terça-feira, 24 de outubro de 2023

Atlântico - Navio Perdido

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Em pesquisa sistemática do jornal “O Ilhavense”, eis que a notícia do encalhe do lugre Atlântico, nos finais de 1925, no regresso dos bancos da Terra Nova, me fez pensar e revirar os apontamentos.

Para chegar ao lugre Atlântico, tive de regredir no tempo e com trocas de impressões com amigos interessados, parece que cheguei a porto seguro…

Pesquisa ali, pesquisa acolá, listas de navios, jornais, catálogos e o tal “puzzle” marítimo encaixa gradualmente.

O lugre Atlântico, ex-Dolores, de madeira, (tendo navegado sob bandeira dinamarquesa com os nomes de Urda, de 1892 a 1907, e Sylphe, de 1908 a 1909), foi construído em 1892, em Odense, Dinamarca, por N. F. Hansen. De comprimento, media, entre perpendiculares, 33,85 metros, 7,40 m. de boca e 3,14 de pontal. Registava uma arqueação bruta de 152, 68 toneladas e líquida de 101,10.

A partir de 1910, surge registado no porto de Aveiro, com o nome de Dolores, tendo sido seu capitão até 1916, António José dos Santos e Augusto Fernandes Pinto (1916 e 1917).

Por informação da lista de navios portugueses de 1914, temos, então, a certeza de que era, pois, pertença da Parceria Marítima Aveirense e foi-o até 1917.

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Lugre Dolores
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Entre 1918 e 1921, passou para a Companhia Aveirense de Navegação e Pesca, mudando o nome de Dolores para Atlântico, em 1920.

Alcançámos o Atlântico…

Por ele passaram os Capitães Jorge Fort’Homem (1919 e 1920) e Joaquim Gonçalves Guerra (1921).

Mas, a dança das sociedades não pára e a partir de 1921 até 1925, é propriedade da Parceria Marítima Africana.

De 1922 a 1924, inclusive, comandou o Atlântico Adolpho Francisco da Maia e no ano de 1925, assumiu o mesmo cargo o ilhavense Marco Luís Fraco, para quem estava reservada a desdita do fatídico sinistro, sendo piloto, João Firmeza.

Por informação da Marinha, o Atlântico naufragou por encalhe a sul da barra de Aveiro, em 30 de Outubro de 1925, por motivo de avaria no leme, tendo sido salvos todos os tripulantes, através do cabo de vaivém.

O relato do nosso jornal do primeiro de Novembro de 1925, em notícia Navio Perdido é muito mais emocionante e pormenorizado, pelo que me selecciono alguns parágrafos:

Quando ao largo da barra pairava uma quantidade de navios esperando a entrada no porto […], o rebocador Vouga tentou sair, não o podendo fazer em consequência da agitação do mar.

Entretanto, o Atlântico vendo o sinal do Forte, foi-se aproximando, à espera de ocasião propícia. Como o rebocador não se aproximasse […], o navio veio singrando ligeiro, passou o banco de areia e, ao chegar perto da “Meia-Laranja”, ficou sem governo, em consequência de uma vaga lhe ter despiado a gaiúta e esta ter quebrado a roda do leme.

De terra, onde uma multidão esperava a entrada dos navios, ao ver-se que o Atlântico corria o risco de se perder, houve um grito de angústia por aqueles marinheiros, que estavam prestes a serem tragados pelas ondas, tão perto de suas famílias e seus lares!

Sem governo, à mercê do vento e da corrente […], o Atlântico é arremessado pelas vagas que lhe varrem o convés, um pouco a sul da Meia-Laranja. Na impossibilidade de salvação do navio, o capitão ordena que a tripulação (no total de 28 homens) se prepare para o abandonar. Estava salva a tripulação!

Com a vazante da maré, iniciaram-se os trabalhos de recuperação dos salvados e de grande parte da carga, constituída por 2 200 quintais de bacalhau. Era capitão do lugre Atlântico, Marcos Luís Fraco e piloto, João Firmeza.

 Ao local acorreram milhares e milhares de curiosos, de Ílhavo, Aveiro, Gafanhas, Costa-Nova, para verem o navio naufragado.

Pena é que entre tantos “mirones”, nenhum tivesse feito disparar a objectiva, de modo a que um documento visual tivesse chegado, hoje, até nós, para enriquecer a narrativa, já por si, tão forte e impressionante!

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Ílhavo, 24 de Outubro de 2023

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Ana Maria Lopes

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