Já em 1996, quando Jean Pierre Andrieux me ofereceu o seu livro Disasters & Shipwrecks, vol. 3, 1940 – 1980, li uma passagem que me surpreendeu e que resumo, traduzindo-a:
Durante o Verão de 1993, fui convidado pelo Comandante António M. São Marcos, narra Andrieux, para um almoço a bordo do arrastão de popa, para pesca longínqua, Inácio Cunha, que, então comandava. Este navio, de alojamentos bem distribuídos, que eu conheça, era o último navio da frota de pesca portuguesa que tinha o logotipo do proprietário Testa & Cunhas, estampado em toda a sua louça – era a Cruz de Malta.
Tinha visto, vários anos antes, louça com variados logotipos noutros navios, mas tal prática desaparecera por completo. Falámos da expedição de 1993 ao Titanic, onde foram recuperadas louças, pratas e outros artefactos do desafortunado navio. Rapidamente, o Comandante São Marcos mostrou que isto não era novidade para si e que, desde criança, convivera com “pratas” do Titanic. Como podia ser, se os primeiros objectos só haviam sido recuperados na expedição de 1987? – pensei eu.
Como vim a perceber, para meu grande espanto, um tio-avô do Comandante, o Capitão João Frade, tinha comandado o Leopoldina (?), na Primavera de 1912. Após a tragédia do Titanic, os Grandes Bancos estavam atulhados de despojos flutuantes do desafortunado paquete. A tripulação do navio recolheu alguns destes destroços, entre os quais estava uma arca com talheres, todos marcados com o símbolo da White Star Line, proprietária do Titanic. Quando regressou a Portugal, apresentou o lote ao armador do navio, tendo ficado apenas com uma pequena parte que retirou para ele e distribuiu pelos familiares e amigos mais íntimos.
Daí a explicação para o facto de algumas famílias de Ílhavo possuírem alguns, poucos, talheres do Titanic. Pergunto eu: será que isto é verdade e os talheres seriam reconhecidos como tal? Até hoje, ainda não tenho uma certeza absoluta.
Em 1997, o magistral filme dirigido por James Cameron e estrelado por Leonardo Dicaprio e Kate Winslet, com o mesmo nome, mais uma vez endeusa o tema. Torna-se na maior bilheteira do cinema americano e mundial e açambarca 11 dos 14 Óscares.
The New York Times
No Verão passado, o Capitão João São Marcos presta um depoimento, nas Memórias de um Pescador, que escreveu:
No lugre Leopoldina (?), em fins de Maio de 1912, o ti João Grilo, capitão de navios uma vida inteira, em fins de Maio de 1912, ao chegar à Terra Nova, encontrou aboiado e apanhou um armário de sala de jantar do paquete Titanic, com talheres da “White Star Line” que, ao chegar à Figueira da Foz, em Outubro, concluída a campanha de pesca, entregou ao seu armador, Lusitânia de Pesca.
Destes talheres, guardo como relíquia de valor incalculável e da herança deixada do capitão Grilo, um talher.
Por duas vezes, aparece evocado o nome do Capitão João Grilo (Frade), como sendo o autor dos achados, enquanto capitão do lugre Leopoldina.
Amigos também versados no assunto alertaram-me de que teria sido, de facto, o Capitão João Grilo, mas a bordo do lugre Trombetas, um primeiro que existiu, já registado em 1903 na Figueira da Foz, antes do construído em Fão em 1922.
Esta informação também está confirmada na grelha existente na página 99 do livro de Manuel Luís Pata, A Figueira da Foz e a Pesca do Bacalhau, Vol. I, que regista a chegada do lugre Trombetas a 27.10.1912, tendo como capitão João Francisco Grilo, com base na informação que lhe chegou através de A Voz da Justiça, da Figueira da Foz, daquele mesmo ano. De qualquer das maneiras, é uma achega, que não queria deixar de registar.
1º Lugre Trombetas – 1913
Fala-se, nos meios mais próximos, que será lembrado o centenário do acidente, em Abril de 2012, com uma exposição jamais vista, não sei onde. Faltam pouco mais de três anos. Talvez eu, ou alguém por mim, consiga averiguar, de vez, se se trata realmente de colheres do Titanic, ou se a imaginação popular e o diz que diz acrescentaram o resto à história. Quem conta um conto, acrescenta um ponto… Mas que a explanação tem fundamento, tem.
Fotografias – Arquivo pessoal da autora e de Reimar
Ílhavo, 8 de Fevereiro de 2009
Ana Maria Lopes
4 comentários:
Minha boa amiga
Essas arcas são um poço sem fundo! O que é que virá a seguir ao Titanic? Estou com imensa curiosidade!
Fernando Martins
Dra. Ana Maria,
Este caso das colheres, muito bem explicado, está perfeitamente fundamentado pela data, pela circunstância da rota seguida pelos lugres e pela "estrela", igual ao logotipo da companhia, tal como o conhecemos.
Por isso parabéns pelas peças preciosas, que tem em seu poder.
Entretanto estive entretido a viajar num desenho do navio e deixando-me levar pela emoção da descoberta, tenho a sugestão que
o armário em questão, onde se encontravam as colheres, não estariam nos salões de jantar, mas no "Ellegant Cafe", espaço destinado aos jovens que ocupavam a 1ª classe, por se encontrar no 1º convés, sob a terceira chaminé, que terá sido o local por onde o navio se partiu.
É verdade que estamos quase a 100 anos volvidos após o acidente, mas mesmo assim o sonho da descoberta sobre como tudo aconteceu, obriga-nos a participar naquela única viagem, como se por magia tivesse-mos estado a bordo.
Cumprimentos, Reimar
Olá Ana
O professor Fernando tem razão..como num passe de mágica..tiras da cartola as histórias mais fantásticas..
parabéns pelo post.
Beijinhos
Maria
Olá:
Obrigada pela visita e comentário.
Hoje, editei a 1ª parte do Desertas. Para nós, "meninas" da Costa-Nova, o Desertas também é um mito. Parece que o vimos ali na frente, sem o termos nunca visto. Não é?
Beijinhos
Ana
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