sexta-feira, 25 de abril de 2014

Uma janela para o sal - XIII

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A tirar o sal…
Marinha botada é marinha viva! É marinha fértil, a produzir intensamente sob forte canícula...
Entre o bulir, o quebrar e o rer, é preciso acarretar o sal escorrido de moiras, que repousa ao longo de grandes tabuleiros de lama dura – enche-se a canastra e lança-se sobre a cabeça já conformada ao peso do carreto.
Nesta dura labuta da extracção, só o sol, o vento e a canseira acompanham esta gente.
Vão tirar o sal... é tarefa pesada e rotineira!
Ali, só uma forte alma consegue aconchegar um corpo sofrido do sal.
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Nesta penosa mas recompensadora tarefa, já o horizonte se encontra salpicado de incontáveis pontos brancos.
Os homens percorrem o reticulado labiríntico, de canastra à cabeça em perfeito equilíbrio, de liame em liame…
Acarretam energicamente o sal rido, do tabuleiro para o malhadal, num sem fim de viagens, em passo acelerado e cadenciado – num ritual que se entranha no corpo!
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De pés descalços, usando a sola natural, calejada e corroída pelo sal, os moços atravessam sofredores, mas ligeiros, o entraval que separa o tabuleiro do malhadal.
É a fronteira entre a feitura e a conservação.
Com o corpo escorrendo o suor do sal, suportam o peso da canastra, que redobra a cada viagem e vergam-se à dor e ao contrato de uma safra que demora...
São jovens ainda, utilizam a força e a tenacidade como seus aliados, mas são longos e sofredores os seus Verões.
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Com gestos precisos, esses homens habituados à rudeza do trabalho tiram e atiram o sal da água para o coruto do monte, que vai crescendo em direcção ao céu.
Sobem e descem habilmente, como equilibristas habituados a malabarismos ousados, por longas pranchas inclinadas, sobre tapete de pedras cortantes.
Agrestes percursos, esses!

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Só as águas adormecidas ao sol espelham e retratam tão ritmado movimento dos carregadores. Eles caminham em passo acelerado, pois o frete é pesado!
Entre gestos de destreza e força, é com suor e dor que sobem e descem muros, que transpõem valas e escalam montes, carregando, transportando e despejando o proveito do dia sobre a eira.
É esta gente do salgado que diariamente se submete, numa entrega cega, à faina da marinha – repara, conserva e explora, palmilhando, a pés nus, as rudes vidraças de água espelhada.
É nessa paisagem, onde se recortam cordilheiras de cones brancos abicados para o céu, reflectidos num maravilhoso reino aquoso, que o real se confunde com o ilusório…
Enquanto o sol aquecer e o vento se fizer sentir sobre as águas, o homem do sal não descansa ali mora o seu sofrimento, ele é rei e escravo – é a sua sina!
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Nota – Para esclarecimento de linguagem técnica, consultar GLOSSÁRIO de Diamantino Dias.
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Imagens | Paulo Godinho | Anos 80
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19| 11 | 2013
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Texto | Etelvina Almeida |Ana Maria Lopes
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