Ainda sensibilizada pela exposição patente no MMI. Rostos da Pesca, aconselho-a vivamente como mostra a visitar, pois, nem sempre temos à mão obras desta excelência.
No entanto, para mim, há cinco trabalhos que ressaltam do conjunto: são eles os de Silva Porto, João Vaz, Marques de Oliveira, Eduarda Lapa e Lázaro Lozano.
A minha memória afectiva filtrou a exposição, de acordo com as minhas preferências: Silva Porto e João Vaz são nomes sonantes no panorama artístico português dos séculos XIX e XX e, então, procuram-se avidamente.
Em dois óleos sobre madeira cujo tema é a Praia da Póvoa de Varzim, revelam-se, fortes, expressivos, impressivos e emotivos; só que não retratam propriamente rostos, mas antes a paisagem aliada à representação generalizada das actividades piscatórias da beira-mar, hoje praticamente extintas: as grandes lanchas poveiras do alto, pujantes no seu porte, há muito se ausentaram.
A caminho do Museu de Marinha, motivada como estou, não deixarei de revisitar as soberbas marinhas de João Vaz, lá existentes, de dimensões arrebatadoras: Olhão, Setúbal, Muleta do Barreiro e Espinho. Esmagam.
À espera dos barcos de Marques de Oliveira paralisa-me emocionalmente: aquela rapariga, de lenço esbranquiçado na cabeça, rosto tisnado, olhar distante fixo no horizonte e no mar, quem espera? Um ente querido: pai, marido, namorado? Tocante.
Já nos anos 90, aquando da reabertura ao público do Museu Soares dos Reis, no Porto, após restauro e reestruturação do espólio, este óleo foi cabeça de cartaz. Desde aí o “fotografei” e o “retive” e não deixarei de o revisitar quando o souber exposto.
Surpreendeu-me, também, pela positiva, a Velha Varina da Nazaré. Aquele pastel sobre papel, de pequena dimensão, de Eduarda Lapa, revela uma colossal grandeza interior. Vale a pena envelhecer assim, com um rosto daqueles: o bronze da pele, as rugas vincadas e macias, o brilho dos olhos experientes e vividos.
O que me espantou, sobretudo, foi aquele rosto ter saído da paleta de Eduarda Lapa. Pintora contemporânea (1896 – 1976), distinguiu-se, essencialmente, como intérprete de flores, mas é a faceta de pintora da nossa ria que, sobretudo, me atrai.
Eu, criança, recordo-me de a ver pintar, da varanda da minha casa na Costa-Nova, protegida do sol pelo seu chapéuzinho branco, de pano, de olhos fixos na ria de então, bem diferente da de hoje: grande variedade de barcos em que os moliceiros eram os senhores da laguna e dos seus quadros. Memórias da juventude…
O óleo sobre tela, Fainas das Gentes do Mar, de Lázaro Lozano, tinha de fazer parte das minhas preferências. Com ele convivo, de há vinte anos para cá…Três nazarenas de traçado forte, de vestes escuras, muito características de Lozano, em primeiro plano; um apontamento subtil, longínquo, da neta da Nazaré…
Fainas da Gente do Mar
Nascido de pais espanhóis, na Nazaré, em 1906, Lázaro Lozano morreu em Madrid, em 1999, onde também tinha atelier.
Dele diz F. Pamplona: Lozano reúne em si o sentido trágico da alma espanhola e o lirismo do sentimento lusíada.
As suas figuras marítimas, que não enganam ninguém versado no assunto, dramáticas, atarracadas, têm um misto de realismo e de mística.
Todos os restantes trabalhos da exposição são agradáveis à vista.
Mas, já agora, num museu municipal como é o nosso, com responsabilidades na divulgação também do que é local, por que motivo não integrar alguns dos nossos pintores ditos regionais?
Conheço rostos de pescadores e pescadeiras, na praia da Costa-Nova, de Cândido Teles, dignos de apresentação museológica.
Tormenta
E A Promessa, tão fortemente de Ílhavo, óleo também de J. Carlos?
E Vendedeiras de mercado de Alberto Souza?
E Palmiro Peixe? E outros mais?
Ao comparar Rostos da Pesca com a última grande exposição do MMI., de temática marítima, Artes de pesca. As pescas na Arte, em 2005, não me parece que haja uma fronteira rigorosamente marcada.
Interrogo-me:
– Peixinheiras de Lino António, Mulher de Ílhavo de Alberto de Souza, Gente do mar de Ayres de Carvalho, o tríptico da Nazaré – Gente do mar de Lozano, Varina de Almada Negreiros…Mulheres na praia de Júlio Pomar, não ficariam muito bem em Rostos da Pesca?
O Catálogo, de muito fácil manuseio, económico e útil, permite trazer a exposição para casa, para registo posterior de memórias impressivas.
Fotografia – Arquivo pessoal da autora
Catálogo – JOÃO CARLOS – Retrospectiva, M. de Ílhavo, 1991
Postal editado pelo MMI., 2005, com foto de Jaimanuel Freire
Algures entre Aveiro e Lisboa, 20 de Maio de 2008
Ana Maria Lopes
2 comentários:
Boa noite.
O seu artigo definitivamente deixa-me com imensa pena de não estar em Portugal para visitar tamanha exposição. As obras que descreve de Silva Porto e João Vaz relacionadas com a P. de Varzim são-me particularmente caras, pois retratam uma Póvoa que merecia estar mais viva no aspecto dos seus barcos e tudo em volta deles. Políticas de vista curta não percebem que como disse, as grandes lanchas do alto eram um dos estandartes desta cidade e que bonito seria ver um par delas na areia, de cores vivas a "secar vela", a admirar turistas e a encantar as memórias dos Poveiros. Batéis, catraias, eram às centenas. Talvez um dia alguém ponha mãos à obra. A expressão que a Drª vê na rapariga de lenço branco é a mesma que muitos Poveiros têm hoje sobre a alma algo perdida da sua cidade.
Exposição a não perder, esta em Ílhavo.
E continua...Agora fala de Lino António.Tio Avô de minha falecida Mulher.Tal como disse para Cândido Teles(1 pintura fora de catálogo...)também possuo de Lino António uma aguarela...fora de catálogo!...Ele há coisas!...
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