Fotografia,
a bordo, retratada em painel de azulejo
Depois
de uma troca de impressões com o Sr. Hélder Viana, veio à baila, a vida marítima de seu Pai, cuja casa na dita Avenida dos
Capitães, última à direita, para quem volta à Malhada, tem aplicado um painel
de azulejo do primitivo dono, a sépia.
Sabia
de quem tinha sido a casa, perfeitamente, mas nunca aliei o painel de azulejo
ao seu proprietário.
Às
vezes, parece que andamos de olhos adormentados, pela rua…
O
Sr. Capitão Manuel Gonçalves Viana nasceu em Ílhavo, terra de mareantes, a 23
de Março de 1901.
Casado
com a Senhora D. Idalina Grilo, teve quatro filhos: a Maria Ofélia (já
falecida), a Maria Francelina, a Eneida Maria de quem fui colega no, à época, Externato
de Ílhavo e o Sr. Hélder Viana, cujo conhecimento já tem uns bons pares de
anos.
Possuidor
da cédula marítima nº 4783, passada pela Capitania do porto do Porto, em18.6.1914,
terá começado, por essa altura, a sua vida de mar.
Atraído
pelo oceano desde muito jovem, embarcou com 12 anos, logo que fez o exame da 4ª
classe, na chalupa Portuguesa, que, na Grande Guerra de 1914, foi metida no fundo por um
submarino alemão quando demandava, a reboque, a barra do Douro. A tripulação
foi salva pelos seus camaradas do rebocador, que o inimigo generosamente
poupara.
Conheceu
vários navios, e suportou a dura vida do mar com coragem, tendo-se esforçado
por conseguir uma posição de relevo na sua profissão., não só como bom
navegador, mas também como bom conhecedor dos Bancos piscatórios da Terra Nova
e Groenlândia. Depois de ter comandado navios de arrasto no Cabo Branco,
regressou à faina bacalhoeira. Nesses mares do Norte, sofreu, como piloto, em 1934 o naufrágio do lugre Ernâni, que desapareceu envolto em chamas, sob o comando do capitão
Joaquim Fernandes Agualuza (Quim da Graça) e em 1935, no dia 12 de Julho, o do lugre
Santa Joana (um dos quatro Santas
que tivera pescado pela primeira vez, na Groenlândia, em 1931), que fora abalroado por um navio de pesca norueguês, na
Groenlândia, conforme protesto existente no Ciemar. Era capitão o Sr. Francisco
dos Santos Calão, irmão do meu Avô Pisco.
O lugre Santa Joana. Anos 30
Relativamente
ao lugre Ernâni, a que já aludi, pertença da sociedade Testa & Cunhas, o
seu naufrágio resultou de um incêndio na cozinha, devido a óleos fritos e
similares, vertidos do fogão para trás deste – algum lixo e incêndio a
bordo!...Decorria o mês de Julho!... Houve muita dificuldade em obter notícias
concretas do sucedido e do destino de sua tripulação, ao ponto de a própria
empresa ter enviado dois telegramas ao Ministério da Marinha que os remeteu ao
Ministério dos Negócios Estrangeiros, na esperança de sossegar a nossa vila
maruja e, porventura, outras terras que teriam fornecido a restante tripulação.
Só em meados de Agosto, se teve conhecimento que, de facto, o navio se havia
perdido, mas sem perdas humanas e que a tripulação se encontrava dispersa por
vários navios pesqueiros. Segundo notícia de O Ilhavense de 16 de Setembro, deu entrada no porto da Figueira da
Foz o lugre Lusitânia, a bordo do qual vinham seis tripulantes do lugre
incendiado, entre os quais o capitão, Sr. Joaquim Fernandes Agualuza.
Nas
safras de 1936, 37 e 38, exerceu o cargo de piloto, no lugre Santa Izabel, construído em 1929 para a Empresa de Pesca de Aveiro,
sob o comando de Francisco dos Santos Calão (36 e 37) e João Ventura
da Cruz (38). Outro dos quatro Santas
que havia pescado pela primeira vez nos bancos da Groenlândia.
Começa
a dar-se para Gonçalves Viana a transição da pesca à linha de bacalhau, para o
arrasto lateral.
Na
safra de 1940, embarcou, de imediato
(duas viagens) no arrastão de pesca
lateral, Santa Joana (o primeiro
arrastão clássico que houve, em 1935), pertença da EPA, sob o comando de
Francisco dos Santos Calão e pilotado por João Simões Ré.
