Das embarcações que, em tempos, se dedicaram à apanha do moliço, na nossa ria, posso afirmar que todas estão completamente extintas, com excepção de alguma bateira mercantela, lá para o lado norte, e de alguns, poucos, barcos moliceiros, que sofreram adulterações e já não se dedicam à sua labuta principal – a apanha do moliço.
Que o moliceiro é capaz de ser conhecido no litoral, de norte a sul do país, acredito. Mas… e o matola?
Não teve a mesma sorte. Caiu mais no esquecimento. Não terá ultrapassado a esfera regional.
No entanto, quem toda a vida veraneou pela Costa-Nova, tem, forçosamente, dele, uma imagem forte.
Espanejavam-se na ria de lés-a-lés, apanhavam e transportavam moliço e toda a família do proprietário, para as romarias setembrinas lagunares. Era vê-los na Senhora da Saúde, no último fim-de-semana de Setembro, na Costa-Nova.
Tinham cerca de 13,59 metros de comprimento, 2,50 m. de boca e 0,40 m. de pontal, proa mais baixa que os seus “irmãos” norteiros e completamente embreados a negro.
Normalmente, os donos eram dos lados do Areão e Mira (nomeadamente, Carapelhos, Gândara, Corticeiro, Ramalheiro, Parada e Fonte de Angeão) e utilizavam como cais de carga e descarga o Poço da Cruz, o Areão e a Quintã.
Eram construídos nos estaleiros dos Colaços, em Portomar, e nos dos irmãos António e João Pimentel Loureiro, por alcunha, os Gadelhas, do Seixo de Mira. O Ti João Gadelha, até aos 40 anos também apanhou moliço, pelos lados da Murtosa, Torreira e Ovar, chegando a andar por lá, cerca de um mês.
Construía mais no tempo do defeso, tendo-me ainda recordado as principais fases da construção, o uso de moldes ou formas, do pau de pontos e outros pormenores.
Os donos não se preocupavam com as pinturas dos barcos, nem queriam gastar dinheiro nisso e os construtores também não usavam qualquer marca, sigla ou divisa, no leme.
Não possuíam a graça, a leveza, a policromia, a harmonia de linhas dos barcos norteiros e os “murtoseiros” até os achavam mal amanhados, imperfeitos e feitos à miroa. Mas tinham a sua graça, modéstia e simplicidade!
Os camaradas, profissionais do mesmo ofício, apesar disso, conviviam em sã harmonia e salutar companheirismo.
A memória dos matolas perdura na mente de quem os “fotografou”, ad aeternum.
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Não esquecer, porém, que os matolas eram também os bairradinos que vinham a banhos para a Costa-Nova, em Outubro, pelos anos 50 e seguintes, depois das vindimas, com os seus hábitos muito próprios.
Cliché de João Teles – 1930
Restantes fotografias – Arquivo pessoal da autora
Ílhavo, 5 de Março de 2009
Ana Maria Lopes
2 comentários:
Eram matolas, pouco conhecidos do público em geral, mas também tiveram direito a uma homenagem neste blog.
Muito bom também para elucidar quem não conhecia.
Lembro-me, quando em miúdo íamos nadar para a barquinha, passarem por nós esses barcos e gritarmos: "quem é o matola que vai ao leme?..." os barqueiros não gostavam e chamavam-nos poucas e boas ...
E o que virá a seguir ?
Não pare!
JR
Boa tarde.
Sem dúvida muito interessante. Não conhecia este nome e é impressionante comparado com os dias que correm, a vida que a Ria tinha. Logo na 1ª foto até encontro dóris do bacalhau.
Com todo o interesse que tenho nas formas e diferenças entre barcos, estou a ver as suas fotos "à lupa" para aprender a diferenciá-los sem ser só pelo facto de serem negros. Pela sua descrição, faz-me vê-los como os "patinhos feios" da frota da Ria.
Parabéns e continue a ensinar-nos o nosso passado marítimo-fluvial.
Atentamente,
www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt
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