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Faz,
amanhã, 74 anos que o “Primeiro Navegante” encalhou, à boca da Barra. Era tão novinha,
que ninguém me levou lá para ver, mas esse naufrágio foi tão fotografado, foi-me
tão relatado, mais tarde, de uma forma tão empolgante, que parece que a ele
assisti.
O
lugre, de madeira e quatro mastros, com potente motor Diesel de 425 HP, foi
construído na Gafanha da Nazaré por Manuel Maria Bolais Mónica para a Empresa
Ribaus & Vilarinhos, Lda.
Lugre
sólido e elegante, media
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Curiosamente,
o seu bota-abaixo aconteceu pelos fins de Abril de 1940, num domingo,
coincidindo exactamente com o seu congénere, de três mastros, “Dom Deniz”.
Imediatamente após o corte da bimbarra e o tradicional baptismo, pela menina Eneida Souto, filha de Alberto Souto, o “Primeiro Navegante” começou logo a deslizar, rasgando as águas da ria, triunfal e airoso.
Se
a Gafanha da Nazaré, em dia de bota-abaixo, era sempre aquele dia festivo que
já descrevi noutros registos, imaginemos o que não teria sido com um duplo
lançamento de unidades bacalhoeiras. Certamente, com toda a frota embandeirada
em arco, alegria redobrada, muita ansiedade, muita emoção, muita gente, muito
discurso, muita aclamação, muito ressoar de foguetes e de silvos de embarcações.
Depois
de seis “normais” viagens, debaixo dos costumados perigos, sob o comando de
João Maria Vilarinho (
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A 14 de Outubro de 1946, o “Primeiro Navegante” entrara em Leixões, para aliviar 3000 quintais de peixe, tendo voltado a sair, para se fazer à nossa barra. Tinha o destino marcado. Não há que fugir.
No dia 24 de Outubro, perante um cais apinhado de gente para assistir ao sempre emocionante espectáculo da entrada, pairavam também, lá fora, o “Lousado”, o “Navegante II”, o “Ilhavense II”, o “Santa Mafalda”, o “Maria das Flores”, o “António Ribau” e o “Viriato”. Vinha o “Maria das Flores”, a entrar, rebocado pelo “Marialva”, quando o “Vouga” lançou o cabo ao “Primeiro Navegante”, iniciando o caminho já percorrido com os outros navios. Em frente à Meia Laranja, alterosas e repetidas vagas conjugadas com violentas rajadas de vento, encheram todo o poço do navio, que desgovernou e tomou proa ao sul, sendo impelido para cima da coroa ali existente, apesar de todos os esforços do rebocador “Vouga”. Também o “Marialva” veio em auxílio do lugre, perante o perigo iminente que ele corria, mas os seus esforços também foram em vão. Embora com dois ferros no fundo e o motor a trabalhar com toda a força, segundos depois, o “Primeiro Navegante”, batido pelo mar e pelo vento, varava na praia em frente ao “nosso” Farol.
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Terá sido indescritível o momento de aflição e angústia, acorrendo ao local toda a gente, em altos gritos. Só quando houve a certeza de que a tripulação estaria salva, é que o ambiente serenou um pouco.
Durante as marés baixas, foram-se salvando os haveres, apetrechos e a carga possível.
Durante uns tempos, como hoje, sempre que soa a tragédia, a gente das redondezas acorreu, em romaria, para ver, “claramente visto”, o que o mar consegue fazer.
Desta
vez, vão aparecendo alguns testemunhos fotográficos reveladores e aquele
donairoso lugre de quatro mastros foi servindo de repasto ao mar, que o
desmantelou, destruiu e destroçou, acabando por o devorar na totalidade…
Foram já alguns, os navios que se perderam naquele fatídico local, de que vou dando conta, sempre que encontro dados suficientes e rigorosos.
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Fotografias – Arquivo pessoal da autora
Ílhavo, 23 de Outubro de 2020
Ana Maria Lopes
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