segunda-feira, 23 de março de 2009

A apanha da galeota



São 23 de Março. Eis o primeiro pregão! Este ano tardou, porque o inverno foi muito chuvoso.

Galeooooota!
Compradoras assomam às portas!

Já há galeota – diz-se.

É tempo dela! Pregão único, mas bem timbrado, prolongado e amiúde!

Dura, de um mês a mês e meio, a venda da galeota pelas ruas de Ílhavo e zona das Gafanhas, porta a porta. Recordo os pregões desde sempre, mas de ser, tão!..., tão miudinha, era peixito que nunca me cativou. Se bem que um petisco para muita gente! No início da safra, é sempre cara como fogo; pudera! – há um ano que não se lhe chinca!!!! Mas à medida que se banaliza (por se ir transformando no lingueirão), o preço desce, permitindo que bolsas menos ricas lhe acedam.

Sempre mais preocupada com as embarcações e processos de pesca usados do que com os prazeres gastronómicos, ia frequentemente até à Costa-Nova (junto à Biarritz e San Sebastian), observar a sua apanha e ver as redes, bastante sui generis, nos trapiches, a secar. Pelos anos 80 recolhi os dados, que, agora, me dão um jeitão.
Hoje era capaz de já ter preguiça de andar, de botas de água pela borda da ria ou junto às coroas, para gravar conversas e bater chapas.

A rede da galeota é uma arte de cerco ideada especialmente para a captura daquele peixe.
Consta, essencialmente, de uma tira de rede, que adelgaça para os calões, tendo, no centro, um rectângulo de pano branco. Este pano, antigamente um lençol já puído, é, actualmente, substituído por um cortinado também fora de moda, de nylon, de textura adequada.
O comprimento da rede é de cerca de 30.00 metros e os calões medem cerca de 0,40 m. de altura. A arte é feita com rede usada, de traineira.

Uma bateira vulgar (ou qualquer outro género de embarcação de fundo chato), é o tipo de embarcação utilizada neste processo de pesca.


A rede junto ao calão


Fica um pescador em terra aguentando o cabo do reçoeiro, enquanto a bateira se afasta da margem, largando a rede, a favor da corrente.
A partir do meio da rede, a embarcação dirige-se para a margem, completando o cerco, para o que fez um percurso, sensivelmente, em semi-círculo.

A zona do pano branco da rede


Abicada a bateira, os pescadores saltam para a água e, em conjunto com o que havia ficado na margem, alam a rede. Vão-lhe dando sacudidelas rítmicas, para espantar e conduzir o peixe para o pano. Percorrem a tralha da cortiça, até que ao chegar ao centro, com a galeota agrupada junto ao pano, levantam a rede fora de água, deitando o produto do lanço no quete da embarcação.

Pescadores levantam a rede


A galeota, quando perseguida, esconde-se na areia branca, enterrando-se rapidamente. A arte aproveitou engenhosamente esta particularidade, pois o pano branco consegue enganar a galeota, dando-lhe a ilusão de areia. Por vezes, apenas dois pescadores lançam a rede.
A época da galeota começa em meados de Março e prolonga-se até aos fins de Abril, variando ligeiramente com a influência das condições meteorológicas, das marés, da transparência e calmaria das águas.
A galeota mais apreciada pelos entendidos é a primeira, por ser mais pequena (a larva do lingueirão). Depois de crescida, já não é tão saborosa (dizem os degustantes).

Apanhado o petisco sazonal, é preciso fazer o seu escoamento imediato no mercado da Costa-Nova, nos restaurantes da zona, porta a porta, em grito estrídulo:
Galeooooota!

Compradoras aparecem às portas!

Avia-se a freguesa…


Curioso o processo de venda, no passeio ou à porta, medindo a porção a fornecer à cliente, pelas mais variadas e expeditas maneiras: a mais típica, a concha da mão, formada pelo indicador enrolado, circundado pelo polegar; o copinho de vidro, em alternativa ao pires da chávena de café e, modernamente, também, o copinho de iogurte.

Peixeira atende no passeio...


E o pregão continua, estridente e bem sonante: Galeooooota!

Regateia-se preço e medida; se a vendedeira é enganadeira, basta-lhe fechar mais os dedos, variando a capacidade da concha. Ou tenta pôr mais água enquanto que a freguesa prefere o peixinho a nadar menos.

Em anos de fartura, como foi o ano passado, no final de época, até se pode ajustar também ao quilo.
O petisco mais vulgar será a caldeirada; mas também há quem faça, posteriormente, uma papa rala de farinha de pau, recuperando a molhanca da caldeirada. Existe ainda uma receita mais sofisticada: as pataniscas (bolos) de galeota.
Galeooooota! Galeooooota! – Ouve-se cada vez mais ao longe!!!

Fotografias – Cedência de Paulo Miguel Godinho

Ílhavo, 23 de Março de 2009

Ana Maria Lopes