E,
de volta à pesca à linha, nas safras de 1941
a 45, habitou no lugre Groenlândia – duas viagens de piloto, duas de imediato e a última,
a de 1945, de Capitão. Nas quatro
primeiras, comandou o navio, o Sr. João Fernandes Matias Júnior, de alcunha
Britaldo.
O
lugre com motor Groenlândia, ex-Viana, ex-lugre-escuna Groenlândia, foi reconstruído nos estaleiros de António Mónica, em
1940, para Armazéns José Luís da Costa & Cª Lda., para a campanha de 1941, em que levou a bordo o jornalista
Jorge Simões que viria a escrever Os
Grandes Trabalhadores do Mar. O piloto Manuel Viana aí é referido algumas
vezes, p. 219 e 227, da reedição de 2007, intitulada Heróis do Mar.
Definitivamente,
passou para o arrasto lateral.
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O lugre Groenlândia
De
1946 a 1952, inclusive, foi oficial do arrastão João Corte Real,
como imediato, nas viagens de 1946 e 47 e primeira do ano de 1948, sob o comando de Manuel Pereira
da Bela (46), Manuel Simões Ré (47 e 48) e como capitão, até 1952.
Durante estes anos, teve como imediato ilhavense, António de Morais Pascoal (49).
O
arrastão clássico João Corte Real pertenceu à SNAB, e
o gémeo Álvaro Martins Homem, como
já aludi, foram os dois primeiros arrastões a serem construídos em Portugal, na
CUF, em 1940.
Manuel Gonçalves Viana, a bordo
De
1953 a 1962, inclusive, foi oficial do arrastão David Melgueiro,
como capitão, tendo realizado duas viagens nos anos de 1955, 56 e 62.
Este
arrastão, de aço, foi construído na Holanda em 1950 para a SNAB, de Lisboa
(1951).
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Na
viagem de 1957, o médico de bordo,
Bernardo Santareno, pseudónimo de António Martinho do Rosário, foi começando a
colher dados para os seus escritos, crónicas de viagens e peça de teatro… não
ficando por aí nas viagens ao bacalhau. Em Nos
Mares do Fim do Mundo, ao folhear,
recolhi uns excertos:
– Enquanto o David Melgueiro se afasta, mais e mais, de Lisboa, eu surpreendo-me
com as mãos abertas ao vento (…)
Pela primeira vez neste
ano, vai ser lançada a rede ao mar.
Na ponte, o nosso
capitão dirige a pesca: Samarra, grossos tamancos, uma longa manta-cachecol
traçada à volta do pescoço e luvas de lã. Cabelos grisalhos, revoltos e
descobertos.
Voz rouca, com
claridades ardentes de sal e negrumes de mar sem fundo:
– Em nome de Nosso
Senhor Jesus Cristo e de Sua Mãe Maria Santíssima, lancem a rede ao mar!
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À
época, enquanto capitão do arrastão
lateral David Melgueiro, deu várias
entrevistas ao Jornal do Pescador,
pelos anos 50 e 60, nomeadamente, em Fevereiro de 1957, Março de 1958 e de 1961, acerca da frequência do Curso de
utilização de radar e em conversa com o repórter do referido Jornal com os
colegas João Simões Ré, capitão do arrastão Fernandes Labrador e Humberto das Neves Martins, capitão do
arrastão Álvaro Martins Homem,
natural de Olhão, sobre a vida no mar e perspectivas de pesca.
Arrastão
lateral David Melgueiro
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Os
imediatos que teve, normalmente, não eram de Ílhavo.
Na
campanha de 1963, passou para o comando do arrastão
Estêvão Gomes, também de 1950. E nas
safras de 1964 e 65, comandou o também arrastão lateral da mesma sociedade, Fernandes Lavrador.
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O Fernandes
Lavrador entre growlers
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E
por aqui ficou, em questão de campanhas ao bacalhau.
Parecendo
gozar de boa saúde, no dia 4 de Fevereiro de 1971, num acidente, do qual ainda hoje não se sabem propriamente as
causas, perdeu a vida, este oficial náutico muito considerado, em viagem longínqua e eterna.
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Imagens
– Arquivo
pessoal e gentil cedência do filho Sr. Hélder Viana
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Ílhavo,
17 de Outubro de 2016
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Ana Maria Lopes
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