «rota» do Titanic - 2

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Não é que umas casas adiante da minha, na mesma rua, residem mais talheres do Titanic, autênticos, com a mesma origem, há cerca de meio século? Fiquei ansiosa por vê-los, fotografá-los e ouvir a versão do achado, quase há cem anos.




Colheres de chá

Em tudo era concordante com a que toda a vida ouvira e alargou-me mais os horizontes, acicatando-me o espírito de pesquisa e a curiosidade inerente.

Garfos



Lembrei-me, só agora, de ir ao Arquivo do MMI consultar as fichas vindas do GANPB e certificar-me de dados mais concretos do suposto achadorJoão Grilo, de alcunha, Frade.

Se o nome da pessoa não for completo, não se consegue facilmente o objectivo, mas, com paciência e consulta de outros documentos, lá chegámos à ficha do Capitão João Francisco Grilo:


Ficha do GANPB


Fornece-nos muitos dados, entre os quais o local e a data de nascimento, Ílhavo, em 1894, e navios que comandou.

À época, 1912, capitaneava um primeiro lugre Trombetas, da mesma firma (Lusitânia Companhia Portuguesa de Pesca da Figueira da Foz) que o lugre Leopoldina, que João Francisco Grilo também comandou, mas não nesse ano.

À época, também da Figueira, comandava o meu Avô, nascido em 1885, o lugre Golphinho. Sendo aparentado e amigo de João Grilo, recebeu as colheres que este «pescara» e lhe oferecera, como relíquia do inafundável Titanic.


E com estas achegas, se vai cada vez mais o «puzzle» compondo.

Terei ou não razão no título deste arrazoado?


Quem quiser estar por dentro do verdadeiro espólio do Titanic, tem que colocar Ílhavo na «rota» do seu destino.


Ou por que não a RMS Titanic pensar em fazer um exposição, em Ílhavo? Nunca se sabe.


Rotas cruzadas – Viagem inaugural do Titanic e ida para os pesqueiros dos lugres da Pesca do Bacalhau.



Imagens – Arquivo da autora do blog

Ficha  do Grémio– amável cedência do MMI


Ílhavo, 24 de Outubro de 2011

Ana Maria Lopes
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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

10º Aniversário da Ampliação e Remodelação do Museu Marítimo de Ílhavo




PROGRAMA

21 de Outubro | Sexta-feira
: 10 h-18 h Dia aberto

: 10 h-17 h Jornadas do Mar «10º Aniversário»

                  Actividades do Serviço Educativo


22 de Outubro | Sábado


: 16 h Sessão Comemorativa do 10º Aniversário da Ampliação e Remodelação do MMI

: Apresentação do programa comemorativo dos 75 Anos do Museu Marítimo de Ílhavo

: Inauguração da exposição de pintura Álbum do Mar, de Costa Pinheiro

: Exposição da peça O Barco dos Apóstolos, depósito da Família do Tenente Alberto da Maia Mendonça e esposa Maria Casimira Gomes da Cunha

: Apresentação do Livro Bateiras da Ria de Aveiro: Memórias e Modelos, de António Marques da Silva e Ana Maria Lopes

: 17 h30 Quarteto de Flautas da Universidade de Aveiro (Marés de Música – Ílhavo 2011)


Fonte – MMI
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Ílhavo, 20 de Outubro de 2011
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Ana Maria Lopes
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quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A famigerada bateira erveira de Canelas... no MMI - 2

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(Cont.)

E, então, a embarcação que agora relembro ao Sr. Manuel Pires, que ainda fotografei semi-abandonada no esteiro de Canelas (anos 80)?



Esta seria mais a verdadeira bateira erveira de Canelas, já sabia, aceito. Mais barata, menor, utilizada exactamente para os mesmos fins: comprimento, 9, 40 metros 2 metros de boca e 14 cavernas, não contando com as dos golfiões duplos. Preparada com traste, para aplicação de mastro. O seu acesso às medidas, á época, não foi fácil.

Popa da bateira erveira e reflexo
(Anos 80)

As pessoas com mais posses, mais abastadas, preferiam mandar construir a primeira de que falámos, chamando-lhe barco, para distinguir.
Há pontos que lhes são comuns e de que não abdicavam: um par de golfiões à proa e outro à ré, bordo com cinta e draga, embreamento a negro, uso de casca de arroz a polvilhar os locais escorregadios, não sendo as pintas decorativas, obrigatórias.

Sondando o Mestre Pires relativamente a um convívio com os construtores de matolas, renegou-o, sul é sul e norte é norte, da Ria – revelou. Desconhecia onde o pai teria ido buscar os moldes de proa e ré, sobretudo, da famigerada bateira erveira de Canelas.
Tê-los-ia, muito mais idênticos, ali mais à mão, no estaleiros dos Mestres Garridos. Se não é bateira a nomenclatura mais correcta, mas poderá ser barco, matola é que nunca. Teriam de me convencer muito bem e, hoje, já não é fácil. Onde tem o matola, a elegância desta proa, além das outras diferenças já apontadas?
Pareceres...
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Sempre ouvi falar só num tipo de matolas, do que fui vendo há dezenas de anos pela Ria, e do que lia nos livros de registos da Capitania, que consultei na época. Eram-lhe atribuídas as seguintes medidas – comprimento, 13, 50 metros, 2, 50 m de boca, e de pontal 0, 45 m. E já mo confirmara o mestre do Seixo, ainda nos anos 80, conhecido carinhosamente por Mestre João Gadelha, pai do actual Evangelista Loureiro (também conhecido por Gadelha).

