segunda-feira, 4 de março de 2013

Barco do mar «versus» barca da arte xávega

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Um escrito diferente – pretende não ser informativo, mas reflexivo, para quem é atraído por estes assuntos, evidentemente. O dia ventoso e chuvoso a isso se presta.

Habituada desde menina e moça, a ir pela mão do meu avô, às companhas, na Costa Nova, ver chegar a rede, o barco do mar, para mim, seria corriqueiro, muito comum, à época.

E hoje, nem um barquinho do mar para amostra lá há, na referida praia, cujo nascimento (em 1808) esteve directamente aliado à vinda, para este local, das companhas que laboravam em S. Jacinto.

Longe de ir descrever uma ida ao mar ou elencar todas as partes do barco ou da rede (há belas descrições já feitas e refeitas), vamos picar os simpatizantes do Marintimidades, tal qual os pescadores aguilhoavam as juntas de bois para se despacharem, a seu mando.

A dita arte xávega anda nas bocas do mundo, sobretudo por causa do tamanho mínimo do peixe capturado. Numa sexta-feira transacta, foi a Lisboa, à Assembleia da República uma embaixada de «mirões» tentar defender os seus direitos e impedir as suas mínguas! Fizeram bem!
Temos, ultimamente, lido alguns testemunhos, além dos orais, já coligidos nos anos 60 do século XX, sobre a povoação de vários lugares marítimo-fluviais até ao reino dos Algarves, por pescadores ílhavos).
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Reflictamos, que é óptimo.
Sobre a embarcação:
 
Barco do mar ou barco da xávega?
Quais as origens?
Terá tido a ver algo com o famoso barco mesopotâmico de Ur…? Ou terá nascido da adaptação de «bateirões» à forte pancada do nosso mar ocidental?
Geograficamente falando, existe ou existiu, desde onde até onde?
Que barco surgiu primeiro, o menor e de 2 remos ou o maior e de quatro?
Que papel tiveram os «ílhavos» na sua difusão, ao longo do litoral?
A imagem pretende abrir horizontes e conduzir à reflexão:
 
Ida ao mar – Costa Nova – Anos 50
 
Já agora, sobre a arte:
 
Arte de arrastar ou arte xávega?
Que origem terá tido?
Qual o verdadeiro tamanho e composição da rede?
Quando é que os cintos de alar foram substituídos pelas juntas de bois… (e, estas, pelos tractores)?
 
Barca da arte xávega – Algarve – Anos 60

Esta barca, então apropriada para um mar chão, no exotismo das suas formas e decoração, enfeitiçou-nos, embora sem a altivez, nem a esbelteza de formas e o arrojo do nosso barco do mar.
De passagem, entrementes, houve na Costa da Caparica, também uma bela embarcação, no seu olho muito sui generis e de bicas bem igualadas em altura, tal qual uma meia-lua. Tal denominação de meia-lua colou-se-lhe. Terá sido uma adaptação do nosso barco do mar, com algumas particularidades locais?
Tudo o indica. Ei-lo, ainda em meio uso:
 
Meia-lua – Costa da Caparica – Anos 60

Há quem também o designe por saveiro, mas, atenção, o termo saveiro é um pouco traiçoeiro.
Desde a embarcação de rio, de fundo chato, adaptada à pesca do sável, ao barco do mar (?), até a uma pequena embarcação de quilha, algarvia, utilizada, antigamente como auxiliar da arte da sacada, vale quase tudo. Atenção à localização geográfica!
Ao longo do tempo fomos aprendendo muito e, cada vez, tendo mais dúvidas, umas ténues, outras mais profundas.
Profundas, profundas, foram as marcas que o litoral nos gravou a fogo, na mente, quando, com pouco mais de vinte anos e boa companhia, o percorremos ávida e incansavelmente.

E no declínio da vida, lá regressamos sempre que possível, se bem que, de embarcações, não haja muito que nos encante. Mas, sempre, o MAR!
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Fotografias – Arquivo da autora do blogue
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Ílhavo, 4 de Março de 2013
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Ana Maria Lopes
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7 comentários:

Anónimo disse...

Quanto a bois eu tenho fotos de arte de xavega sem bois em S. Jacinto... e dizem que lá até havia uma linha ferrea para trazer o peixe para a Ria...
Barcos do mar tipo meia lua houve-os pelo menos até Santo André no alentejo... pelo que tenho lido todas as embarcações tradicionais da ria, incluindo o barco do mar, têm origem no Mediterraneo oriental.... em Olhão vi ainda há 10 anos bateiras semelhantes ás nossas caçadeiras... Falando ainda de Olhão... eu tenho um texto do fim do sec XVIII sobre a povoação ainda em palhotas de junco e caniços e tenho pelo menos 3 textos em que referem serem Ilhavos ou Varinos(o autor que viu as palhotas no sec XVIII diz que os pescadores de Olhão eram diferente e mais inteligentes na pesca)... Falando dos indios cuicas de Monte Gordo tudo leva a pensar que eram os Ilhavos que o Marquês levou para o Algarve pois têm caracteristicas semelhantes ás nossas... Os Ilhavos eram bastante conhecidos em Portugal... Os biologos acreditavam nos dados que eles davam sobre as espécies piscicolas... os pintores e gravuristas faziam trabalhos sobre eles... na florestação da costa deixavam espaço em Lavos para os palheiros deles... de qualquer modo os Ilhavos procuravam misturar-se pouco com o resto da população... No GOOGLE há montes de livros antigos que referem os movimentos dos nossos antepassados... Vi mo museu de Conimbriga um quadro onde é estendida a utilização do barco do mar pelo menos desde o inicio da nacionalidade e é dada a sua origem em Ilhavo...

