segunda-feira, 10 de março de 2025

Música a bordo

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Em visita fortuita às reservas do Museu, deparei com uma grafonola antiga e incompleta com discos de vinil, de 78 rotações, que me fixou o olhar, que logo transmitiu o sinal à mente. Depois de observar o necessário, a conversa girou em torno da grafonola, a propósito de umas cavaqueiras tidas há muitos anos com o velho lobo do mar Capitão Almeida, assim era conhecido.

Mais tarde foi-me dada a possibilidade de fotocopiar uns apontamentos dele, que possuo, a que recorro com alguma frequência. E assim foi. No Museu, contei aquilo de que me lembrava e, em casa, lá fui a esse baú, tenho vários, e dei logo com o que queria.

Confessou-me o Capitão Almeida que, no primeiro ano de comando da pesca do bacalhau no lugre Argus (em 1933), mais tarde o Ana Maria da praça do Porto, após reconstrução sofrida no estaleiro de António Maria Mónica, na Gafanha da Nazaré, transmitiu música a bordo.

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Argus velho, em 1934

- Fui o primeiro capitão a dar música a bordo, para o que comprei, por intermédio do meu irmão mais velho, Manuel, uma caixa de música com corda manual, que ainda possuo, (e alguns discos de vinil antigos), com que contemplava os pescadores, em dias de boa pesca e bom tempo. Dizia-se que dava azar música a bordo (dizeres do povo), visto que no Titanic, quando se afundou (1912), a orquestra tocava a bordo.

- Pensei nisso – continuou a conversa – o que me fez, um dia, em que a pesca não estava a correr bem, partir o disco da Ramona, da Samaritana e outros de que gostava muito.

- Mas nunca desisti de dar música, até convencermos os armadores da Parceria Geral de Pescarias, Lda. a fazerem instalação eléctrica de música com altifalantes para o convés.

A música animava muito a companha e, muito principalmente, durante a escala, último e árduo trabalho a bordo, diariamente, depois da pesca, quando o tempo estava bom. Foi uma lição para os navios de outras companhias, em que os capitães também gostariam de música.

Os capitães da Parceria Geral de Pescarias, Lda. podiam, pois, considerar-se precursores da música a bordo sem maus presságios para a pesca. Quantas vezes, através dos nossos postos emissores enchemos o espaço de música, que outros navios, ainda sem instalação emissora, ouviam com agrado.

Mais tarde, foi-nos proibido pelo Gil Eannes, porque de terra se queixavam que interferíamos nas comunicações do correio e outras. Teria sido?

Mas, só para bordo, a coisa não falhava por intermédio de altifalantes.

Foi à volta deste episódio que, na hora lembrei, junto da grafonola, que a nossa conversa rodou.

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Trazida da Parceria nos anos 90, anima as reservas do museu
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A prova tinha passado por mim, pois «aquela grafonola» tinha sido trazida da Parceria (em 1991), pela equipa de pesquisas, preparatórias da montagem da exposição Faina Maior”.

Giraram os discos e rodou a vida. Tem sido um tal voltear!

Ílhavo, 10 de Março 2016/2025

Ana Maria Lopes

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domingo, 12 de janeiro de 2025

Aquário dos Bacalhaus reabriu, ontem, com 23 novos "inquilinos"

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Ontem, tiveram lugar no Museu Marítimo de Ílhavo, as Jornadas “Aquários e Cidadania Azul”, evento que marcou a reabertura do Aquário dos Bacalhaus e que celebrou o 12º aniversário do mesmo, inaugurado, em 13 de Janeiro de 2013.

Nestas jornadas, entre as 14 e as 16 horas, participaram vários especialistas que falaram do papel dos aquários na “consciencialização, comprometimento e proactividade”, em defesa do futuro do planeta, sobre a importância de preservar os recursos marinhos para as gerações futuras.

Na ausência de imagens de ontem, recordo algumas, tais “linhas de água”, em tons de verde, de Cesariny, da primeira real inauguração, em 2013.

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Ílhavo, 12 de Janeiro de 2025

Ana Maria Lopes

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

João Sílvio Matias

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João Sílvio Serrano Matias

 João Sílvio Serrano Matias
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João Sílvio Matias, marítimo, nasceu em 26 de Agosto de 1931. Filho de João Fernandes Matias, conhecido Homem do Mar, e de Sílvia da Conceição Serrano. Solteiro, não deixou descendência. Era irmão de Lucília Serrano Matias e de António Manuel Serrano Matias. Sem grande amizade, sempre fomos vizinhos – entre as ruas Ferreira Gordo e João de Deus – e conhecíamo-nos.

