O encalhe (ou melhor, o desencalhe do navio) é que constituía a minha grande dúvida, sobretudo depois de alertada em Pardilhó por descendentes dos interessados, que me haviam contado uma versão que não me convencia cem por cento, embora com relatos parcialmente correctos. Fotografias do acontecimento, nunca me tinham chegado às mãos.
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Eis senão quando o Sr. Comandante António Bento, através do Amigo Tito Cerqueira, simpaticamente me procurou para me entregar, com destino ao Arquivo do «nosso» Museu, elementos e fotos que dilucidam sobre o que teria na verdade acontecido, e os trabalhos de monta, necessários para resolver o magno problema de safar o navio.
Seu Pai, Oficial da Marinha Mercante, à época, Comandante Manoel Bento, fora o superintendente desses mesmos trabalhos.
Perante a leitura e análise do material entregue (pormenorizado relatório de 30 páginas, dois planos, um do próprio desencalhe do navio e sua condução para a Gafanha da Nazaré, outro geográfico, da ria, relativo ao local em causa e oito fotografias), consegui fazer uma ideia mais perfeita, que espero transmitir, da empreitada em causa. Mas não é fácil. As imagens ajudam.
Foi uma difícil e árdua tarefa, que contou com a boa vontade e diligência de várias entidades, para lá do recurso a diverso material de salvamento vindo da capital, já que em Aveiro não existiriam meios suficientes para os esforços que se impunham.
Durou a empreitada, desde o dia 23 de Março de 1946, até 10 de Maio, dia em que o Maria das Flores saiu a barra, com destino a Lisboa, a reboque do Oceania.
Ainda fez essa campanha de 1946.
As peças chave em todo o processo do desencalhe da embarcação foram dois batelões vindos de Lisboa, o Ota e o Jamor.
Carregados de areia, em maior ou menor quantidade, solidamente ligados ao navio, um a cada bordo, por uma habilidosa estrutura composta por cabos de aço, escoras de ferro e vigas de madeira. E por um cabo de arame, que com dificuldade (devida ao lodo e vegetação do fundo da ria), foi passado por baixo do navio. Os batelões, de braço dado com o lugre, impulsionando nas vigas ligadas ao convés e pelos cabos abraçados, formavam com o navio um todo flutuante. O poder de flutuação, podia, pois, ser aumentado (elevando o navio) conforme se ia baldeando a areia dos batelões (tarefa extremamente penosa, que todos recusavam).
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Conjunto de batelões e navio, visto de popa
Pelas 9 horas do dia 6 de Abril (sic), depois de tudo preparado e de ser tirada mais alguma areia dos batelões, com o Maria das Flores no calado de 5’- 04’’ à proa e 6’- 06’’ à popa, começou-se a puxar por ele com duas lanchas a motor e com âncoras espiadas, mas sem resultado. O navio apenas se deslocou 4 metros, apesar das sondagens à sua volta acusarem 7’.
No dia seguinte, novamente se tentou fazer deslocar o navio só com a tripulação e pessoal dos batelões, tendo-se obtido muito pouco resultado. Garrou a âncora (ferro de cepo com o peso aproximado de 500 quilos).
Espiaram-se também as âncoras dos batelões, obtendo-se um considerável esforço, pelo que se conseguiu que o navio andasse cerca de 30 metros.
O mesmo conjunto observado de proa
Auxiliava uma dragueta da JAPA no aprofundamento do canal, e as duas lanchas a motor já referidas, que rebocavam todo o conjunto, em marés adequadas.
A estrutura vista do convés
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Seguiram-se imensos contratempos: o tempo incerto e imprevisível, a chuva, a falta de perícia e de vontade do pessoal trabalhador, com excepção da tripulação do navio, conduziram a algumas peripécias, onde se inserem acidentes e ferimentos a que se juntaria a dificuldade de abastecimentos, que ocasionavam deficiente alimentação ao grupo de salvamento.
Ílhavo, 8 de Maio de 2011
Ana Maria Lopes
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1 comentário:
Boas.
Um artigo de excelência sobre os acontecimentos históricos deste navio. Parabéns pela árdua pesquisa e preparação destes artigos, que bem sei o que custam por vezes.
Atentamente,
www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt
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