domingo, 28 de outubro de 2012

A BARCA DA JUNTA

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Há um bom par de meses que não estava uma tardada, agradável e profícua, com o Amigo Marques da Silva, «naquelas» suas visitas à Gafanha.
O mês de Agosto com a família e, sobretudo, as crianças, pela Costa Nova, não facilita estes encontros. São férias de Verão da avó e da criançada.
 
Mas, ontem, aconteceu, e de lá vim quase às oito horas da tarde. Pôr as conversas e os conhecimentos em dia e, principalmente, observar, apreciar, fotografar a bela miniatura com que o meu amigo se presenteou – A barca da Junta. Melhor do que tudo, é ler o texto que também escrevinhou.
 
Estando certo dia no Jardim Oudinot, junto ao canal do mesmo nome, recordei uma embarcação que também navegava nas águas desta ria e que entendo deve ter direito a ser recordada.
 
Como é do conhecimento das pessoas da nossa região, dava-se o nome de barca aos mercantéis, às mercantelas e até às bateiras, utilizadas no transporte de pessoas e bagagens, entre povoações próximas das margens da ria.

 
Eram as “barcas de passage” que ainda no meu tempo trabalhavam da Bestida para a Torreira, da Gafanha da Encarnação para a Costa Nova, da Boavista para a Vista Alegre e do Forte da Barra para S. Jacinto.
 
Nesta última algumas vezes remei. Era uma bateira, que me levava a mim, à minha bicicleta e à senhora que vinha buscar a saca do correio, transportada pela camionete da carreira que ligava Aveiro à Costa Nova.
 
Além destas “barcas de passage” ainda havia outras embarcações a que se dava o nome de barcas. Eram as “barcas da Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro” – JARBA –, que amarravam a moirões ao longo da margem deste canal, que eu agora estava a atravessar pela nova ponte, aqui construída.

Aos meus olhos apareciam hoje como eu as recordava. Grandes, de proa igual à popa, com pequenas cobertas a vante e a ré, onde os dois tripulantes as governavam a reboque das lanchas, ou à vara, porque não tinham qualquer mastro ou vela.
 
Eram pretas por fora e normalmente também por dentro, quando transportavam as lamas que as dragas iam retirando dos vários canais da ria.
Tendo em vista a preparação de formas para construir um modelo de uma destas barcas, procurei junto de alguns amigos o maior número possível de informações. Felizmente reuni um apreciável número de boas fotografias que não só as mostravam amoiradas no canal, mas ainda nas mais variadas tarefas, sempre relacionadas com as obras das margens, das pontes e dos canais da ria.
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Esteiro do Oudinot, antigamente
 
Até apareceu uma que nos mostrava a estrutura de um bate-estacas, montado numa destas barcas, em trabalhos na praia da Cambeia.*

 
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Zona da Cambeia – Canal de Mira

 

Porque não tentar a sua reprodução?
 
O mestre José Vareta, com quem também conversei, recordava-se que as medidas muito aproximadas seriam: comprimento quinze metros, boca, três metros e pontal, oitenta ou noventa centímetros. Dizia ainda que eram de fundo plano, de cavernas alternadas como os outros barcos, com fortes cinta e draga, mas pouco tosado.
 
Considerando que com estes elementos, com as fotografias e a ajuda da memória, já era capaz de fazer o plano de formas, pus então mãos à obra.
 
Pronto o desenho, comecei a construção da barca que logo começava a mostrar a forma que se pretendia e que eu recordava.
 
Como de costume utilizei na construção deste modelo madeira de limoeiro no cavername e nas rodas e de choupo nos costados.

 
Resolvi construir e montar-lhe um bate-estacas como se via na fotografia e mais uma vez a memória e o saber do mestre Vareta foram de vital importância.
 

 
Vista lateral da barca

 
Pintei o casco de preto, da cor do breu e o bate-estacas acastanhado, da cor do breu louro.
O tirador e os oito tirantes de levantar o peso, fi-los de algodão castanho.
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Outra perspectiva

 
Preparei ainda uma estaca como as que se utilizavam nos trabalhos da ria com o bico de metal.
Como é meu hábito utilizei também para este modelo a escala de 1/25.
 

As medidas desta barca são:

 
Comprimento ……………15.00 m
Boca…………………………….3.30 m
Pontal …………………………0.95 metros
Nº de cavernas …………19


 
Lisboa, 1 de Setembro de 2012
 
António Marques da Silva

 
*Vide Exposição Histórico-Documental do Porto de Aveiro – Um imperativo histórico. Aveiro, 1998.
 
Claro, como também me lembro de barca idêntica, na travessia da Vista Alegre para a Boavista! Anualmente, na Costa Nova, quando aquelas singelas dragas negras, de alcatruzes, dragavam o canal da «barca da passage», lá vinham em fieira umas tantas barcas de diversos comprimentos, para transportar, à vara, a lama para as margens.
 
