sábado, 24 de novembro de 2012

Milena - 1948 | Memórias de uma campanha


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No ano de 2010, através do Marintimidades, foram-me solicitados alguns dados sobre o lugre Milena por familiares de dois tripulantes que nele fizeram algumas viagens e que, por coincidência, ambos naufragaram com o navio (em 1958) – a saber, Joaquim António da Silva Belo, da Torreira e o avô de um tal Emílio Gomes do Novo. E assim, com singelos episódios, se vai fazendo a história dos lugres, recorrendo a pequenos /grandes «puzzles».
 
Situar o navio, convém sempre – o imponente Milena, lugre de madeira de quatro mastros, foi construído na Florida, E.U.A., em 1918. Foi o ex “Burkeland”, pertencente a J.A. Merritt & Co., Pensacola, Florida, entre 1918 e 1935. Adquirido em Génova pela Indústria Aveirense de Pesca, Lda., (IAP), de Aveiro, iniciou a actividade de pesca em 1936. Durante os anos de 1940 e 1941, o navio efectuou viagens de comércio, tendo regressado à pesca na campanha de 1942.
Acabou por naufragar, por motivo de alquebramento, no Virgin Rocks, Terra Nova, a 7 de Agosto de 1958.
 

O lugre Milena (Reimar)

 
Nele embarcaram os capitães António Augusto Marques, o Capitão Marcela (1936 até 1945), Tude Brito Namorado (1946 a 1948), João Fernandes Matias (1949 até 1951), Carlos Augusto Castro (1952 a 1955) e Joaquim Marques Bela (1956 a 1958).
 
Eis que um soberbo testemunho foi passado ao papel, num singelo mas caloroso livro, editado pelo jornal «O Ilhavense», que espero ler de uma golfada. Basta ser um relato na primeira pessoa, vivido, sentido, suportado, sofrido, experimentado e recordado. O ilhavense Armindo José Bagão da Silva, nascido em 7 de Julho de 1932, emigrado no Canadá desde 1970 até hoje, é o seu Autor.
 
Com 14 anos vai pela primeira vez ao bacalhau, em 1947, actividade que conserva até 1959, de moço de câmara, no Milena, tendo passado pelos navios Terra Nova, Estêvão Gomes, Pedro de Barcelos, Luiza Ribau, Condestável e Vila do Conde, entre os cargos de moço e de ajudante de cozinheiro.


 
Ficha do GANPB

 
Revelou-se bastante atribulada e flagelada aquela que seria mais uma viagem ao bacalhau, a campanha de 1948 do lugre Milena.
 
E entreguemo-nos à memória prodigiosa de Armindo Bagão, jovem autor de 80 anos, com apenas a 4ª classe da época.
 
Aconteceu de tudo um pouco naquela campanha de 1948, desde uma saída quase trágica da barra de Aveiro, até um temporal que atirou borda fora cinco homens, dos quais apenas quatro foram devolvidos ao convés. Uma vida perdida – o Guia, de Setúbal, como tantas… Vamos aguardar a leitura integral, com ansiedade…
 
Da mesma campanha de 48, do mesmo navio, estiveram presentes na apresentação deste livro, na nossa Junta de Freguesia, Júlio Manuel (n. em 1930), irmão do autor, ajudante de motorista, à época, e Luiz Franco Malta (n. em 1922), ajudante de cozinheiro. Também tivemos o prazer da companhia do Sr. Capitão António Morais Pascoal, com a respeitável idade de 89 anos, que foi piloto do Milena, mas nas campanhas de 1946 e 47. Já não entre nós, foi recordado o excelente contramestre Francisco Ramos (1915-2002), de quem tenho gratas recordações.

 
A bordo do Milena, em 1946 ou 47
 
A bordo do Milena, em 1946 ou 47. Quem?
 
Prefaciou o relato, o sobrinho do autor, João Bagão, e apresentou-o, emocionado, o irmão João António Bagão da Silva (n. em 1939), perante uma assistência interessada e calorosa, num ambiente simpático e salutar.
 
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Umas horas mais tarde…
 
Também com uma vida atribulada, aportei onde devia e, enquanto velava e acompanhava, lia sofregamente o registo há pouco chegado às minhas mãos. É uma pérola de um livrinho.
Embevecida, sorvi-o na clareza da sua linguagem técnico-marítima, que entendo e recordo com alguma facilidade, apesar de nunca ter embarcado.
Que prazer! Veio-me à lembrança o corre-corre das manobras apressadas da montagem da primeira Exposição Faina Maior, em que, aí era a «capitoa», bem escorada pelo grande Francisco Marques e pelos marinheiros, pescadores, contramestres, cozinheiros, ainda vivos, desta nossa terra. Vivi-a com PAIXÃO! Nunca o negarei ou não fosse neta do capitão Pisco e bisneta da arraisa Caloa.

