São
16 de Março.
Galeooooota!
Já há galeota – ouve-se.
É
tempo dela! Pregão único, mas bem timbrado, prolongado e amiúde!
Dura,
de um mês a mês e meio, a venda da galeota
pelas ruas de Ílhavo e zona das Gafanhas, porta a porta. Recordo os pregões
desde sempre, mas de ser, tão!..., tão miudinho, era peixito que nunca me cativou. Se bem que um petisco para muita
gente! No início da safra, é sempre
cara como fogo; pudera! – há um ano
que não se lhe chinca!!!! Mas à
medida que se banaliza (por se ir
transformando no lingueirão), o preço desce, permitindo que bolsas menos
ricas lhe acedam.
Sempre
mais preocupada com as embarcações e processos de pesca usados do que com os
prazeres gastronómicos, ia frequentemente até à Costa-Nova (junto à Biarritz e San Sebastian), observar a sua apanha e ver as redes, bastante sui generis, nos trapiches, a secar. Pelos anos 80 recolhi os dados, que, agora, me
dão um jeitão.
Hoje
era capaz de já ter preguiça de andar, de botas de água pela borda da ria ou
junto às coroas, para gravar
conversas e bater chapas.
A rede da galeota é uma arte de cerco ideada especialmente para
a captura daquele peixe.
Consta,
essencialmente, de uma tira de rede, que adelgaça para os calões, tendo, no centro, um rectângulo de pano branco. Este pano,
antigamente um lençol já puído, é, actualmente, substituído por um cortinado
também fora de moda, de nylon, de textura adequada.
O
comprimento da rede é de cerca de 30.00 metros e os calões medem cerca de 0,40 m . de altura. A arte é feita com rede
usada, de traineira.
Uma
bateira vulgar (ou qualquer outro género de embarcação de fundo chato), é o
tipo de embarcação utilizada neste processo de pesca.
A rede junto ao calão
-
Fica
um pescador em terra aguentando o cabo do reçoeiro,
enquanto a bateira se afasta da
margem, largando a rede, a favor da corrente.
A
partir do meio da rede, a embarcação dirige-se para a margem, completando o cerco, para o que fez um percurso,
sensivelmente, em semi-círculo.
A zona do pano
branco da rede
Abicada a bateira,
os pescadores saltam para a água e, em conjunto com o que havia ficado na
margem, alam a rede. Vão-lhe dando
sacudidelas rítmicas, para espantar e conduzir o peixe para o pano. Percorrem a tralha da cortiça, até que ao chegar ao centro, com a galeota amontoada junto ao pano, levantam a rede fora de água,
deitando o produto do lanço no quete
da embarcação.
Pescadores levantam a rede
-
A galeota, quando perseguida, esconde-se
na areia branca, enterrando-se rapidamente. A arte aproveitou engenhosamente
esta particularidade, pois o pano branco
consegue enganar a galeota, dando-lhe
a ilusão de areia. Por vezes, apenas dois pescadores lançam a rede.
A
época da galeota começa em meados de
Março e prolonga-se até aos fins de Abril, variando ligeiramente com a influência
das condições meteorológicas, das marés, da transparência e calmaria das águas.
A
galeota mais apreciada pelos entendidos é a primeira, por ser mais pequena (a larva do lingueirão). Depois de
crescida, já não é tão saborosa (dizem os degustantes).
Apanhado
o petisco sazonal, é preciso fazer o seu escoamento imediato no mercado da
Costa-Nova, nos restaurantes da zona, porta a porta, em grito estrídulo:
Galeooooota!
Compradoras
aparecem às portas!
Avia-se a freguesa…
-
Curioso
o processo de venda, no passeio ou à porta, medindo a porção a fornecer à
cliente, pelas mais variadas e expeditas maneiras: a mais típica, a concha da mão, formada pelo indicador
enrolado, circundado pelo polegar; o copinho de vidro, em alternativa ao pires
da chávena de café e, modernamente, também, o copinho de iogurte.
Peixeira lá vai pelo passeio
E
o pregão continua, estridente e bem-sonante: Galeooooota!
Regateia-se
preço e medida; se a vendedeira é enganadeira,
basta-lhe fechar mais os dedos, variando a capacidade da concha. Ou tenta pôr mais água enquanto que a freguesa prefere o
peixinho a nadar menos.
Em
anos de fartura, até se pode ajustar
também ao quilo.
O
petisco mais vulgar será a caldeirada; mas também há quem faça, posteriormente,
uma papa rala de farinha de pau, recuperando a molhanca da caldeirada. Existe ainda uma receita mais sofisticada:
as pataniscas (bolos) de galeota.
Galeooooota!
Galeooooota! – Ouve-se cada vez
mais ao longe!!!
Era assim... e, este ano, ainda vai sendo. Parece que tem havido bastante.
Fotografias – Cedência de Paulo
Miguel Godinho
Ílhavo,
17 de Março de 2019
Ana Maria Lopes-
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