Foi
dos capitães com tem tive mais contacto. É fácil de perceber – embarcou durante
15 anos seguidos, em navios de Testa & Cunhas. É evidente que isso
representou um factor de aproximação. E a própria vizinhança, ali perto, na Rua
de Camões., nº 94.
O
Sr. Capitão João dos Santos Labrincha, de alcunha Laruncho (1901-1980), nasceu em Ílhavo em 8 de Agosto de 1901. Filho de Manuel dos Santos
Labrincha, e de Rita Correia, teve, do casamento com a Senhora D. Clotilde
Silveira, duas filhas – a Rita e a Benedita com quem fui contactar e pedir
fotos do Pai, a bordo, no caso de existirem.
Possuía
a cédula marítima 12026 passada pela capitania do porto de Aveiro, em 14 de
Março de 1914.
Pressuponho
que tenha embarcado sem que haja dados par o certificar, mas a partir do
momento em que há registos fiáveis, teve um currículo muito certinho, sobretudo
entre a Empresa de Pesca de Aveiro e Testa & Cunhas, Lda., com duas curtas
excepções.
Nas
campanhas de 1928, 29 e 30, foi piloto do lugre Maria da Glória,
da Empresa União de Aveiro, Lda., comandado pelo Capitão António Marques (28) e pelo Capitão Francisco dos Santos
Calão (29 e 30) - lugre Maria da Glória que veio a ficar tristemente conhecido pelo fatídico bombardeamento que
sofreu em 1942, com consequências desastrosas para Ílhavo.
Nas
safras de 1931 e 32 ocupou o cargo de piloto no lugre Santa Joana da
EPA, sob o comando Capitão João Ventura da Cruz. O ano de 1931 fora o famoso ano da viragem, o ano heróico da primeira pesca
na Groenlândia, que abriu novas portas para a pesca do bacalhau, que era
assolada por uma crise profunda.
De
1933 a 35 passou a capitão, com o piloto Manuel Ferreira da Silva, da
Gafanha da Nazaré (33), no San Jacinto. O lugre com motor San Jancinto,
de madeira, ex-Encarnação, foi
construído em 1919, em Pardilhó, por Joaquim Dias Ministro. Adquirido pela
Empresa de Pesca de Aveiro para a campanha de 1933, o San Jacinto, na campanha de 1936, passou para a Empresa de
Pesca de São Jacinto, Lda.
O lugre San Jancinto, da EPA, até 1936
E
o Cap. João Laruncho, como era mais conhecido, continuou na EPA, mas desta vez
a comandar o lugre Santa Mafalda, durante 11 anos, de 1936 a 46 – um dos quatro Santas que demandaram a Groenlândia
em 1931. Tão heróico foi o feito que
não é demais repeti-lo ou lembrá-lo!!!!!
Foram
seus pilotos, os ílhavos, João
Pereira Gateira (36 e de 38 a 41), José Simões Ré (37),
João Nunes de Oliveira, de alcunha Sousa
(42, 43 e 44) e José Simões Amaro, de alcunha o Forneiro (45 e 46).
E,
porquê? Lá saberão os interessados, à época, mudou-se de armas e bagagens para
Testa & Cunhas, Lda., até ao fim da sua carreira profissional.
Começou
por comandar nas campanhas de 1946, 47 e 48, o lugre Novos Mares,
aquele bonito lugre de quatro mastros,
que estreara o meu avô, na viagem de 1938. Foram seus pilotos, os ilhavenses
José Simões Amaro (47) e António
Cachim, em 48.
O lugre Novos Mares, a secar pano, em frente à
seca
-
Durante
seis campanhas, de 1950 a 55, comandou o navio-motor Inácio Cunha,
construído por Manuel Maria Bolais Mónica, em 1945, na Gafanha da Nazaré, dentro do plano de renovação de navios.
Em dia de bota-abaixo,
o Mestre Mónica, em discurso exacerbado, junto da madrinha, Senhora D. Adília
Cunha. 1945
Na
primeira viagem que fizera o nosso capitão, em 1950, naufragara, com o leme partido pelo violento temporal o navio-motor Cova de Iria. Os náufragos foram salvos e trazidos para Leixões
pelo navio Inácio Cunha. Aí o vemos
a entrar, apinhado de gente.
O Inácio
Cunha, na entrada, em Leixões. 1950
Durante
estes anos, foram seus imediatos João Nunes de Oliveira, de alcunha Codim (1950 a 54) e Armando
Pereira Ramalheira, em 1955. Seus
pilotos foram Juvenal Carlos Filipe Fernandes, da Gafanha da Nazaré (50 e 51), Augusto Manuel Valente Labrincha (52 e 53) e Calisto
Casqueira Ribau, da Gafanha da Nazaré (54
e 55).
No espardeque
do Inácio Cunha, o capitão saúda, à
entrada
Durante
a cerimónia Bênção de 1953, o Capitão
João Laruncho foi condecorado pelo
Presidente da República General Craveiro Lopes, entre outros capitães
ilhavenses.
Enquanto
miúda, tenho a latente lembrança de que ele me trazia daqueles afamados e
grandes fashion stores canadianos algumas lembranças – lâmpadas de Natal,
multicolores, de água efervescente, que faziam os meus encantos, todos os Natais,
uma gabardina muito chique, de cor bordeaux,
debruada a quadriculado condizente; mais moçoila, já apreciava umas maquillages levezinhas, uns cremes e uns
blushs, que ainda não havia por cá.
E
com o vai e volta dos bancos da Terra Nova e Groenlândia, chegara o ano de 1956 e, com ele, um dia ímpar, para
mim. A 10 de Março, pelas 15 horas, num dos dias mais felizes da minha
adolescência, em cerimónia pomposa, na Gafanha da Nazaré, amadrinhara o navio-motor
São Jorge, que Testa & Cunhas
encomendara nos estaleiros do Mestre Manuel Maria Bolais Mónica, que o Capitão
João Laruncho iria estrear no seu
comando. O imediato fora Armando Pereira Ramalheira, em 56 e 57, e piloto, João
Sílvio Serrano Matias, em 56.
O navio-motor
São Jorge, embandeirado em arco, em
dia de bota-abaixo
Pelo
meu afilhado São Jorge, se manteve o
Capitão João dos Santos Labrincha, até 1961,
inclusive, não tendo voltado a ter mais imediatos de Ílhavo.
Na porta de visita à chaminé, EB, do São Jorge
Dando
por encerrada a sua vida de mar, aposentou-se com sessenta anos.
Viveu
ainda alguns, bem merecidos, por Ílhavo, na companhia da família e nos habituais
encontros de colegas, junto à farmácia, no jardim da vila, ao domingo, no Café
Central e na barbearia do Sr. Leopoldo, onde se discutiam acaloradamente todas
as campanhas do bacalhau.
Era
assim a vida, naquele tempo… para quem esteve ou estava ligado ao mar.
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Imagens
– Arquivo
pessoal e gentil cedência de familiares
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Ílhavo,
27 de Novembro de 2016
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Ana Maria Lopes
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