sábado, 7 de outubro de 2023

Menina e moça... já calcorreava os areais...

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Influências sentidas no Algarve

O Algarve, a que Orlando Ribeiro chamou” encruzilhada de influências e contrastes naturais”, é, pela sua situação, uma região aberta a influências.

Influência dos povos da região de Ílhavo, Aveiro e Murtosa – No domínio nacional, um dos povos que maior influência teve na costa algarvia, foi o da região de Ílhavo, Murtosa e Aveiro. Ao longo deste trabalho tenho-me referido a esse facto, mas agora proponho-me reunir todos os testemunhos que a esse respeito obtive, quer orais, quer escritos, recolhidos em várias obres consultadas.

Os pescadores que me forneceram dados indispensáveis, referiram-se aos ílhavos ou ilhos, a propósito das redes de tresmalho, solheira e branqueira, todas elas de influência nortenha, sobretudo nas localidades da Fuseta, Quarteira, Albufeira e Lagos.

No que se fere a embarcações, uma ou outra bateira da ria de Aveiro encontrada na costa algarvia, era a prova da deslocação do seu possuidor para aquele ponto, sendo, no entanto, o nome de ilhe, dado à embarcação mais abundante na zona de barlavento, o testemunho mais evidente dessa influência.

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Proa de um barco ilhe, nos anos 60
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Lopes Pereira, in “Murtosa, gente nossa”, ao referir-se ao inicial povoamento de Olhão, assinalou aí a presença de pescadores da ria de Aveiro, levados por caíques algarvios que vinham a Aveiro vender peixe salgado, e que, no regresso, faziam de enviadas.

Também Maria Corália Carrajola Macara, in “O falar dos pescadores e lavradores do concelho de Olhão”, dizia que era desconhecida, supondo-se, no entanto, que os olhanenses eram descentes de gentes de Aveiro que, atraídas pela riqueza piscatória da região, aí se fixaram e, embora pareça não ter fundamento certo, consta da tradição que teriam vindo mesmo alguns pescadores de Ovar ou de Ílhavo.

Não há dúvida de que houve uma influência nítida, de que os próprios pescadores tinham uma viva consciência.

Em abono deste facto, o povo desta região de Aveiro tinha um carácter expansivo, que, em busca de melhores rendimentos, se espalhou por quase todo o nosso litoral, especialmente para sul, constituindo o centro difusor de maios irradiação, no domínio da pesca. Falaram-me dos ílhavos na Nazaré, em Peniche, na Ericeira, na Costa da Caparica, em Sesimbra e Sines e as referências a essa expansão encontradas em diversas obras, são também, numerosas.

Raquel Soeiro de Brito, in “Palheiros de Mira”, ao ocupar-se dos aglomerados, que inicialmente povoaram o nosso litoral, diz que os ílhavos desempenharam um papel relevante, afirmando mesmo que “estes, de facto, alimentaram a colonização dos areais não só nas imediatas proximidades da sua terra, mas ainda se atreveram bem para o sul, tendo chegado de barco à Caparica, no terceiro quartel do século XVIII, e mais tarde a Sesimbra”.

A propósito da origem da povoação de Palheiros de Mira, diz que aí se veio fixar gente de Quiaios e de Lavos, tendo também lá desempenhado papel importante a freguesia da Murtosa.

Na pequena monografia “Nazaré e o seu concelho”, Raúl de Carvalho, depois de algumas referências aos pescadores de Ílhavo, diz que estes, depois de terem abandonado as suas terras, em busca de melhor vida e mais fartura de peixe, constituíram os primitivos pescadores da Nazaré.

E, Raúl Brandão, no capítulo dedicado à Nazaré, afirmava, pela boca de Joaquim Lobo, que aquela gente viera de Ílhavo e recorda ainda que foram os cagaréus que povoaram os melhores e mais piscosos pontos da costa, vindo pelo litoral abaixo, aos dois e três barquinhos juntos, até ao Algarve.

Também tive conhecimento da influência que os referidos povos tiveram na Ericeira, visto que Joana Lopes Alves, in “A linguagem dos pescadores da Ericeira”, ao ocupar-se da rede do linguado ou tresmalho, diz ter sido trazida pelos pescadores da Murtosa, que a usavam na sua terra.

Igualmente, Maria Alfreda Cruz, in “Pesca e pescadores em Sesimbra”, ao ocupar-se do tresmalho, diz que é conhecido em Sesimbra, por” redes de ílhavos”, designação que denuncia a sua proveniência.

Também em Baldaque da Silva, são inúmeras as referências ao carácter emigrante dos povos da região da Murtosa, Ílhavo e Aveiro. Ao ocupar-se da rede sardinheira, afirma que os pescadores ílhavos que emigraram para Setúbal, lá usavam uma sardinheira de menores dimensões. Eram também os pescadores ílhavos que emigravam para entre os cabos da Roca e Espichel e aí usavam, nuns barcos com o seu próprio nome, bateiras ílhavas, a rede de cerco volante, designada por “tarrafa”.

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Bateiras ílhavas varadas em Cascais
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Bateira ílhava aproada no Tejo

 

Foi, no entanto, o tresmalho a rede mais difundida pelos ílhavos, “que, em grande número, emigraram durante a época do sável para o Douro, Tejo e Sado”, segundo as próprias palavras de Baldaque da Silva.

Pelo contrário, os poveiros, de grande renome, cujos usos e costumes estiveram em Vila do Conde, Matosinhos, Afurada e arredores e que exerceram alguma influência em Buarcos e até mesmo em Sesimbra, nunca foram falados pelos algarvios.

Nestes pescadores, consideravam-se dois tipos: os que viveram isolados, mais presos às suas técnicas tradicionais, que nunca saíram dos Algarves e mostravam até uma certa relutância em viajar, e, outros que, de espírito mais aberto, não se satisfizeram com a mediocridade dos seus lucros, e procuraram uma melhoria dos meios de subsistência, noutros processos de pesca. Muitos deles tentaram-se a participar nas campanhas de bacalhau, sendo Peniche a terra preferida, devido a ser um centro muito desenvolvido, onde a pesca mecanizada já se praticava em larga escala.

 

In “O Vocabulário Marítimo Português e o …”, 1975

Ana Maria Lopes

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