terça-feira, 6 de abril de 2021

"Atlântico" - Navio Perdido

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Há muito que os naufrágios na barra de Aveiro, nos princípios do século XX me atraem, mas, só há uns tempos, tive disponibilidade para me entregar mais à sua redescoberta.

Em pesquisa sistemática do jornal “O Ilhavense”, eis que a notícia do encalhe do lugre “Atlântico, nos finais de 1925, no regresso dos bancos da Terra Nova, me fez pensar e revirar os apontamentos.

 

Para chegar ao lugre “Atlântico”, tive de regredir no tempo e com trocas de impressões com amigos interessados, parece que cheguei a porto seguro…

 

Pesquisa ali, pesquisa acolá, listas de navios, jornais, catálogos e o tal “puzzle” marítimo encaixa gradativamente.

 

O lugre “Atlântico, ex-“Dolores, de madeira, (tendo navegado sob bandeira dinamarquesa com os nomes de “Urda, de 1892 a 1907, e “Sylphe, de 1907 a 1909), foi construído em 1892, em Odense, Dinamarca, por N. F. Hansen. De comprimento, media, entre perpendiculares, 33,85 metros, 7,40 m. de boca e 3,14 de pontal. Registava uma arqueação bruta de 152, 68 toneladas e líquida de 101,10.

A partir de 1910, surge registado no porto de Aveiro, com o nome de “Dolores, tendo sido seu capitão até 1916, António José dos Santos e Augusto Fernandes Pinto (1916 e 1917).

Por informação da lista de navios portugueses de 1914, temos, então, a certeza de que era, pois, pertença da Parceria Marítima Aveirense e foi-o até 1917.

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Lugre Dolores”. MMI.
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Entre 1918 e 1921, passou para a Companhia Aveirense de Navegação e Pesca, mudando o nome de Dolores para Atlântico”, em 1920.

Alcançámos o “Atlântico

Por ele passaram os Capitães Jorge Fort’Homem (1919 e 1920) e Joaquim Gonçalves Guerra (1921).

Mas, a dança das sociedades não pára e a partir de 1922 até 1925, é propriedade da Parceria Marítima Africana.

De 1922 a 1924, inclusive, comandou o “Atlântico”, Adolpho Francisco da Maia e no ano de 1925, assumiu o mesmo cargo o ilhavense Marco Luís Frasco, para quem estava reservada a desdita do fatídico sinistro, sendo piloto, João Firmeza.

 

Por informação da Marinha, o “Atlântico” naufragou por encalhe a sul da barra de Aveiro, em 30 de Outubro de 1925, por motivo de avaria no leme, tendo sido salvos todos os tripulantes, através do cabo de vaivém.

O relato do nosso jornal do primeiro de Novembro de 1925, em notícia Navio Perdido é muito mais emocionante e pormenorizado, pelo que respigo alguns parágrafos:

 

“Quando ao largo da barra pairava uma quantidade de navios esperando a entrada no porto […], o rebocador Vouga tentou sair, não o podendo fazer em consequência da agitação do mar.

Entretanto, o “Atlântico vendo o sinal do Forte, foi-se aproximando, à espera de ocasião propícia. Como o rebocador não se aproximasse […], o navio veio singrando ligeiro, passou o banco de areia e, ao chegar perto da “Meia-Laranja”, ficou sem governo, em consequência de uma vaga lhe ter despiado a gaiúta e esta ter quebrado a roda do leme.

De terra, onde uma multidão esperava a entrada dos navios, ao ver-se que o “Atlântico corria o risco de se perder, houve um grito de angústia por aqueles marinheiros, que estavam prestes a serem tragados pelas ondas, tão perto de suas famílias e seus lares!

Sem governo, à mercê do vento e da corrente […], o “Atlântico é arremessado pelas vagas que lhe varrem o convés, um pouco a sul da Meia-Laranja. Na impossibilidade de salvação do navio, o capitão ordena que a tripulação (no total de 28 homens) se prepare para o abandonar. Estava salva a tripulação!”

Com a vazante da maré, iniciaram-se os trabalhos de recuperação dos salvados e de grande parte da carga, constituída por 2 200 quintais de bacalhau. Era capitão do lugre “Atlântico, Marcos Luís Fraco e piloto, João Firmeza.

 

Ao local acorreram milhares e milhares de curiosos, de Ílhavo, Aveiro, Gafanhas, Costa-Nova, para verem o navio naufragado.

 

Pena é que entre tantos “mirones”, nenhum tivesse feito disparar a objectiva, de modo que um documento visual tivesse chegado, hoje, até nós, para enriquecer a narrativa, já por si, tão forte e impressionante!

 

Pessoa amiga teve a gentileza de me enviar uma notícia de época, do “Comércio do Porto”, com foto e tudo.

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Ílhavo, 06 de Abril de 2021

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Ana Maria Lopes

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