Ecoam-me aqui aos ouvidos…umas vozes celestiais – e lá vem aquela com a Faina Maior, o que é que ela sabe?… nunca saiu a barra…Enganam-se. Olhem que saí, saí …
 
Curioso…quase 20 anos – a exposição inaugurou-se no dia 28 de Novembro 1992. Quase, quase coincidiu…Às vezes, acredito nas coincidências.
Perdoem-me alguma incorrecção – foi a pressa, que é inimiga da perfeição. Eu estava sôfrega por postar o blogue.
 
Imagens do Arquivo da Autora do blogue e ficha gentilmente cedida pelo MMI

 
Ílhavo, 24 de Novembro de 2012
Ana Maria Lopes
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7 comentários:

fangueiro.antonio disse...

Boa noite.

Uma ótima notícia o lançamento deste registo de memórias. Nunca são demais. Sabe por acaso onde estará à venda este livro?

Atentamente,
www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt

Torrão Sacramento disse...

Este comentário de AML é mais uma verdadeira "pérola" da autora que nos tem brindado com verdadeiras delícias. E então falando da "Faina Maor", Aana Maria Lopes escreve sempre com a alma ilhavense ufana dos seus "heróis", da nossa gente que também escreveu com sangue no mar a Gesta Portugues", quais poemas épicos que nos Ílhavos também encontraram actores de enorme relevo.
Se comparações quisermos fazer a autores de obras importantes para os Ílhavos, AML/Francisco Marques, entre outros, aparecem ao comando de uma "Esquadra" por si bem comandada, qual Nelson na batalha Trafalgar. Ana Maria Lopes é também e por direito próprio nome incontornável na história escrita dos Ílhavos...
Torrão Sacramento

Tito Cerqueira disse...

A sessão de apresentação do livro “MILENA 1948 – Memórias de uma Campanha” foi uma verdadeira jornada "Por Ílhavo"! Com a "casa cheia", a presença de dois participantes nessa campanha e de muitos actores da Faina Maior e de seus familiares, criou um ambiente propício à evocação dessa heróica epopeia, património da memória colectiva dos ílhavos, que foi a pesca do bacalhau à linha. Estão de parabéns o director do jornal "O Ilhavense", José Manuel Sacramento, por ter assumido publicar este livro, prestando assim mais um destacado serviço à comunidade ilhavense; o Cap. João António Bagão da Silva, irmão e representante do autor, que de forma distinta, sóbria, fraterna e emotiva, fez a apresentação da obra; e, finalmente, o autor do livro Armindo Bagão da Silva, pelo magnífico e pormenorizado relato que nos faz do que viveu, do que viu e ouviu, quando jovem de 15/16 anos, a bordo do lugre Milena nessa já longínqua campanha de 1948. Que esta bela “ousadia” do nosso conterrâneo Armindo Bagão da Silva inspire outros a passarem a escrito as suas memórias e vivências por esses mares e oceanos que estão no imaginário de todos os ilhavenses.

Ana Maria Lopes disse...

Belo comentário, Tito. Concordo plenamente contigo. Senti-me numa grande família marítima. Há muito que o não sentia. Os ilhavenses lá saberão porquê, deixaram de frequentar o «seu» museu. Já hoje, pus à venda esta bela memória, o LIVRO, na loja do MMI. Não podia, de modo algum, lá faltar!

Anónimo disse...

Logo após os meus parabéns à Drª Ana Maria, por continuamente nos vir facultando este magnífico espaço de cultura marítima, para além do MILENA, ANA MARIA E CRUZ DE MALTA, gostaria de saber quais são os outros navios da frota bacalhoeira que se afundaram nesse fatídico ano de 1958, pois julgo recordar que teriam sido uns 5 ou 6. Embora, se a memória não me falha, parece que nenhum dos náufragos molharia sequer as meias...
Mas isso serão outras "histórias" que a história, por certo, tardará em recordar.
Reiterando meus parabéns, com amizade,
Albino Gomes

Ana Maria Lopes disse...

Olá Sr. Albino:

Obrigada pelo seu comentário. Pois, além dos três navios que indica, que naufragaram em 1958, foram mais o Labrador, o Maria das Flores e o Santa Izabel.
Boa noite, saudações marítimas aí para o norte.

Eduardo Basso disse...

Grande amigo (comum, poderei acrescentar) deixou-me esta manhã dar uma espreitadela às Memórias do Senhor Armindo. Como a perspicácia do então moço foi capaz de registar aquelas experiências e agora transmiti-las tão autêntica e simplesmente, fazendo-nos sentir o "respirar" do mar, arrefecer com os ventos ciclónicos, partilhar das angústias e decisões do capitão e, sobretudo, admirar a coragem daquela gente. Fantástico e, como cresci a ver lugres e varinos, a ouvir falar de marinhas e de sal, de armadores e de capitães (e... de tomar o genuíno óleo de fígado de bacalhau!), fiz uma saborosa regressão de que este blog é uma cereja no topo do bolo. Muito obrigado.