quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

O litoral e eu, para desanuviar...

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O litoral e eu temos uma história de vida…

Desde moçoila que o palmilhar as praias piscatórias marítimas, se revelou, para mim, uma delícia. O mar, na sua imensidão, em tons de azul e espuma branca, enrolava-se e espraiava-se na areia cálida e macia, num vaivém constante e sempre surpreendente.

Os cenários eram deslumbrantes a qualquer hora. Desde o alvorecer ao anoitecer, homens e mulheres em alarido, guiavam bois, ajudavam barcos a varar, remendavam redes, corriam com cabos às costas, enquanto, à margem, se faziam lanços no areal cálido e amplo.

Dirão…ou pensarão: convenceu-se que conhece alguma coisa de marítimo e que apanhou essa paixão pelas embarcações tradicionais assim sem mais nem menos. Não foi moda, não. Nem delírio. Também não. Foi gosto, dedicação, observação e estudo.

Finalista de Filologia Românica na UC, defendia a tese "O Vocabulário Marítimo Português e o Problema dos Mediterraneísmos", quando a vida me desafiou para mudar e, de solteira, passar a casada, tomando outro rumo familiar.

Sucedeu que a dita "lua-de-mel" foi feita litoral abaixo, entre Cascais, Sesimbra e baía da Baleeira, passeando mesmo até ao sotavento algarvio.

Palmilhávamos as praias, calcorreávamos areais, sentávamo-nos em rochas. Eu, alcandorada, em embarcações, adorava assistir directamente na beira-mar às lotas de peixe prateado e saltitante. O movimento, o alarido, o colorido, o vaivém de barcos e artes entontecia-me apaixonadamente.

Pelos anos 60, continuava o estertor das embarcações tradicionais e da navegação à vela, a que fui assistindo com alguma mágoa. Mas todo aquele movimento, essa balbúrdia, esse bulício, momentos de extrema beleza, ficaram no meu gosto pelo «marítimo».

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Em Sesimbra. A lota do peixe-espada, na praia. 1965

 

Ao final da tarde, o peixe prateado estrebuchava na areia, no estertor da morte. Vários lanços decorriam em simultâneo, enquanto aiolas se aquietavam em terra e chatas, grosseiras e pesadonas regressavam ao mar prateado…

Anotei, apontei, fotografei, escrevinhei, voltei várias vezes a vários pontos litorâneos, sempre numa perspectiva etno-linguística, até que em 1971, a tese ficou pronta.

Estas imagens dos anos 60 falam mais do que «mil palavras».

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P. de Varzim. Barquinhos com murejonas

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Embarcações diversas na praia da Nazaré

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Barco do mar na Caparica

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 Sines. Lota na praia

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Albufeira. Vai um bote à água

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Lancha da sacada. Albufeira

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Monumental calão. Quarteira
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O gosto não esmoreceu. Bem pelo contrário.

Pelos anos 80, visitei todos os locais já então percorridos, para fazer uma avaliação entre o que a história tinha feito desaparecer e o que ainda perdurava. Esta comparação gorou as minhas expectativas, quanto ao que ainda havia de tradição.

No primeiro decénio deste século XXI, eis-me de novo ao terreno, de norte a sul do país. E o resultado foi o livro “REGRESSO AO LITORAL”, dado ao prelo pela Comissão Cultural de Marinha, em 2008, que muito me orgulhou.

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O tempo foi passando, as embarcações tradicionais e as minhas forças atingiram o seu crepúsculo. Poderia ter sido um pouco antes, mas considero que ainda o fiz a tempo de me ter deixado a alma cheia.

Hoje, nem de longe nem de perto teria forças e ânimo para fazer o que fiz. A idade não perdoa.

Neste primeiro dia de Quaresma, acinzentado e frouxo, desiludida e cansada, apenas poderei  escrever de mim e para mim, recordando o "tal passado à beira-mar"

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Ílhavo, 17 de Fevereiro de 2021

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Ana Maria Lopes

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