Hoje, já não há esses cuidados retrógrados, nem outros mais progressistas e o canal da barca vai assoreando.
Para animar a conversa e avivar as memórias, por lá passou também, acidentalmente, o mestre José Vareta, obreiro de grandes peças de construção naval, para ver esta pequena maravilha, para a qual também deu o seu precioso contributo.
 
 
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Ílhavo, 27 de Outubro de 2012
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Ana Maria Lopes
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6 comentários:

Anónimo disse...

Lembro perfeitamente essas barcas (chamavamos-lhes"barcaças"...)que,recebido o lodo dos alcatruzes,o iam descarregar(à pàzada manual...) a sul dos armazéns do "escasso"(carangueijos do mar em decomposição...).Há quadros de Cândido Teles mostrando mulheres na escolha do "escasso".
Não havia estrada para Sul,e quando se fizeram os primeiros quilómetros a macadame,o único utilizador era o Dr.Ferreira Neves,num calhambeque a caminho de uma "quinta"perto do "canal do Desertas".
Dizíamos que a lama descarregada a sul,no ano seguinte já estaria outra vez a entupir o "canal"...Cumprimentos,"kyaskyas"

Ana Maria Lopes disse...

Obrigada pelo seu comentário, caro conterrâneo. Queira desculpar, mas penso que quereria dizer Dr. Ferreira da Costa em vez de Ferreira Neves.
O Dr. Ferreira da Costa, médico especialista, em Coimbra, famoso na Costa Nova pelos seus banhos de mar especiais e arrojados e que viria a ter para sul, a tal quinta, onde albergava os seus patos.Cumprimentos.

fangueiro.antonio disse...

Boa noite.

Para além de ser um artigo sobre uma embarcação raríssima, a elaboração do modelo à escala está um primor, como já é habitual do seu autor.
Eu desconhecia por completo esta embarcação e para um aficionado do tema como eu, descobrir a existência de um novo barco nas já quase duas centenas a nível nacional é sempre uma sensação excelente.
Obrigado à Dr.ª Ana Maria e ao Cap. Marques da Silva por ajudarem a imortalizar mais esta embarcação da sua Ria e do nosso Portugal.

Atentamente,
www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt

Anónimo disse...

Não acho que as BARCAÇAS fossem uma embarcação rarissima, pois parece-me que no completo de cada DRAGA dw ALCATRUZES vinham sempre um conjunto de BARCAÇAS de acordo com o tamanho da dita draga.... por exemplo a draga pequenina que existia tinha umas tb pequenas e manobradas com varas... julgo que os fabricantes de dragas distribuiram barcaças por todo o mundo...
Quanto às BARCAS DE PASSAGEM... essas já eram referidas nas «ORDENAÇÕES AFONSINAS» em 1443 porque os seus tripulantes tinham que treinar nas vintenas de mar das galetas... Tb há um documento S/D do sec XVII onde eram determinados impostos a diversos tipos de transportes de barcas pois nessa altura a ria era pouco navegavel e as cargas movimentavam-se em barcas...
Também não podemos esquecer que até à primeira parte do sec XX as barcas iam ate Pessegeiro do Vouga, Ois da Ribeira, Águeda fazendo ransporte de PESSOAS, CHUMBO, MADEIRA, PEIXE, etc... que no interior da ria há um canal chamado a CARREIRA DE AVEIRO, que passava junto da Ilha da TESTADA, onde ainda há as ruinas de uma capela.... A CARREIRA protegia as barcas da ondulação dos canais litorais... É interessante tb que ao longo da Ria há ainda fontes onde esses marinheiros de águas interiores enchiam as suas cantarinhas de barro... Se olharem fotos da época e virem as pessoas com seus fatos domingueiros a serem transportados nas barcas concluem facilmente que a Ria era a estrada dos povos ribeirinhos para se deslocarem....
Mas não esqueçam que no Tejo os povos da Ria usavam barcas semelhantes para fazerem transportes desde LISBOA até VILA VELHA DE RODÃO...

Antonio Angeja

Anónimo disse...

Drª Ana Maria : Era,de facto o Dr.Ferreira Neves,com um terreno próximo do "canal Desertas"...O Dr.Ferreira da Costa,amigo de meu Pai,e a Mulher muito amiga de minha Mãe,apareceu mais tarde,construiu casa a Norte,à beira da "Quinta do Cravo"e uma exploração de patos a Sul,mas mais perto da Costa;talvez se avistasse dss últimas "companhas"...Entrei numa regata com o filho,Germano,num pequeno barco à vela,"Sea Adler"inicialmente com ré igual à proa,e que teria dado à costa.Íamos com 1 volta de atrazo,e PARECIA que íamos entrar em 1ºlugar!...O Dr.Ferreira da Costa,num bote,filmava-nos com a sua Paillard 16 mm,e o filho comentou : "O meu Pai está a filmar-nos para a TASS...!"
Cumprimentos,"kyaskyas"

Ana Maria Lopes disse...

Caro conterrâneo:

Tudo certo. Obrigada pelo acerto de comentários. O Senhor era bem conhecedor da Costa Nova do seu tempo.
Cumprimentos.