terça-feira, 29 de março de 2016

4º Aniversário do Ciemar

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No próximo dia 2 de Abril, sábado, pelas 17 horas, comemora-se, no Museu, o 4º Aniversário do Ciemar.
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Programa:
> Lançamento do Boletim n.º 4 do Ciemar-Ílhavo (edição digital)
> Inauguração da exposição «Bernardo Santareno, um médico na frota bacalhoeira»
> Apresentação da reedição de Nos Mares do Fim do Mundo, de Bernardo Santareno (co-edição E-Primatur)
> «Nos Mares do Fim do Mundo com Bernardo Santareno» – Palestra de Ana Paula Medeiros
Quem não tenha a velhinha edição da Ática, há muito esgotada, de Nos Mares do Fim do Mundo, de Bernardo Santareno, ou mesmo quem tenha, desfrutará da oportunidade de adquirir uma reedição da mesma obra, com algumas novidades.
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Para quem não sabe ou não se lembra recordo o acidente que teve, numa mão, o nosso bom amigo, que já não está entre nós, Sr. Samuel Corujo, mais conhecido pelo Sr. Samuel dos barquinhos em garrafas.
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Recordou-me, várias vezes, nas nossas conversas, o acidente que sofrera, a bordo do Santa Mafalda, em 1958, enquanto 3º motorista. Episódio esse, imortalizado pela pena de Bernardo Santareno, ao tempo, médico no Gil Eannes, em Nos Mares do Fim do Mundo, pp. 135 a 138, capítulo, O Vento, o Mar e O Sangue, que me abalanço a respigar:
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Alô! Alô! O «Santa Mafalda» chama urgentemente o médico! Alô! Alô! Médico! Médico!...
Eu estava no «Bissaia Barreto» (…). Foi então, à hora do jantar, que, aflitivamente, este S.O.S. rasgou os ares: o terceiro maquinista do «Mafalda» tinha uma mão esmagada, por acidente de trabalho! Era preciso intervir e quanto antes. E os dois navios navegaram ao encontro um do outro.
O enfermeiro, o Lourenço, a voz trémula de emoção, deu-me pela fonia mais pormenores: um dos dedos, preso à mão por escasso retalho de pele, estava sem dúvida condenado; e além deste, dois dos outros dedos desta mesma mão, com fracturas múltiplas e expostas, teriam provavelmente a mesma sorte.
Era preciso ver as lesões, mas como chegar ao «Mafalda»? O mar, agora, estava bravo como eu ainda não o vira: vagas apocalípticas cruzavam o «Bissaia» em todos os sentidos, o vento levava pelos ares madeiras e cordame, a névoa tornara-se impenetrável. Como? Como passar?! (…)
… Era impossível tentar a minha passagem. Ai, o alívio que eu nesse momento senti! (…)
Em todo o caso e sempre pela telefonia, lá fui dando instruções de que me lembrei ao pobre Lourenço.
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Era desesperante.
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O mar atingira o auge da fúria: rasgava tudo; vencia, com o seu clamor monstruoso, os pobres gritos humanos; lavava, com a espuma claríssima das suas ondas, a sangrenta nuvem daquela hora.
(…) Mas aquele ferido, tão novo, um rapaz… ai, aquela mão! E se fosse possível salvar-lhe os dedos lacerados? Bem bastava o outro, o que já tinha sido amputado (…).
E mandei seguir o «Santa Mafalda» para terra.
(…)
Recebi hoje – oito dias sobre este acidente – uma notícia admirável: o terceiro maquinista, apesar da brutalidade das lesões, ficará com os seus dedos!
Tudo valeu a pena: a angústia daquela hora, a raiva humilhante da minha impotência, o suor de sangue e fel do Lourenço, o desespero dinâmico do comandante do «Mafalda». Valeu a pena, valeu a pena!
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Com a forte e bela narrativa de Santareno, ficou Samuel Corujo imortalizado na nossa literatura marítima e com os “seus barquinhos”, lembrado nas colecções de miniaturas de veleiros em garrafas, espalhadas por todo o mundo. 
Nos anos 80, em sua casa
Ílhavo, 29 de Março de 2016
Ana Maria Lopes

8 comentários:

vieira da silva disse...

Foi um dos livros que li nos últimos anos do liceu. A minha saudosa Professora Maria Vieira, que nos foi ensinando a desenhar (e me tentou, muitas vezes, convencer que eu tinha muita "habilidade" para o desenho) dizia-me que a ideia de eu ir fazer o curso de medicina, era um erro e que eu andava a deixar-me influenciar pelos livros de Bernardo Santareno e Miguel Torga e que eu devia optar por arquitectura. Nessa época li o livro através da Biblioteca Itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian. E nunca mais vi o livro Mas tive a sorte de o adquirir há meses pela internet. Aqui o tenho, edição de 1959, da Ática (estive agora a reler o texto que a Ana Maria transcreve (págs. 135 a 138).

vieira da silva disse...

Peço desculpa pelo atrevimento, mas não resisto e vou aqui transcrever as últimas linhas deste texto de Bernardo Santareno, que tem o título "O MAR, O VENTO E O SANGUE" :

"Estou contente: até seria capaz de te beijar, a ti, mar Oceano, hoje manso e inofensivo como uma criança ! Foi-se o ódio com que, nestas últimas horas, eu te contemplava : Tudo acabou em bem.
E depois, oh mar... eu sinto aqui, no meu coração, um grito feroz, violento como um sol de meio-dia: ao cabo e ao resto, nós vencemos-te. Vencemos-te, mar !!"

Ana Maria Lopes disse...

Obrigada, Toni.O «Marintimidades» sempre teve alguma vantagem. Foi buscar o livro, releu a passagem e saboreou o relato e, sobretudo, o fim.
Boa noite.

marmol disse...

Adorei.
Vou tentar estar presente no 4.º aniversário do Ciemar para participar na homenagem a Bernardo Santareno.
Martins

Ana Maria Lopes disse...

Obrigada, apareça.
Cumprimentos

Ana Maria Lopes

etelvina almeida disse...

Obrigada, Ana Maria pela divulgação e pela forma como cativa. Uma obra a adquirir.
Beijinho. Etelvina

Anónimo disse...

Oxalá o tempo colabore para rumar a Ilhavo, relembrando esse grande homem que foi Bernardo Santareno.
Bem hajam.
Al bino Gomes

Ana Maria Lopes disse...

Boa tarde:

Oxalá que sim. Apareça.
Cumprimentos.
Ana Maria