Era possuidor da cédula marítima nº 27718, passada pela Capitania do Porto de Aveiro, em 10 de Janeiro de 1955.

Embora, já tendo tirado o curso, em época da pesca à linha em fase terminal, ainda fez algumas viagens, em navios- motor e no lugre-motor “Creoula”.

Na campanha de 1955, fez uma campanha, no arrastão” António Pascoal”, como praticante de piloto, sendo o seu pai imediato. Na safra de 1956, estreou como piloto, o navio-motor “São Jorge”.

Nas campanhas de 1957 e 58, foi piloto no navio-motor “Lutador”, sendo o seu pai, capitão.

Na safra de 1959, passou a imediato do navio-motor “Vimieiro”.

Nos anos de 1960 e 61, foi imediato no lugre-motor “Creoula”, tendo acabado a pesca à linha em 1963, no navio-motor “Soto-Maior”. Entretanto, passou para o comércio.

Na década de 90, sempre que o NTM “Creoula”, em consonância com a Câmara de Ílhavo e o Museu, visitava a Gafanha da Nazaré, sempre esteve presente , juntamente com outros seus colegas que tinham sido oficiais do navio, para uma agradável recepção a bordo.

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A bordo do “Creoula”, anos 90, atrás, à esquerda.
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No dia 7 de Janeiro, com a vetusta idade de 93 anos, partiu para uma viagem, sem retorno.

Ílhavo, 9 de Janeiro de 2025

Ana Maria Lopes

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

António Marques da Silva

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Capitão António Marques da Silva

Partiu um dos últimos e dos Grandes...

António Marques da Silva, grande amigo, filho de Manuel Marques da Silva e de Ana Nunes Pereira da Silva, nasceu na Lapa, em Lisboa, em 23 de Junho de 1931. Casou com Maria Júlia, de cuja união, nasceu o filho João Silva. Seguiu o Curso Geral da Escola Náutica, sendo possuidor da cédula marítima nº 115393, passada pela Capitania do porto de Lisboa, em 13 de Agosto de 1951. Residiu em Caxias, com largas estadias na Gafanha da Nazaré, cada vez mais longas...

O seu primeiro cargo marítimo foi como praticante de piloto, desde Março de 1952 até Fevereiro de 1953, no arrastão lateral, “Santo. André”.

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ArrastãoSanto André

Neste ano de 1953, numa larga emposta, deixou a praça de Aveiro, para a Parceria Geral de Pescarias e passou ao lugre-motor de aço, “Creoula”, em 1953, como piloto e de 1954 a 57, inclusive, como imediato.

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A bordo do lugre motorCreoula

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Numa nova emposta, entre 1958 e 64, inclusive, foi o capitão do lugre-patachoGazela Primeiro”, com muito orgulho.

De saco às costas, mudou para o lugre-motorArgus”, entre 1965 e 68, da mesma empresa, com o cargo de imediato.

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                                 A bordo do "Argus", em 1965

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Terminou a sua carreira na pesca à linha do bacalhau, como capitão do lugre-motorCreoula”, de 1969 até 72, inclusive.

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A bordo do “Creoula”, 1971

Entre 1973 e 1987, andou embarcado em navios da companhia Econave, onde desempenhou funções de comandante em vários navios de carga geral e porta-contentores. Em 1981, acompanhou a execução do projecto e supervisão das obras de recuperação e adaptação do lugre Creoula a navio-escola, obras que acabaram em Agosto de 1987.

Em 1982, foi contratado para professor da disciplina de Marinharia, na Escola Náutica Infante D. Henrique, cargo que exerceu até Janeiro de 1993.

Por limite de idade, aposentou-se, em Janeiro de 2002.

Mas o seu grande trabalho começou a partir daqui, com a sua entrega à escrita e ao modelismo, de uma forma exímia.

Entre os vários livros escritos, salienta-se ”Memória dos Bacalhoeiros – Uma contribuição para a Sua História”, editado pela Editorial Presença, em 1999.

A Comissão Cultural de Marinha deu-lhe ao prelo os livros “A Força do Vento”, “O Pequeno Herói” e “Quem Vai Pró Mar”, repectivamente em 2003, 2004 e 2005.

Em Agosto de 2016, foi editado pela CMI/MMI e AMI o seu livro “Barcos da Ria de Aveiro – Memórias e Modelos”.

Em 18 de Novembro de 2017, foi editado pela CMI/MMI e AMI o seu livro “Traços de Construção Naval em Madeira – Mastreação e Aparelho do Navio”.

Em Novembro de 2021, foi editado pelo Grupo de Amigos e pelo Museu Marítimo de Ílhavo, o seu livro “Navios dos Descobrimentos – Memórias e Modelos”.

