segunda-feira, 30 de junho de 2008

O meu homónimo - o ANA MARIA


Sempre tive uma predilecção muito especial pelo lugre Ana Maria, porque, de facto, tem o mesmo nome que eu, porque foi dos mais antigos da nossa frota pesqueira, porque era muito elegante e porque a ele associo um oficial de cá de Ílhavo, de quem era conhecida e amiga – o Capitão José Fernandes Pereira ( Lau), muito sui generis.


Em bom andamento…
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O Ana Maria – o ex-Argus, construído em Dundee, em 1873, era um veleiro elegantíssimo. Adquirido à Parceria Geral de Pescarias pela Firma Veloso, Pinheiro & Companhia, da Praça do Porto, participou na campanha de 1939 e seguintes.
De exíguas dimensões, cerca de 40 metros de comprimento, de 8 de boca e 4 de pontal, tinha uma capacidade de pesca de apenas 5.000 quintais.
Curioso, as rectas finais de vida do Ana Maria e do Capitão Zé Lau confundiram-se.
No Jornal do Pescador de Outubro de 1955, é dada a grande notícia de que, num belo dia do anterior mês de Setembro, o primeiro navio da pesca do bacalhau à linha a entrar no Douro, foi o lugre Ana Maria.
Em viagem directa da Terra Nova, chegou ao Douro o navio Ana Maria, tendo fundeado junto do cais do Bicalho.

O Ana Maria entra no porto de Leixões…pelos anos 50
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Foi com grande júbilo que a gente ribeirinha da capital do norte aguardou a chegada do veleiro. As famílias dos pescadores mostravam a sua impaciência, enquanto se procedia à manobra da atracação.
Logo foram beijos, risos, abraços, recordações evocadas e notícias trocadas, numa demonstração de ternura entre pessoas queridas que não se viam há seis meses.

Entretanto, o capitão do barco, também de Ílhavo, Sr. José André Alão deu as boas notícias de que o seu barco se portara maravilhosamente e estava apto para continuar na faina do bacalhau. A viagem fora óptima e os porões vinham completamente carregados. Foi também do Ana Maria que se lançou o alarme à navegação sobre o fogo do Ilhavense Segundo, quando se encontrava a 60 milhas do lugre incendiado.
O Capitão Zé Lau, assim era conhecido, nasceu em Ílhavo a 5 de Dezembro de 1879, tendo ido para o mar aos catorze anos, como era normal, à época.
Deixou o mar em 1958, dois meses antes de completar a provecta idade de 79 anos.
Entre os postos de moço, piloto, imediato a capitão, lá foi sulcando os mares, no meio de muitas peripécias e alguns naufrágios, em tempos bastante difíceis, passando por navios bem antigos como o Lusitânia III (futuro Terra Nova), o Maria Preciosa, o Paços de Brandão, o Alcion, o Silvina, o Delães (torpedeado e afundado por submarino desconhecido, em 1942), o Labrador, o Oliveirense, o Infante de Sagres III e o Paços de Brandão. De 1952 até 1958, ocupa o cargo de imediato no Ana Maria, ano em que o velho lugre do Porto naufragou, com água aberta, a 7 de Setembro.

O Capitão, Sr. Joaquim Agonia Vieira, de Vila do Conde, e o “nosso imediato”, entre os seus quarenta tripulantes, foram salvos pela escuna costeira norte-americana “Spencer”, que os entregou posteriormente a um navio espanhol. O velhinho Zé Lau, pelos seus quase 79 anos e pernas enfraquecidas, já teve de ser auxiliado, nestas andanças e mudanças de embarcação para embarcação. Abandona, então, a vida do mar.
O lugre cumprira o seu destino com 85 anos e o imediato contava menos seis.
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Em primeiro plano, o lugre Paços de Brandão e o Ana Maria; pela popa, o Aviz e, semi-encoberto, o lugre de quatro mastros, que sabemos ser o Senhora da Saúde (in A Campanha do Argus, de A. Villiers)

Em terra, ainda duraria até aos 91 anos (até 1971), a saborear o aconchego do lar e de seus familiares, com invejável memória e vivacidade inusitada.


Capitão Zé Lau, já de idade avançada

O Capitão Zé Lau tinha um temperamento muito impetuoso, o que sempre o prejudicou na sua vida profissional, mas era amigo do seu amigo e por ele os colegas tinham grande estima.

Na última viagem que efectuou, numa entrevista que deu a um repórter do “Primeiro de Janeiro”, em 14 de Abril de 58, contou as suas histórias de mar, revelando: – o veleiro mais antigo da frota portuguesa é o Ana Maria e eu o tripulante mais antigo.E assim o Ana Maria e Capitão Zé Lau ficaram na memória dos illhavenses.

Fotografias – Arquivo pessoal da autora e gentil cedência da Família do Capitão

Ílhavo, 1 de Julho de 2008

Ana Maria Lopes


3 comentários:

fangueiro.antonio disse...

Boa noite.

É com muito agrado que leio este artigo sobre o airoso "Ana Maria", seu homónimo cujas fotos passo imenso tempo a contemplar, juntamente com os tantos outros navios do bacalhau que tenho na base de dados.
Outrora, existiu na internet um excelente blogue que nos contava imensas histórias como esta sobre navios do bacalhau, pescadores, instrumentos e capitães. Provavelmente conhecia-o, mas infelizmente terminou há uns meses atrás. Espero que a Drª Ana Maria nos conte mais do que sabe sobre a Grande Faina, sempre que possível.

www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt

J.pião disse...

Boa noite amigo António,bém haja Sra.Ana Maria,que sorte eu tenho de ler estas escritas, más que bém me fás!O Ana Maria,o Paços Brandão,O Aviz,onde dei três viagéns,e o Senhora da Saude que me recordo ainda miúdo com os meus -5-anos foi a chegada ao Porto com minha tia Olivia fangueiro esperar o marido meu tio Manuel Nunes,lembro por acaso do meu tio me dar um quek, doçe feito pelo cozinheiro de bordo ,e também,tive a sorte de esperar o meu Pai do lugre motor Aviz ,das treze viagéns que o meu Pai deu ao bacalhau não falhei uma ,porque o meu Pai fazia questão ,digo isto porque somos tres irmãos ,a irmã é a mais velha eu sou do meio e o meu irmão Manuel,eu não sei porquê más eu éra o priveligiado,por isso eu contava os dias como padres nossos ,quando vinha o correio trazer o telegrama éra uma alegria ém casa os miúdos como eu andava-mos num redupio e ,como diz e bém a Dra.Ana Maria-somos da mesma idade -65 anos ,a Sra,de miuda também ficava radiosa quando ia a barra esperar os lugres e navios do bacalhau.Minha Sra,continue por favor a escrever sobre lugres e navios de bacalhau e não só que eu estou atento.Um abraço ao amigo Fangueiro ,e um bém haja a Dra.Ana Maria.Jaime Pontes Caxinas pescador reformado....

Anónimo disse...

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