Antonio Angeja

Ana Maria Lopes disse...

Senhor Coronel:

Sei que o Senhor é muito interessado por estes «saberes». Pretendi, de algum modo, despertar as consciências e criar um espaço de reflexão. Obrigada pelos seus testemunhos.

Anónimo disse...

Infelizmente aqui na Ria de Aveiro colocam-se muitas duvidas sobre as colonizações do litoral em vez de irmos assumindo o que vai estando provado... por outro lado vejo outros a mexerem-se de modo a aparecerem montes de trabalhos nas universidades sobre avieiros, xavegas e outros assunto de uma história que tb é nossa e tudo isso para fazer com que os avieiros sejam patrimonio imaterial de qualquer coisa... Quem são os AVIEIROS??? são simplesmente povos da Ria que foram para Vieira de Leiria misturados com outros Ilhavos+Aveiros+ Murtoseiros+ Ovarenses+ escravos libertados que ficaram na pesca do Tejo com as nossas bateiras... veja o ultimo artigo desta «ILustração portuguesa» de 1916 e veja quem pescava o sável, como faziam a comida e o tipo de barcos utilizados: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/IlustracaoPort/1916/N519/N519_master/N519.pdf

Mas é mesmo a nossa CMI que no seu site diz autenticas barbaridades historicas e ninguem ajuda a mostrar-lhes que aquilo é uma porcaria...

Antonio Angeja

Anónimo disse...

Por mim,fico pelo "barco do mar"...Principalmente o de 4 remos,de que mostra uma bela fotografia...Somos capazes de ter estado no mesmo sítio,a ver "saír a rede",o "jeito"de "entalar" o pedaço de corda que ligava a junta de bois,primeiro ao par de extensos cabos (1.000 metros cada,dizia a garotada...)e depois às redes laterais,que se iam juntando,e finalmente um rapazola,passando uma corda por baixo e "dando a volta",a"estrangular" a boca do "saco"para o peixe não escapar...E o "pipo",quasi invisível aos tais 1.000 metros (mais?...menos?...)marcando a extremidade do saco.São os 3 paradigmas da Ria e do Mar da Costa-Nova,admitindo apenas,IMITAÇÕES pelo litoral:O moliceiro,o Barco do mar,e os das chinchadas e da "boca da barra","voando"na vazante pelo canal...Qualquer DISTORÇÃO nas curvas da proa,ou nas dimensões,e já estamos a falar DE OUTRA COISA!...Cumprimentos,"kyaskyas"

Ana Maria Lopes disse...

Caro leitor, conterrâneo:

De vez em quando, quando mais lhe interessa, lá vai à pesca do «Marintimidades». Obrigada. Cenas como essa, na Costa Nova, marcaram-no, e ainda mais com um barco do mar de 4 remos!
Cumprimentos.

Ana Maria Lopes disse...

O Amigo Carlos Carvalho acabou de me «escrever», privadamente, sobre este blogue, dando-me autorização de publicar o que eu entendesse.É sempre agradável trocar impressões com o Carlos. Aqui vai:
«Quanto aos barcos, já várias vezes falámos sobre isso, e na realidade (como disse na comunicação da SG) até o padre F. Oliveira já se queixava.
Nada importante.
Por isso é que sempre me pareceu importante o desenho, a fotografia, ou outra representação gráfica apoiada em algum texto descritivo.
O propósito do meu trabalho é esse mesmo, para se poder olhar e perceber de que se está a falar.
Se é saveiro, barco do (de) mar, meia-lua, barco da Arte ou casca de noz, é-me indiferente.
Os pescadores dão-lhe o nome por que na sua zona é conhecido, e o resto é conversa fiada.
Aqui nos barcos tudo é muito "flutuante".

2 remos ou 4 remos?
Médio oriente ou local?
Etc., etc..
Impossível saber, pois a arqueologia nada nos diz, e a documentação é muito recente.
Para mim, o barco grande evoluiu do pequeno (quando as redes aumentaram de tamanho), e este evoluiu da bateira de mar, que por sua vez é uma transposição e adaptação da da Ria para o litoral.
A labrega e a chincha são as tipologias de base, assim como a caçadeira e o mercantel (que está na origem do moliceiro, que deve ser bem mais recente).
Mas isto é o que eu deduzo, o que não significa que assim seja.
O meu trabalho é sobre a documentação gráfica e eventualmente pegarei nesta questão das evoluções se a vida me der tempo depois de acabar o trabalhinho».
Obrigada, Carlos, pelo tempo que dispensou ao meu desafio.

Anónimo disse...

tenho lido sobre o barco do mar ter evoluído dos barcos fenícios e acho
um tremendo erro comparar os barcos do mar aos fenícios pelos seguinte facto: ser feita por pessoas que nunca trabalharam num barco de mar e assim nunca perceberem o motivo de ter uma proa alta ou uma ré alta ou fundo chato embalado à proa e à ré.E assim perceberem que se tratou de uma necessidade e não apenas porque é bonito.