Em Agosto de 2024, foi editado pelo Grupo de Amigos do Museu, o seu livro “ Embarcações da nossa Costa – Memórias e Modelos”.

Pelo seu bom préstimo, exímios conhecimentos e extrema habilidade, foi alvo de diversas homenagens, a saber:

Em 2006 foi condecorado pela Marinha de Guerra Portuguesa com a medalha da “Cruz Naval de Primeira Classe”, na cerimónia do Dia da Marinha que teve lugar em Sines a 20 de Maio desse mesmo ano.

Em Dezembro de 2011, foi eleito por unanimidade, membro emérito da Academia de Marinha.

Em Março de 2017, foi homenageado pela Escola Náutica Infante D. Henrique.

Em Abril de 2022, foi entronizado Confrade de Honra pela Confraria do Bacalhau de Ílhavo.

Em Agosto de 2022, foi homenageado pelo MMI. com a abertura de uma exposição temporária da sua colecção de modelos e aprestos de bordo lá depositada.

Em Abril de 2023, foi homenageado pela Câmara Municipal de Ílhavo, com a atribuição da medalha de mérito cultural prateada.

Hoje, dia 2 de Janeiro. com a vetusta idade de 93 anos, partiu para uma viagem sem fim.

Ílhavo, 02 de Janeiro de 2025

Ana Maria Lopes

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domingo, 29 de dezembro de 2024

Inauguração da Estátua do Bispo do Mar

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Inauguração da Estátua do Bispo do Mar

 

Faz, exactamente, hoje, cinquenta e seis anos, que Ílhavo viveu um dia festivo – 29. 12. 1968.

Um evento não muito bem aceite por todos… Mas história é história e D. Manuel Trindade Salgueiro, figura eclesiástica e homem de cultura, de grande relevo, era de Ílhavo (1898 – 1965) e tem tido o seu Largo, amplo, lá em baixo, que todos conhecemos, a que chamamos Largo do Bispo.

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Largo do Bispo
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Há três anos, foi mudado de sítio para trás da Igreja Matriz, junto à entrada do Centro de Religiosidade Marítima.

Traseira da Igreja Matiz
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Entrada do C. de R. Marítimo
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Ílhavo, terra de homens do mar, alia, sobretudo, a figura de D. Manuel, ao Bispo que, durante anos, entre as décadas de 40 e 60, celebrou a Missa campal e dirigiu as pomposas cerimónias da Bênção dos Navios Bacalhoeiros, em Belém, frente aos Jerónimos.

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Bênção, em 1960
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Filho de pescador desaparecido em naufrágio, sempre que visitava a sua terra natal, alojava-se na modesta casinha, aqui, na Rua João de Deus, nº 82, rezando missa, de madrugada, na capelinha privada de S. Domingos, sita à Rua do Curtido de Baixo, e já demolida.

Era domingo, tal como hoje, numa manhã calma, luminosa e fria de Dezembro.

A Vila de então preparara-se para a recepção de ilustres visitantes.

Das janelas, pendiam luxuosas e aveludadas colgaduras; “mariatos coloridos engalanavam as ruas apinhadas de curiosos. O relógio da torre marcava o meio-dia menos vinte, quando a comitiva saiu da Igreja Matriz, onde missa festiva havia sido celebrada. Do céu choviam milhares de papelinhos multicolores; estacionados ordeiramente, os Mercedes-Benz governamentais aguardavam os ocupantes; as vestes cardinalícias, no seu tom de nobreza, esvoaçavam, por entre a populaça bisbilhoteira.

Os convivas, guiados pelo Senhor Dr. Amadeu Cachim, Presidente da Câmara, à época, fizeram o percurso a pé, entre a Matriz e o referido Largo, onde duas tribunas montadas para o efeito os aguardavam.

Após os discursos da praxe, a estátua do Bispo da Gente do Mar, da autoria do escultor Leopoldo de Almeida, foi descerrada pelo Senhor Presidente da República, para gáudio da multidão que acorreu à cerimónia. Algumas figuras etnográficas da vila, trajadas a rigor, emprestavam à festa um colorido característico. Depois de um almoço opíparo, servido à comitiva, entidades locais e convidados, houve lugar a romaria ao Museu Marítimo e Regional de Ílhavo, na altura, sito na Rua Serpa Pinto. O que prova que fosse quais fossem as suas instalações, o nosso Museu Municipal parece, sempre ter sido a grande Sala de Visitas de Ílhavo.

Ílhavo, 29 de Dezembro de 2024

Ana Maria Lopes

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domingo, 22 de dezembro de 2024

Conto de Natal - o milagre na companha

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Anteontem, fui à Costa Nova, buscar a minha prenda de Natal de Senos da Fonseca. Como se pressupõe, foi um Conto de Natal por ele escrito.

