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Boas memórias para adoçar o efeito do
temporal – o bota-abaixo do n/m “Novos Mares”, no dia 19 de Março de 1958. Já
lá vão 66 anos…
Então uma “senhorinha”, com os meus catorze anos, calçara, pela primeira vez, uns sapatos de salto alto. Lembro-me como se fosse hoje! Eram brancos!
Com a mudança de alguns actores, todo o cerimonial se repetiu, relativamente ao do lançamento à água de outros navios: a chegada de autoridades em comboio especial, o almoço no “Salão de Festas do Cine Avenida”, em Aveiro.
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A ementa era personalizada por uma bonita fotografia de Testa & Cunhas e seus navios: “Cruz de Malta”, “Inácio Cunha” e “São Jorge”.
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Terminado o almoço, formou-se um extenso cortejo de automóveis, que se dirigiu aos Estaleiros. Não havia dúvida que era dia de grande festa.
A população ribeirinha de Aveiro e Ílhavo sempre demonstrou especial predilecção pelas cerimónias de bota-abaixo, sentindo-as e compreendendo-as como poucas, não admirando, portanto, que a Gafanha da Nazaré registasse um movimento inusitado.
A
nova embarcação era produto do labor esforçado de cerca de 120 operários, durante
catorze a quinze meses. Daria trabalho a uma tripulação de oitenta e três
homens, que se viam privados do convívio das mulheres e dos filhos, durante
seis longos e árduos meses. Foi seu primeiro capitão o Sr. Weber Pereira da
Bela, de Ílhavo. A partir de 1961 e até 1974, última viagem de pesca à linha
com dóris, seguiu-se o Capitão António Morais Pascoal, também nosso
conterrâneo.
Junto à proa do “Novos Mares”, na tribuna habitual para convidados, sucederam-se os acontecimentos usuais: bênção da nova unidade pelo Sr. Bispo auxiliar de Aveiro, D. Domingos da Apresentação Fernandes, discursos, baptismo pela Senhora D. Maria Flor Ferreira Queirós, que já havia sido madrinha do primeiro “Novos Mares” (1938), a quem ofereci um bonito ramo de flores.
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Continuava a ser uma honraria para a tal “senhorinha”, a querer espigar, de coração latejante, participar em actos tão solenes, assistindo, perplexa e deslumbrada.
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Entre
os discursos, com o seu feitio acalorado, o do Mestre Manuel Maria Mónica, era
sempre emotivo. Ao falar aos colaboradores, armadores e governantes, o seu facies transformava-se de perturbação e
envolvimento.
A um sinal de Mestre Mónica, o Sr. Eng. Higino de Queirós cortou o “cabo da bimbarra”, começando o navio a deslizar suavemente. Depois mais rapidamente, as”obras vivas”, como que num choque, mergulham nas águas da ria pela primeira vez.
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Com os navios embandeirados em arco, como sempre, nas cerimónias festivas, entre o estalejar de foguetes e os silvos das sirenes dos barcos, o novo navio procura posição, enquanto ocupantes de pequenas embarcações, como habitualmente, recolhem das águas alguns restos de madeira, com que vão atear a fogueira de Inverno, que os aquecerá.
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Estas doces memórias aquecem o coração, em dia de forte temporal, num dia já primaveril, pelo menos no calendário.
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Ílhavo, 28 de Março de 2024
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Ana Maria Lopes
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