domingo, 9 de novembro de 2008

O palhabote Santa Eulália


Depois do triste fim do Novos Mares, dêmos boas notícias no que toca à preservação de navios. O Santa Maria Manuela já tem os seus quatro mastros hirtos e altaneiros, dando-lhe cada vez mais a traça original, de 1937, aquando do seu nascimento. Ainda faltam brandais, enxárcias e mastaréus, mas lá chegaremos. Está quase.
Ver Santa Maria Manuela.


O palhabote Santa Eulália, onde estive, há dias, no Tejo, e que visitei atentamente, salvou-se das garras da demolição, sendo actualmente pertença do Museu Marítimo de Barcelona. Foi nessa qualidade que esteve presente em Lisboa, pela primeira vez, atracado na Doca da Marinha, vindo de Barcelona, no âmbito da organização do XIV Fórum sobre Património Marítimo do Mediterrâneo e do 10º aniversário da Associação dos Museus Marítimos do Mediterrâneo, de que o Ecomuseu Municipal do Seixal faz parte.
A comemoração do acontecimento teve direito a bolo de aniversário e tudo, com dez velinhas sopradas a bordo, e parabéns a você.

Os palhabotes, últimos veleiros do Mediterrâneo, são embarcações com casco de madeira e aparelho de escuna, que se utilizavam como cargueiros.


Detalhe do aparelho, em material clássico



Este tipo de veleiros foi amplamente adoptado, em finais do século XIX, pelos armadores espanhóis que procuravam um tipo de barco pequeno, rápido e de tripulação reduzida.

O palhabote de três mastros Cármen Flores foi construído na praia de Torrevieja (Alicante) pelo carpinteiro naval António Marí Aguirre. O armador que o mandou construir foi o comerciante valenciano Pascual Flores, que encomendou a construção de duas embarcações que tinham que ostentar o nome dos seus filhos, Pascual e Carmen.
Em 1918, foi lançado o Pascual e, durante esse ano, também se concluiu a construção do Cármen Flores, apesar de só ter sido lançado à água nos primeiros dias de 1919. Conta 90 anos.

Em 28 de Dezembro de 1918, o navio recebeu a sua licença de navegação e desde o seu primeiro dia no activo, sob a propriedade de Pascual Flores, o barco dedicou-se ao transporte de mercadorias, especialmente cereais, madeira, sal e minério.

Em 1921 realizou a sua primeira viagem à América, levando sal e trazendo cereais, saindo de Alicante e Manzanillo e Santiago de Cuba, para voltar, finalmente, ao porto de Barcelona. Esta primeira aventura transoceânica deu lucros suficientes para amortizar o custo total da construção do barco, os gastos da travessia e os salários dos marinheiros. As suas qualidades de veleiro eram tais que rapidamente ganhou a alcunha de El Chulo (O Bestial).

Em 1931, foi adquirido por Jaume Oliver, armador maiorquino, que lhe mudou o nome para Puerto de Palma e lhe instalou motor. Também lhe retirou o mastro da mezena.


Mastro da mezena



Em 1936, passou para as mãos da companhia Naviera Mallorquina, que o rebaptizou com o nome de Cala San Vicens.



Em viagem



Como Cala San Vicens, navegou até 1975, quando foi adquirido pela empresa Sayremar, que se dedicava a trabalhos subaquáticos e de salvamento. Normalmente rebaptizado, agora com o nome de Sayremar Uno, o velho barco levou a cabo todo o tipo de tarefas para a mencionada empresa e para outra similar, até 1996.

Finalmente, em Janeiro de 1997, foi adquirido pelo Museu Marítimo de Barcelona, tendo sido sujeito a trabalhos de restauro e reconstrução, com o recurso a materiais o mais tradicionais possível. Foi rebaptizado com o nome da co-padroeira de Barcelona, Santa Eulália, tendo iniciado a sua função, oficialmente, em Abril de 2001. Esta reconstrução de um navio histórico foi uma operação pioneira em Espanha, já que pretendia ser um primeiro passo na recuperação do seu valioso património flutuante.

O palhabote custa ao Museu, por ano, com todas as suas despesas, 500.000 euros, praticamente, sem retorno financeiro. No entanto, funciona como o grande embaixador do MM de Barcelona, na bacia do Mediterrâneo. É também uma peça fundamental do museu, em todo o tipo de programas educativos e actividades pedagógicas e cívicas relacionadas com o mar. Existe até um bilhete conjunto que prevê a entrada no Museu e uma visita ou passeio no Santa Eulália. Durante a estadia em Lisboa, recebeu visitas gratuitas, individuais ou de grupo.

Algumas características técnicas:

Ano de construção: 1918
Construção: Estaleiros Marí, em Torrevieja (Alicante)
Tonelagem bruta: 167 toneladas
Comprimento total: 34 m (46 m, incluindo o gurupés)
Boca máxima: 8,5 m
Pontal: 4,60 m
Superfície vélica: 516 m2 (11 velas)
Altura dos mastros a partir do convés: 27 m
Motor: Volvo Penta 367 cavalos
Tripulação normal: 6 elementos (comandante, contramestre, três marinheiros e motorista), acrescida de mais dois tripulantes, nesta viagem
Lotação máxima autorizada: 30 pessoas

Imagens – Arquivo do M.M. de Barcelona

Ílhavo, 9 de Novembro de 2008

Ana Maria Lopes

1 comentário:

Anónimo disse...

Estranhei que tivesse chamado ao «Sta Eulália» PALHABOTE... Pois na giria nautica portuguesa designa-se por palhabote o veleiro de dois mastros e respectivos mastaréus, envergando, em ambos, vela latina quadrangular... Para mim não passa de um simples LUGRE de três mastros

Antonio Angeja