quarta-feira, 4 de junho de 2014

Os Talheres Mágicos do Titanic

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Dirão: – mas será que «ela» ainda não se calou com os talheres do Titanic?
Já estavam adormecidos e recatados, mas, neste caso, vieram desafiar-me a mim e a eles. E, quando a participação me entusiasma, singela que seja, não a recuso. E, aceitei-a com entusiasmo.
Partiu de Paulo Trincão, na altura, Professor da UA., que tinha em mãos um projecto financiado pelo programa COMPETE-QREN, que tinha a ver com a acção «Biodiversidade nos Supermercados».
Escrever um livro tendo como público-alvo crianças dos 4 aos 8 anos, com o objectivo de as levar a aceitar uma alimentação saudável, fazia parte do projecto.
 

E neste caso, a história dos talheres do Titanic, os da «estrelinha» no cabo, ajudariam com a sua magia a convencer a menina, a comer peixinho cozido acompanhado de batata e couve-flor. E enloilada pela história, o prato ficou rapadinho e muitos conceitos apreendidos.
E onde entro eu? – exactamente no final. Os autores deste livro infantil, Paulo Trincão (texto) e Cristiana Sampaio (ilustração) vieram a saber que uma das donas de colheres do Titanic era uma pessoa conhecida e amiga.
O Prof. Paulo Trincão também quis quebrar a tal magia, ver as colheres, fotografá-las e pedir-me se eu contava em linguagem infantil, tudo quanto sabia acerca delas e o que tinha feito mais para as tentar identificar. E mais uma vez, a história aqui vai, um pouco mais ficcionada, visto que se destina ao nível etário em causa.

Noite de consoada do Natal de 2012…

Em redor da mesa, familiares reunidos, aquecidos pelo calor humano e pela fogueiraça, que reluzia, crepitando, na lareira. Três gerações em volta da mesa. Dos mais velhos às crianças.
Ia ser servida a canja, quando a minha netinha de nove anos, a Beatriz, me retorquiu:
Ó Avó, não tens talhares do Titanic? Vimos-te, há tempos, na televisão com eles… e também já os conhecíamos. Podíamos comer a sopinha com as colheres da estrelinha, as do Titanic…
Ó querida, tenho sim e gosto muito delas, mas, agora, a Avó já não as tem, ali, na vitrina, e estão longe, num cofre-forte, guardadas. Vamos marcar isso para a próxima vez.
O Jorge, o irmão mais velho, para «picar» a irmã, interveio:
Ah, eu já comi sopa com a Avó com as colheres do Titanic.

E assim tinha acontecido.

Mas havemos todos de saborear esse momento, noutro dia. Está bem?
Os talheres mágicos, salvados do Titanic, também a mim me encantaram e seduziram toda a vida.
Existem nesta casa, desde que me lembro, seis colheres sóbrias e pesadas, de prata, com a estrela relevada, no cabo, logotipo da WSL, companhia a que o Tinanic pertenceu. Desde sempre o meu Avô me contou a história deles, repetida mais tarde pela minha Avó, após a sua partida.
O Titanic, paquete colossal e luxuoso, naufragara contra um malvado e gélido iceberg, na sua viagem inaugural, quando saiu de Southampton (Reino Unido) em direcção a Nova Iorque, na madrugada do fatídico dia 14 de Abril de 1912.
Por essa altura, costumavam os veleiros portugueses da pesca do bacalhau partir dos diversos portos que os apetrechavam, em direcção aos Grandes Bancos, de onde voltavam por meados de Setembro a Novembro. Ora, consta que, em Ílhavo, algumas famílias possuem talheres provenientes do Titanic, mas todos com a mesma origem. E o que nos dizia a tradição?
Na primavera de 1912, ao dirigirem-se para a pesca, pescadores do lugre Trombetas, da praça da Figueira da Foz, «pescaram» uma cómoda que boiava, mais ou menos no sítio, um pouco mais a norte, onde tinha naufragado o luxuoso paquete. Era seu capitão, à época, o ilhavense João Francisco Grilo, de alcunha, Frade, casado com a irmã Rosário da minha bisavó, a «arraisa» Joana Caloa. Nesse mesmo ano, o meu Avô, Manuel Simões da Barbeira, mais conhecido por Capitão Pisco, sobrinho e afilhado do achador, capitaneara o lugre Golfinho, também da mesma praça da Figueira da Foz. Entraram essa barra, ambos, a 27 de Outubro de 1912, testemunha o jornal «A Voz da Justiça», da Figueira da Foz.
O capitão, à chegada, deu contas do achado ao seu armador, da Lusitânia Companhia Portuguesa de Pesca, mas, talvez, tendo este ficado com alguns talheres, não deu grande importância ao assunto e aconselhou o Capitão Frade a trazê-los para Ílhavo, ficar com alguns e distribuir os restantes por familiares e amigos. Foi esta a origem das minhas, hoje, seis colheres de prata, com a estrela relevada da WSL.
Esta história mítica, mas «com pernas para andar», porque as coincidências e probabilidades são mais que muitas, manteve-se dezenas de anos no seio destas famílias ilhavenses que não gostavam muito de falar do assunto – fui constatando.
Nos anos oitenta (1985), a descoberta e localização dos despojos do Titanic, no fundo do mar, e as diversas explorações subsequentes, trouxeram de novo «o navio ao de cima».
Também o grandioso filme, em 1997, Titanic, empolgou os espectadores e fez dos actores Leonardo di Caprio e de Kate Winselet, um par romântico do cinema, bem como a música, que enleva e inebria.
O interesse pelas colheres mágicas ressalta-me, e, na qualidade de Directora do Museu Marítimo de Ílhavo, na década de noventa, tinha gosto em certificar mais esta tradição. Eis que o National Maritime Museum – Greenwich – Londres, em 1994, em grandes parangonas, anuncia a exposição – The Wreck of Titanic. Sorvi a informação e pus-me lá, em dois tempos. Mas, embora tenha apreciado muito, talheres iguais não eram apresentados. Desconfiei…, mas, o peso da tradição ilhavense tinha mais força.
Dez anos após, o Mercado Ferreira Borges, no Porto, exibiu uma exposição idêntica, que também não me elucidou completamente. Foi preciso chegar a uma terceira exposição apresentada na Estação do Rossio, em 2009, em Lisboa, quando, ao visitar a secção de objectos de cozinha, da baixela e faqueiros da sala de jantar, não me contive que não soltasse uma exclamação de alegria e espanto. Disse para o meu neto, que me acompanhava.
Jorge, aqui estão talheres (eram vários) do Titanic iguaizinhos às colheres que temos lá em casa. Sorriu com um brilho nos olhos. Pois, pudera, já tinha comido sopa com elas!!!!!!!!!



Constatei que o Catálogo desta exposição, que guardo com carinho, tem fotografado o cabo de uma colher igualzinha às referidas. Muito forte razão para o comprar de imediato.
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Ílhavo, 30 de Novembro de 2013
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Ana Maria Lopes
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Nota – o livro, pelo menos esta edição, não é vendável. Imagino que seja divulgado pelo Departamento de Biologia da UA, em acções formativas.
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Ílhavo, 4 de Junho de 2014
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Ana Maria Lopes
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