sábado, 12 de agosto de 2017

Tributo a Capitães de Ílhavo


Prefácio
 
Este Tributo a Capitães de Ílhavo, de autoria de Ana Maria Lopes, não poderia ser dado à estampa e oferecido à comunidade ilhavense em melhor momento. No dia em que o Museu Marítimo de Ílhavo comemora os seus oitenta anos de vida, este livro generoso e quente, tecido delicadamente sobre memórias de família dos admiráveis Capitães de Ílhavo, constitui um presente emoldurado, um diálogo de gerações para dar corpo e espírito à memória futura.
Não escrever este livro seria muito mais cómodo. Mas não foi essa a decisão de Ana Maria Lopes, que aceitou de pronto o desafio que lhe lancei quando soube das notas biográficas que vinha alinhando para publicação informal no seu blogue.
O património e as dívidas da memória comportam uma dimensão ética que pede a generosidade do risco e o desassombro da partilha. Daí a importância deste livro e da iniciativa homónima que o Museu imaginou neste seu ano jubilar em que o território, a identidade local e os seus protagonistas se invocam sem freios. Bem sabem os leitores deste livro, quanto o Museu Marítimo de Ílhavo tem procurado pluralizar memórias e abrir o jogo das identidades a todos os protagonistas humanos da Faina Maior.
Esta herança cultural lendária faz-se de múltiplos heróis humanos, da proa à popa. Prestar tributo aos Capitães de Ílhavo significa reconhecer uma elite local cuja fama correu o país e o mundo e significa fazê-lo de maneira aberta e inclusiva, com os Capitães e os Pescadores, em companha. Basta lembrar que no mesmo ano em que promove esta iniciativa e a presente edição, o Museu Marítimo de Ílhavo editou o livro Portugal no Mar – Homens que foram ao Bacalhau e apresenta ao público um extraordinário portal, Homens e Navios do Bacalhau, quase um museu virtual.
«Tributo a Capitães» e não «aos Capitães», assim o quis intitular Ana Maria Lopes, sabiamente, evitando presunções e a ciclópica ideia de biografar todos os Capitães ilhavenses. Trata-se assim de um tributo profundamente humano, da invocação de uma parte significativa dos Capitães de Ílhavo. Trata-se de uma parte que fala e vale pelo todo, de uma amostra que representa um universo.
Aqui se reúnem trinta breves biografias de Capitães ilhavenses já desaparecidos, conjugando palavras certas e belíssimas imagens, muitas delas inéditas porque residiam algures em silêncio. As biografias privilegiam o currículo marítimo dos oficiais e as principais peripécias dos navios que governaram. Homens houve que naufragaram três vezes. Muitos já eram filhos e netos de oficiais da Marinha mercante. A esses detalhes narrativos, fios de água que levam ao mar, aditou-lhes a autora preciosas notas humanas, traços de vida e testemunhos de família que não deixarão de interpelar outras memórias quando estas páginas forem dissecadas emotivamente.
Os Capitães de Ílhavo são homens de mar, admiráveis marinheiros, nautas por treino e vocação. Mesmo quando comandaram navios nunca deixaram de ser pescadores, continuidades que devem ser lembradas e valorizadas.
A diversidade de biografias que se encontram neste livro permite-nos confirmar que, se lhes chamarmos «Lobos do Mar» ou algo semelhante, não estaremos a exagerar nem a replicar os arroubos da propaganda do Estado Novo. Quando Alan Villiers lhes chamou «os melhores navegadores do mundo», na célebre Campanha do Argus (1951) e num texto que a seguir publicou na revista National Geographic, não exagerou mais do que viu, quotidianamente, nos mares do Norte. Mas fica claro que essas expressões mitificadoras tendem a tipificar estas figuras humanas; salientam os seus traços comuns como se um molde humano lhes tivesse esculpido o carácter e as habilidades náuticas. Um dia, partindo deste livro, será necessário empreender uma prosopografia dos Capitães de Ílhavo. Imagino uma biografia colectiva, de um grupo ou de uma elite dotada de traços comuns, mas de percursos e idiossincrasias singulares. A ideia é dura, mas fecunda.
Quero manifestar a minha alegria por escrever o prefácio deste saboroso livro, agradecer o desafio à Dr.ª Ana Maria Lopes e o entusiasmo dos Amigos do Museu. E devo assinalar, em briosa defesa do nosso Museu, que neste livro os créditos fotográficos encontram-se judiciosamente indicados e as fontes de arquivo que o Museu tem o privilégio de preservar também são devidamente referidas. Aparelhar este navio e fazer esta viagem só augura novas campanhas e maiores empreendimentos. Afinal, o património é tão somente o presente das coisas passadas. Um assunto infinitamente humano.
Álvaro Garrido
Professor da Universidade de Coimbra. Consultor do Museu Marítimo de Ílhavo
Ílhavo, 8 de Agosto de 2017
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AML
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