O berço de um barco é a carreira do estaleiro e a sepultura mais digna é o fundo do mar, a que ele pertence. Sem perda de vidas, entenda-se…
Ora o Novos Mares, em 1974, depois de ter passado o 25 de Abril ancorado no Tejo, ainda seguiu para a Terra Nova, ano difícil para a campanha do bacalhau. Regressou em fins de Julho por ordem da Secretaria de Estado das Pescas, uma vez que se haviam malogrado todas as tentativas de conciliação com os tripulantes, que reivindicavam melhores remunerações e outros benefícios.
Tornara-se um navio-histórico, pois fora o último barco da chamada Frota Branca a navegar no estreito de Narrows, com os seus dóris cautelosamente alinhados no convés (in Disasters & Shipwrecks of Newfoudland and Labrador, Vol. 3, de J. P. Andrieux, pp.121 e 122).
Já em viagem para Portugal, a cerca de 150 milhas de St. John’s, socorreu o São Jorge, com incêndio declarado a bordo, tendo recolhido toda a tripulação. Por excesso de peso, voltou a S. John’s, para a deixar, fazendo-se, de novo, rumo ao seu país.
Foi ainda, depois disso, transformado em navio com redes de emalhar com lanchas.
Passados uns três anos, o caminho errante do Novos Mares começara…
Em 1977, foi adquirido pela Cooperativa de Produção Ria de Aveiro, tendo sido vendido em praça, em 1980, à Sociedade de Pesca Alavarium; mais tarde, passou para a propriedade de Brites, Vaz e Irmãos. Em 1986, por despacho da Secretaria de Estado das Pescas, foi excluído da frota pesqueira.
Em Janeiro de 1991, a empresa proprietária ofereceu o Novos Mares à Secretaria de Estado das Pescas, para fins museológicos. A localização do “navio transformado em museu” foi uma guerra incessante entre diversas personalidades, sem que nunca a S.E.P. tivesse posto o preto no branco.
Após alguns impasses e decisões definitivas não tomadas, o navio assentou no fundo da ria, em Fevereiro e, de novo, em Dezembro de 1992.
Foi-se degradando, recaindo os custos da reparação em cima da empresa doadora.
Um rombo no casco foi a última machadada na “bonita atitude do doador”: o Novos Mares ia ser desmantelado. Já lá ia uma indefinição de quase três anos.
Embora a viabilidade da musealização não fosse muito exequível e o tipo de navio não o justificasse plenamente, é sempre desagradável e degradante assistir a um espectáculo destes. Num bonito e solarengo dia de Inverno, lá fomos, o Francisco e eu, apreciar o bom estado de conservação das madeiras.
Durante o desmantelamento. Fevereiro de 1994
Com pena de, até à data, não termos conseguido, por razões de vária ordem, levar a bom termo a ideia inicial, e tendo estes destroços, quer os que estão junto ao esteiro da Malhada, quer os do Largo fronteiro ao Museu, um aspecto pouco digno, perguntámos a opinião ao Amigo Marques da Silva, expert nestes assuntos de reconstrução e preservação, que nos disse:
– O nosso Amigo Francisco Marques e outros colaboradores conseguiram deslocar, com enorme esforço e dedicação, esses pedaços do casco do Novos Mares até Ílhavo. Estou certo que quem tanto trabalhou e lutou para que essas belas peças, únicas no mundo de hoje, chegassem até cá, foi, certamente, com grande desgosto que nos deixou, vendo-as abandonadas como ainda se encontram, à espera que o tempo as consuma.
Pedaços do casco do Novos Mares. 2008
Mas ainda tenho esperança de que com os meus lamentos possa comover quem, de direito, volte a reparar nelas, arranjando-lhe um lugar adequado, onde seja possível ver e apreciar tão belo trabalho. Era, ao menos urgente, que fossem levantadas do chão para arejarem e se lhes mandasse dar cuprinol e carbonil, como sempre receberam, no estaleiro, para sua conservação.
Tenhamos esperança!
Algumas novidades! O guincho do Novos Mares, após ter sido restaurado, já foi reutilizado no Santa Maria Manuela.
Parece também que há boas notícias, por parte da Direcção do Museu, ainda não confirmadas. Aguardemos.
Fotografias – Arquivo pessoal da autora, do Comandante A. São Marcos e de Carlos Duarte
Ílhavo, 5 de Novembro de 2008
Ana Maria Lopes
2 comentários:
Boa tarde.
Como seria de esperar, estes seus artigos sobre este navio são dos mais valorosos para mim em todo o universo da pesca do bacalhau.
Poderei agora conversar melhor com o meu pai, mostrando-lhe estas fotos, contando-lhe o fim do navio e partilhar com ele a esperança de que os "ossos" do "seu" navio, espalhados por alguns cantos terreiros, mereçam finalmente a dignidade de um Museu. Aguardaremos com esperança esse dia, e Ílhavo fica só a dois passos de Vila do Conde.
Ainda assim, a utilização de peças dele no "Santa Maria Manuela" já são um reconforto sem preço e no futuro, sempre que vir mais uma foto do SMM, poderei sorrir ao ver nele o molinete ou os cabeços do "navio do meu pai".
Fico-lhe muito grato por ter exposto o N-M "Novos Mares".
Atentamente,
www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt
Na verdade este navio não está morto, pois vida continua a crescer-lhe de dentro das madeiras abandonadas e a sua última foto comprova-o... .
Enviar um comentário