À noite, li-o e reli-o e pensei:

Conto curtinho, narrado com uma prosa expressiva e malandreca, muito ao jeito do autor.

Quem não conhecer o calão dos “ílhavos” , o seu linguajar e alguma terminologia marítima, não entende metade. Recontando-o:

Em dia de temporal, o meia-lua, na praia, não conseguia ir ao mar e, nem que se aventurasse a ir, a rede vinha esgalmida de peixe.

O mulherio, na praia, via os seus homes partir em busca de sustento, ou na apanha de batatas pelas Galafanhas, ou de pinhas e lenha, que vendiam pelas portas da vila e outros, pelo contrário, gastando os últimos patacos, a escorropichar uns copos, encostados ao balcão das tascas.

Na praia, o meia-lua e o mulherio, só. Assim, não governavam vida. Decidiram ir ao mar. Mulherio, havia. E arrais? Bateram á porta do “Ti Noé”, velhote de 80 anos, que convidaram para tal. Até o levavam ao colo, colo esse que era mais macio que as ondas do mar. O cheiro do mulherio sabia-lhe a guloseima e lá foi.

Entretanto, o autor lança mão de comparações e metáforas, a das cócegas ao remo (ui!), a do furacão do Toino em cima da mulher, esfomeado de ternuras, depois de uma viagem ao bacalhau e outras… , que o lápis azul não deixaria passar.

As cachopas, apressadas, lá saltaram para dentro do barco, quando a Micas, grávida, com um barrigão, prestes a romper as águas, endiabrada, também embarcou. Como que por milagre, o mar aquietara-se e até cheirava a peixe.

Ao som do puxa…puxa, dirigido ao remo, a Micas, prenha, ao ouvir esta ordem, dá um grito e o “Ti Noé” olha-lhe para os pés, onde vê uma poça de sangue, donde saíam os berros de uma criança. Saca do canivete, limpa-o à camiseta, e com ele corta a imbide, que o unia à mãe. Lava o menino nas águas do mar, que, por milagre, ficara morna. Senta-se no cagarete, com ele, embrulhado na camisa, logo baptizado, de Jesus “das Águas”.

Já tinham feito o cerco, faltava, apenas, levar a “mão da barca”, à praia.

Quando se aperceberam que a rede vinha pesada – uma sacada com peixe vivinho no estertor da morte – observaram o milagre do peixe! O “Ti Noé”, com o mesmo canivete   que usara, no parto, corta o porfio do saco da rede. Que fartura, que dádiva da natureza – outro milagre! As mulheres ergueram os braços ao céu, em sinal de agradecimento.

E o menino, o Jesus “das Águas”, esse, lourinho e de olhos azuis da cor do mar, como que nada tendo a ver com o milagre, sorri-se.

Assim, recriei o conto, resumindo-o, para um leitor vulgar.  Este passará nos traços da censura, decerto.

AML. 2024.

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sábado, 7 de dezembro de 2024

"Fafeiras - uma história de vida"

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Há dias, em conversa com amigos, veio à baila o livro “Fafeiras – Uma história de vida”.  Emprestaram-mo e passei a lê-lo. Há muito que ouvia dizer que muitas das mulheres das secas, na Gafanha da Nazaré, tinham vindo de Fafe, mas nunca tinha lido nada sobre o assunto. Chegou a hora.

Tive conhecimento deste livro, pela primeira vez, pelas palavras do Professor Fernando Martins, pelo muito que sabe sobre a Gafanha da Nazaré e, pelo muito que incentivou e ajudou os Autores, na feitura deste livro. Teve mesmo uma apresentação na Gafanha da Nazaré, no ano passado. Não sei como, mas tudo me passou ao lado.

Gostei de o ler, com todo o seu pormenor. Aconselho-o, portanto. Será uma interessante prenda de Natal.

É uma edição de autor, pela pena de Paulo Moreira e António José Novais, fafenses, com 338 páginas e bastantes ilustrações, não numeradas. Mentiria, se dissesse, que não conhecia a maioria delas, sobretudo, as marítimas.


Mulheres das secas
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Dele constam cerca de 140 interessantes depoimentos de fafeiras, com fotografia das mesmas.

Antes de mais, esta obra é um hino às Fafeiras, às mulheres de Fafe que, em tempos muito difíceis, extremamente preconceituosos, condicionados e condicionantes, tiveram a ousadia de, à procura de uma vida melhor, deixarem a sua terra e migrarem.

Ílhavo, 7 de Dezembro de 2024

Ana Maria Lopes