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Sempre tive uma predilecção muito especial pelo lugre "Ana Maria", porque, de facto, tem o mesmo nome que eu, porque foi dos mais antigos da nossa frota pesqueira, porque era muito elegante e porque a ele associo um oficial de cá de Ílhavo, de quem era conhecida, aparentada e amiga – o Capitão José Fernandes Pereira Júnior, mais conhecido por Capitão Zé Lau (1879-1971) muito sui generis.
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O “Ana Maria” – o “ex-Argus”,
construído em Dundee, em 1873, era um veleiro elegantíssimo. Adquirido à
Parceria Geral de Pescarias pela Firma Veloso, Pinheiro & Companhia, da
Praça do Porto, participou na campanha de 1939 e seguintes.
De exíguas dimensões, cerca de
Curioso, as rectas finais de vida do “Ana
Maria” e do Capitão Zé Lau confundiram-se.
No Jornal do Pescador de Outubro de 1955, foi dada a grande notícia de
que, num belo dia do anterior mês de Setembro, o primeiro navio da pesca do
bacalhau à linha a entrar no Douro, foi o lugre “Ana Maria”.
“Em viagem directa da Terra Nova, chegou ao Douro o navio "Ana Maria", tendo fundeado junto do cais do Bicalho”.
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Foi com grande júbilo que a gente
ribeirinha da capital do norte aguardou a chegada do veleiro. As famílias dos
pescadores mostravam a sua impaciência, enquanto se procedia à manobra da
atracação.
Logo foram beijos, risos, abraços,
recordações evocadas e notícias trocadas, numa demonstração de ternura entre
pessoas queridas que não se viam há seis meses.
Entretanto, o capitão do barco,
também de Ílhavo, Sr. José André Alão deu
as boas notícias de que o seu barco se portara maravilhosamente e estava apto
para continuar na faina do bacalhau. A viagem fora óptima e os porões vinham
completamente carregados. Foi também do Ana Maria que se lançou o alarme à
navegação sobre o fogo do Ilhavense Segundo, quando se encontrava a
O Capitão Zé Lau nasceu
em Ílhavo a 5 de Dezembro de 1879, tendo ido para o mar aos catorze anos, como
era normal, à época.
Deixou o mar em 1958, com a provecta
idade de 79 anos.
Quem, de idade á madura, não se
lembra da sua figura física? Baixote, velhinho, de cabelos muito alvos,
rapioqueiro e sempre bem aperaltado, mas de feitio difícil, com quem era
preciso saber lidar. No meu casamento, em 1965, para que fora convidado, com uma
vetusta idade, fartou-se de dançar. Gravei-o na memóris…
Entre os postos de moço, piloto, imediato a capitão, lá foi sulcando os mares, no meio de muitas peripécias e alguns naufrágios, em tempos bastante difíceis, passando pelo Lusitânia III (futuro Terra Nova), Maria Preciosa, Paços de Brandão, Alcíon, Silvina, Delães (torpedeado e afundado por submarino desconhecido, em 1942), Labrador, Oliveirense, Infante de Sagres III e Paços de Brandão. De 1952 até 1958, ocupou o cargo de imediato no “Ana Maria”, ano em que o velho lugre do Porto naufragou, com água aberta, a 7 de Setembro.
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O Capitão, Sr. Joaquim Agonia Vieira,
de Vila do Conde, e o “nosso imediato”, entre os seus quarenta tripulantes,
foram salvos pela escuna costeira norte-americana “Spencer”, que os
entregou posteriormente a um navio espanhol. O velhinho Zé Lau, pelos seus 79
anos e pernas enfraquecidas, já teve de ser auxiliado, nestas andanças e
mudanças de embarcação para embarcação. Abandonou, então, a vida do mar.
O lugre cumprira o seu destino com 85 anos e o imediato contava menos seis.
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Em primeiro plano, o lugre “Paços de Brandão” e o “Ana Maria”; pela popa, o “Aviz” e, semi-encoberto, o lugre de quatro mastros, que sabemos ser o “Senhora da Saúde” (in A Campanha do Argus, de A. Villiers)
Em terra, ainda duraria até aos 91 anos (até 1971), a saborear o aconchego do lar e seus familiares, com invejável memória e vivacidade inusitada.
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O seu temperamento prejudicou-o,
por vezes na sua vida profissional, mas era amigo do seu amigo e por ele os
colegas tinham grande estima.
Na última viagem que efectuou, numa
entrevista que deu a um repórter do “Primeiro de Janeiro”, em 14 de Abril de
58, contou as suas histórias de mar, revelando: – o veleiro mais antigo da frota portuguesa é o Ana Maria e eu o
tripulante mais antigo.
E assim o “Ana Maria” e Capitão Zé
Lau ficaram na memória dos illhavenses.
Ílhavo, 11 de Março de 2024
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Ana Maria Lopes
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