Este trabalho que agora reconheci em Canelas é para uma representação turística e sabemos que aí os barcos perdem alguma dignidade. Não vai ter mastro, nem vela, embora tenha  coicia, traste e uma minúscula enora. Não vai ter leme, nem fêmeas do leme tem, e a pá da borda não corresponde à traça correcta, pois não está ajustada para navegar.
Mantém as cavernas de arrancas de carvalho, como todos os barcos de Canelas, mais resistentes às águas doces e salobras da região.
Não teria sido mau que tivesse concluído que a embarcação em causa era um matola, mas não concluí. Serei livre de assim pensar, perante os diversos contextos por que fui passando.
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Foi frutuosa a visita ao galpão polivalente e improvisado de Manuel Pires: tinha de tudo que o tempo ainda não apagou: chão de terreiro, próprio para enterrar as estacas, teias de aranha pendentes dos travejamentos superiores, pipas de vinho, cabras à solta, moldes, paus de pontos, restos de madeira de pinho e de arrancas de carvalho. Fiquei razoavelmente elucidada, tendo gostado da clareza explicativa de Manuel Pires.

Imagens – Do arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 12 de Outubro de 2011
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Ana Maria Lopes
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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A famigerada bateira erveira de Canelas...no MMI - 1

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(Esclarecimento)

Sobre a famigerada bateira erveira de Canelas, como Senos da Fonseca a trata, no seu último blogue Arquitectura Naval Lagunar, Bateiras, II parte, pensei se lhe havia de responder, não concordando inteiramente com algumas das afirmações que faz. Ter dúvidas é  salutar; sabendo eu que gosta que haja opiniões discordantes das suas, eis as minhas, com as quais pode não concordar:
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Em primeiro lugar, não tenho nenhum cargo oficial ligado ao Museu, presentemente; são heranças do passado (não haja confusões), mas o Sr. Engenheiro saberá(?) que aquela classificação foi feita por mim, já em 1995, aquando da inauguração da Sala da Ria em 25 de Novembro de 1995. E continuou na actual, no edifício renovado e remodelado, tendo-me tudo passado pelas mãos.

É muito natural com o feitio que me conhece das impressões marítimas e livreiras trocadas, que logo tenha imaginado que eu não deixaria de ir ao terreno, saber e ver o que se estava a passar lá por Canelas. Poderia ter-me enganado, poderia a classificação de D. José de Castro de 1943, em Estudos EtnográficosAveiro, estudo notável que muito prezo, ter influenciado a opção da nomenclatura que adoptei. Errare humanum est

Mas, a bem da classificação do património, voltei a Canelas para falar com Manuel Pires (n. em 4.2.1952), que trabalha, por gosto e jeito, em reconstrução de caçadeiras, quando tem que fazer e lhe sobra tempo do seu emprego fixo na Portucel e da agricultura.

É filho do construtor Arnaldo Domingues Rodrigues Pires (1921-1997), com quem conversei demoradamente por volta de 1985 e com quem estive mais vezes. O Ti Arnaldo trabalhou uns bons anos com o Mestre Luciano Garrido até 1970. Entretanto, estabeleceu-se num acanhado estaleiro onde me recebeu, ajudou a construiu muitos «barcos de Canelas» (longe ainda de eu estar no Museu), designação genérica por que também eram  conhecidos, em Canelas e Salreu.
Construiu a embarcação em causa em 1964 e ofereceu à própria instituição de Ílhavo, os moldes com que a construiu e que lá são exibidos. Dá a entender que o tipo de construção «encerrara», com a doação dos moldes.

A embarcação, na altura, estava no activo, mudava gado, transportava pessoal, transportava ervas, apanhava moliço e levava os seus proprietários até ao S. Paio. Mede 10. 00 metros de comprimento, 2.00 metros de boca e 0,48 m de pontal.

Barco de Canelas

Constatei que era emblemática em Canelas, porque não tendo nenhuma embarcação do «antigamente» que representasse o povo trabalhador, a Junta de Freguesia, em protocolo com a CME, mandou construir este exemplar, visitável,  a colocar, além, numas valas de água doce. Ainda permanece em casa do construtor, porque as valas, por agora, estão muito secas.

As suas medidas sofrem algumas alterações, devido à viagem que ele terá de fazer entre valas, e no resto, tinha umas ideias das construções do pai; já alguns moldes, os de roda da proa e popa construiu-os  novos, vê-se pelo estado e coloração da madeira e fez muita coisa a olho - testemunhou-me.



Portanto, as medidas sofrem um pouco do estado de conveniência do local para onde vai. Roubou-lhe, sobretudo ao comprimento, passou a ter 8, 82 metros, 2, 07 m de boca ,e de  pontal, 0, 55 m.

Nº de cavernas – 14 + 2 pares de golfiões elevados, à proa e à ré e outro par, à ré, à face, os do cagarete.

Tem bordo, com cinta e draga, para facilitar o percurso ao longo dele.

(Cont.)

Imagens – Do arquivo pessoal da Autora

Ílhavo, 3 de Outubro de 2011

Ana Maria Lopes