Um dos entreténs dos marítimos habilidosos a bordo, desde longa data, era, em dias de mau tempo, a construção de pequenas miniaturas de barcos, que poderiam, eventualmente, transformar-se em objectos votivos.
Outra, e não menos interessante, eram as miniaturas de barquinhos inseridos em garrafas.
O nosso museu marítimo deve ter uns quatro a cinco exemplares doados pelos autores, já de fins do século XIX, que, entretanto, recolheram a reservas.
Um pouco da história…
A miniatura de barco mais antiga que se conhece está guardada no Museu do Louvre, em Paris. Trata-se de um modelo duma embarcação funerária que dispunha de vários remadores e que foi encontrado em 1922 no túmulo do faraó Tutankhamon (1354-1346 A.C.). Sendo mais um objecto de culto do que um modelo de barco em miniatura, transmite-nos conhecimentos sobre a marinha daquele tempo e sobre os hábitos religiosos, as crenças e os rituais da época. Também nos ajuda a formular a eterna pergunta: porque é que o homem faz miniaturas de barco? A primeira resposta que ocorre é: por gosto.
Temos que confessar que estas miniaturas exercem um verdadeiro fascínio. Adoramos examinar o velame e o cordame e enumerar as antenas sucessivas de mastro em mastro. Pequenos ou grandes, os barcos têm sempre um grande encanto. No cais, convidam-nos à partida, à viagem. Instalados numa prateleira ou no tampo de uma cómoda fazem-nos sempre sonhar.
Os maiores criadores de modelos reduzidos, são os marinheiros, impelidos numa primeira fase por razões sentimentais. Fabricadas por prazer, estas miniaturas começaram por ser recordações. São testemunhos disso os ex-votos.
Velhas ou novas, estas miniaturas são o testemunho vivo do gosto eterno do homem pelo mar, pelas viagens e pelos sonhos. São antes de tudo mais, belos objectos carregados de emoção e de história. Através delas, podemos escrever um pouco da história da navegação... que é justamente outra história.
Texto (on-line) de Pierre Faveton
A pessoa mais conhecida em Ílhavo, como fazedor deste tipo de trabalho era Samuel Corujo.
O Sr. Samuel (1922 – 2005) e eu, vizinhos de rua, visitávamo-nos com frequência, para tratar dos “nossos negócios” e, sobretudo, para eu o ver trabalhar e ouvir as suas histórias.
Extremamente afável e delicado, sempre me recebia bem e falava dos seus “barquinhos” com muito carinho. Tinha uma lista de espera, nas encomendas, infindável!
Como me dizia, dormia mal, acordava cedíssimo e sentava-se a trabalhar, colocando uma prancheta com os materiais e singelo instrumental, sobre os braços do cadeirão. Os utensílios eram poucos e rudimentares, mas a habilidade e paciência eram imensas.
Escolhida a garrafa com que ia trabalhar, começava por talhar o casco do lugre escolhido a canivete, afagando-o com doçura. As madeiras utilizadas eram o pau de bambu e a balsa, fácil de trabalhar. Sobre o convés, não lhe faltava a gaiuta, o restante casario, os albóis, o molinete e as pilhas de dóris.
Seguiam-se os mastros, delicados quanto baste. Tinham de ser móveis, para se poderem aninhar, ao entrar na garrafa. Todos os cabos, finíssimos exigiam um pormenor estonteante. E o velame? De pano latino ou armação redonda, era feito de mortalhas de cigarros. Estava pronto o barquinho, mas repleto de fios à proa.
Começava a preparar o mar, dentro da garrafa: de lado, ia ajeitando uma massa abetumada, que pintava de azul e que introduzia no fundo da garrafa, sem esquecer o pormenor da ondulação. Havia compassos de espera, para secagem de materiais.
Quando chegava a fase final, avisava-me para eu ir ver. Truque de ilusionista: todo aninhadinho, mastros deitados, velas dobradas, lá entrava o lugre, na boca da garrafa. Depois da secagem que possibilitava a fixação ao mar, havia que puxar todos os fios, para erguer mastros, cabos e velas. Ao deixarem de ser necessários os fios auxiliares, eram atados e invisivelmente colados à proa, normalmente no pau da bujarrona e, posteriormente, cortados por uma lâmina, na ponta de um pauzinho.
A garrafa era hermeticamente fechada por uma rolha onde assinava e datava o minucioso trabalho, lacrada com cera derretida pelo calor da chama de uma vela. Estava pronto. Cada exemplar demorava-lhe cerca de 24 horas a ser construído e o dinheiro que levava, mal pagava os materiais.
O “seu figurino” eram fotocópias do conhecido, mas raro, álbum organizado pelo Grémio, “Frota da Pesca do Bacalhau”, de 1946.
Novos Mares
Começou a trabalhar em 1983, após a aposentação e desde essa data e até 1999, já haviam “nascido” das suas mãos cerca de 1700 barquinhos. Tinha uma variante interessante que ainda era mais detalhada: a garrafa do Farol, do Forte e palheiros da Costa-Nova, por onde passava, normalmente, o Gazela, só com mastros, para não encobrir a paisagem. Ei-la:
Gazela Primeiro
(Cont.)
Imagens – Arquivo pessoal da autora
Ílhavo, 11 de Janeiro de 2009
Ana Maria Lopes
9 comentários:
Uma verdadeira maravilha a arte do Sr. Corujo.
Obrigado pela divulgação deste assunto e de tantos outros que tornam obrigatória a visita às suas "MARINTIMIDADES" tão generosas na partilha que este espaço possibilita...
Dra. Ana Maria,
Subscrevo inteiramente as palavras do amigo LMC.
Cumprimentos e boa semana,
Reimar
Bom dia.
Sem dúvida trabalhos de grande valor e que, trabalhando eu também em modelismo, não me atrevo a tentar algo dentro de uma garrafa.
Parabéns por mais este artigo na sua já grande variedade deste valoroso blogue.
Atentamente,
www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt
Olá Ana
Realmente o Sr. Corujo...faz partte da galeria dos nossos Ilhavenses Ilustres...
Um beijinho e votos que o Ano de 2009...te continue a inspirar para continuares a fazer este blogue maravilhoso
Um abraço
maria
Obrigada, Maria, Bom Ano também para ti.
Um abraço
Hola, Ana Maria!
Son realmente hermosos los barcos en botellas, y la habilidad de quienes los hacen es digna de admiración, ya que, como tu dices, suelen usar unos utensilios muy sencillos y rudimentarios. Yo sólo tengo uno en mi colección de maquetas, pero espero poder ampliarla con el tiempo.
Y para ampliar también tu interesante entrada, me permito recomendarte un vídeo sobre el trabajo de un maestro catalán en este arte: Néstor Sanchís, capaz de meter barcos en botellas de perfume. El vídeo pertenece al programa "Thalassa" que se emite en la televisión pública catalana y su enlace es este:
http://www.tv3.cat/videos/189147655
Saludos desde el Mediterráneo!
Mi español no es muy bueno, pero gracias por tu visita e tu información.Buenas noches!
Obrigado pelas visitas e comentários deixados no Blogue dos Navios e do Mar.
Nos próximos dias publicarei mais algumas imagens com unidades da TESTA & CUNHAS.
Um muito obrigado, por se ter lembrado do meu pai no seu blog.
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