quarta-feira, 22 de julho de 2015

A minha Costa Nova de outras eras

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Hoje, enquanto conduzia de Aveiro para a Costa Nova, fui parar a outro comprimento de onda do pensamento e vieram-me à ideia – e com que saudades! – outros tempos.
As minhas memórias não vão recordar a frente lagunar, desde o sul, no bairro dos pescadores com seus armazéns de salga, a antiga «Marisqueira» (ex-Pensão Astória e ex-Casa Alberto Pinto Basto), o velho mercado, a Pensão Zé das Hortas, o largo com a estátua do ícone Arrais Ançã, as «motas» (cais), seu posicionamento, a ria a beijar a estrada ensaibrada, a datação dos primeiros eucaliptos ali junto à «Vivenda Quinhas», os furos da Regina, o Chiadinho, onde tanta vez fui buscar fotos que iam a revelar, a Rádio Faneca, os passeios na Esplanada até ao recolher (11 horas), os palheiros, primeiro a ocre, mais tarde listados e coloridos, o Bico… Chega…Disto já toda a gente sabe.
Hoje, vieram-me ao rol das memórias, as minhas lembranças marítimas – o nosso mar. O meu banho de mar. Não me chegava molhar os pés. Também não era nenhuma Maaia, mas convivia muito bem com o mar. Uma autêntica molhadura de liberdade. Conhecia-lhe as correntes, os eventuais lagos, os redemoinhos, a força na rebentação.
Mas todos os cuidados eram poucos. Com o mar não se brinca – assim fui transmitindo aos meus filhos que lá obedeceram, apesar de saberem nadar bem.
Em dias três Bbom tempo, bom mar, boa temperatura da água, passava o dia na praia, a ler, a bordar ou a crochetear, mais tarde a trabalhar para o bronze, mas com as cautelas solares aconselhadas.

A temperatura do mar tinha duas medidas – ou gelava o osso, ou não o gelava. Raro, amornada por alguma corrente quente, parecia o Algarve. Isto, uma ou duas vezes por ano.
Mas, apesar de franzina, friorenta, suportava tudo. Mais ou menos tempo, mais avanço, mais recuo, coragem! E, em mergulho gostoso, ultrapassava a rebentação – parecia um meia-lua, sem muleta, sem bois, sem remos. Só o prazer da ondulação.
Noutras situações, em que o mar não permitia ultrapassar a rebentação, mergulhava na espuma alta, cambalhoteando-me, – tal e qual um banho em champanhe.
Não havia nada que se lhe igualasse. Banha, seca, aquece, ...banha, seca e aquece... era esta a girândola.
A propósito de banhos no mar, quem não se lembra dos banhos do Dr. Ferreida da Costa?
A praia suspendia a respiração para o ver mergulhar, afastar-se, nadar, boiar e varar sei lá onde… Era divinal e nunca teve nenhum azar. Era um ritual.
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Voltando ao meu banho, só as pontas dos dedos engelhados e arroxeados me faziam  mesmo sair da  água.
Adorava vir por aí fora em fato de banho, de bicicleta, enrolada num dito trapinho adequado, já seca, salgada, ou a pingar de água marinha, conforme as condições atmosféricas.
Radiante, ofegante, consolada, entrava e dizia a quem estava, por vezes, a minha Mãe com a minha Tia Fernanda: quando este prazer findar, estou feita e a praia, o mar, a areia, para mim, acabaram.
O prazer e a intensidade dos banhos foram diminuindo… até que terminaram – parece-me. Tomei o último banho de mar, com as netas, para aí há dois anos. Por isso, sinto tanto a falta de uma praia lagunar… Aí, ainda me tentava, em dias quentes, soalheiros, a umas braçadas ou a boiar, relaxada.
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E hoje? As gerações repetem-se. E sinto-me no papel que dantes conheci à minha Avó.


Da minha varanda,,,

Uma praia de «avó», em que o maior prazer é estar numa quietude, olhos bebendo a beleza do espraiado manso da ria, que aprecio da varanda. Paisagem tão inebriante como inconstante, mudando de hora a hora, despertando-nos constantemente o gozo pleno da sua apreciação.
Vida de varanda já se usou mais que agora, mas mesmo assim, dá para bronzear, sem queimar. E ainda para ler, escrever, fazer serviço de «manicure», para entreter com quem passa, com os que «arribam» à praia, com os que levantam ferro e com os que partem em nova emposta.
Passeios de moliceiro, não tem havido, nem à ilha, nem à Bruxa. Poderá ser que o vento mude.
Até a vela de «O Marnoto» me faz falta ali na mota, e ainda mais quando embelezava a ria, em maré cheia, nas suas cores vistosas, com vela iluminada pelo reflexo do pôr-do-sol.
 
«O Marnoto»
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Ai Costa Nova! … Ou ela ou eu.
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Imagens – Etelvina Almeida e Paulo Godinho
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Costa Nova, 17 de Julho de 2015
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Ana Maria Lopes

6 comentários:

Unknown disse...

Que saudades de ir à Bruxa...

Ana Maria Lopes disse...

Como a compreendo. Estou a teclar exactamente em frente a ela, vejo-a, pela janela, com um sol e maré bem razoáveis, e não há uma emabarcação, barco, barca, o que seja, que faça a travessia. Nesses tempos, estávamos muito bem servidas de «carreiras de barcas». Obrigada. Abraço

Vieira da Silva disse...

Um belo texto sobre uma Costa Nova que já só existe na memória de alguns. Sente-se a ernura da subjectividade que a Ana Maria não pretende disfarçar. E ainda bem!

Anónimo disse...

No lugar onde se vê estacionado um carro,com duas figuras,"estacionava",primeiro a "bateira" "NAMY e,depois a "sucessora" ANA MARIA.Na "mota" da JARBA,episodicamente,os barcos de rodas laterais AUSENDA CONDE e ROSA BRANCA,mais tarde reconvertidos,e depois abandonados junto à "fábrica da chicória"
Cumprimentos,"kyaskyas"

Teresa Cruz Santos disse...

"Mudam-se os tempos,mudam-se as vontades"... Mas não muda o amor pelo mar,pela ria,pela Costa Nova.A ria,agora nua de moliceiros,vai-se vestindo das cores alegres das bateiras dos pescadores e das velas brancas de veleiros... Mas não é a mesma coisa! O Marnoto e o Pardilhoense abalaram para a cidade e deixaram-nos saudades. Fica a esperança no S.Salvador... Trazendo-nos promessas de "moliceirarmos" alegremente pelos canais. E talvez os banhos regressem nas calmas e mornas águas da ria... Faça figas,Ana Maria!!!

Ana Maria Lopes disse...

Caros Amigos/as, obrigada pelos comentários. Abraço.