quarta-feira, 25 de maio de 2016

Homens do Mar - Capitão António Marques - 9

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À popa, grande lobo-do-mar

Saiu na roleta o dia do Capitão António Marques, meu vizinho de antanho e aparentado, de quem tenho, ainda, ténue recordação. Homem de rija têmpera, um verdadeiro «lobo-do-mar».
António Marques nasceu em Ílhavo (1889-1966), tendo tido uma vida diversificada, cheia, cheia de tanto mar.
Em Março de 1901, com 12 anos, tirou a Cédula de Inscrição Marítima na Capitania do Porto da Figueira da Foz e começou a sua vida no mar servindo na qualidade de moço de um navio de cabotagem, de uma barca, e outros que tais.
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Em 1906, com 17 anos, fez a 1ª viagem ao bacalhau, como moço, no Gazela Primeiro, comandado por Paulo Fernandes Bagão.
As campanhas do bacalhau foram-se sucedendo, tendo o Gazela Primeiro feito a última viagem de pesca em 1969, ano em que imobilizou na Azinheira, tendo sido vendido em 1971 ao Philadelphia Museum.
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Do casamento com a Senhora D. Nazaré Correia, irmã do meu Avô Pisco, em 8 de Março de 1913, foi surgindo uma família numerosa, como hoje, sói dizer-se. De três rapazes, todos seguiram a vida de mar. É geracional, em Ílhavo.
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De 1907 a 1917, António Marques embarcou como pescador, contramestre e cozinheiro na escuna Loanda, nos iates Rio Ave e Maria Luiza, no lugre-patacho Oceano e no lugre Terra Nova. 
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No lugre-patacho Oceano, desempenhou a função de cozinheiro – contava-me o Francisco – tendo este lugre-patacho abalroado com uma ilha de gelo. O cozinheiro, amarrado, sete vezes mergulhou, sete martelos perdeu… mas tapou o rombo. Já não há estes actos heróicos, nem homens desta têmpera.
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Em 1918, com 29 anos, tirou o Curso de Piloto  e de seguida, por já ter feito as horas as derrotas, obteve as Cartas de Imediato da Marinha Mercante e de Capitão Pescador.
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Durante nove meses, entre 1919 e 1921 foi imediato do lugre-patacho Ferreira e durante mais nove meses capitão do mesmo navio, tendo feito uma viagem à pesca do bacalhau.
O lugre-patacho Ferreira não é mais nem menos, curioso!..., que a  famosa barca Cutty Sark, que poderão ver em visita a Greenwich, enquanto foi pertença do estado português – quantas vezes me repetiu isto o amigo Francisco.
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Em 1923, estreou como Capitão, o lugre Algarve 5º, tendo como imediato Augusto dos Santos Labrincha.
Continuou a comandá-lo até 1927, inclusive.
Na campanha de 1928, capitaneou o lugre Maria da Glória, da Empresa União de Aveiro, Lda. de Aveiro, com João dos Santos Labrincha, como imediato.
Em 1929, estreou como Capitão o lugre Rainha Santa, construído na Gafanha da Nazaré por José Maria Lopes de Almeida, para a Firma Pascoal & Cravo, Lda. de Aveiro. 

Lugre Rainha Santa

Durante os anos 1931, 1932 e 1933 – anos de crise – não embarcou.
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Em 1934, sob o comando de Manoel Ignácio Gaia, pilotou o lugre São Paulo Primeiro, mas acabaram por não fazer a viagem à pesca, por abalroamento à saída de Lisboa com uma traineira. No mar, está-se sujeito a todos os acidentes e incidentes, aliás, como em terra e no ar.
Em 1935, foi à Dinamarca comprar e trazer para Portugal o lugre-motor Labrador para a Sociedade Lisbonense de Pesca do Bacalhau, que, apenas, comandou até Lisboa.
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Durante os anos de 1935, 36 e 37, comandou o lugre Bretanha, que, construído na Murraceira, na Figueira da Foz, acabou por pertencer a diversas praças, após várias vendas e transformações, passando para a praça de Lisboa, em1934.
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De 1938 a 40 (inclusive), comandou o Júlia Primeiro, da praça da Figueira da Foz.
E, em maré dos Júlias da Figueira da Foz, o Cap. António Marques, comandou o lugre Júlia Quarto, nas campanhas de 1941, 42, 43, 44 e 45.

Lugre-motor Júlia Quarto

No Júlia Quarto, em 1945
 
Capitão António Marques, no convés. 1945
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Em 1946, estreou, como capitão, o navio-motor de madeira Capitão Ferreira, construído na Murraceira, Estaleiros Navais do Mondego na Figueira da Foz, por Benjamim Bolais Mónica, em 1945, nele continuando como capitão, até ao ano de 1955.

Navio-motor Capitão Ferreira, em 1949

O Capitão António Marques foi condecorado pelo Presidente da República General Craveiro Lopes em 1953, entre outros capitães ilhavenses, durante a cerimónia da Bênção.


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Mais uma estreia. Em 1956, inaugurou, como capitão, o navio-motor de ferro Senhora da Boa Viagem, construído nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, para a Atlântica – Companhia Portuguesa de Pesca, Lda. E nele se manteve durante três campanhas.
Voltou mais uma vez ao Capitão Ferreira, onde já completava uma década de navio.
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E com esta viagem, deu como encerrada a sua vida de mar, que foi longa e acidentada, mas bem-sucedida e variada, durante 58 anos. A idade e a dureza da faina foram deixando marcas… Mas será que o Capitão António Marques, durante seis anos, conseguiu substituir o ondeado do mar, pelos passeios de Ílhavo? Esse ondulado do mar originava aos «nossos heróicos homens» um andar especial, cambaleado, balanceado, até que habituassem à solidez da terra. Assim foi…mais uma vida passada no mar.
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Fotografias – Arquivo pessoal e gentil cedência da Família do Capitão
Ílhavo, 14 de Abril de 2016
Ana Maria Lopes
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3 comentários:

Anónimo disse...

Em relação à Cutty Sark julgo poder corrigir.Não era uma "barca".Pelo contrário,era um veloz veleiro,se não erro destinado a transportar com rapide chá e,talvez especiarias.
Quando foi comprado por portugueses foi-lhe retirada a mastreação,e passou ( talvez rebocada...)a "chamar-se" "barca" Ferreira,com funções pouco nobres.Americanos conhecedores do nobre historial da Cutty Sark compraram-na,reconstruiram-lhe as superestruturas,e mantém-na como peça museológica.
Cumprimentos,"kyaskyas"

Anónimo disse...

No comentário anterior ( de memória...) cometi alguns erros.Consultei no "google" um artigo da "Revista de Marinha".Acrescento as correcções /aditamentos:Á "cipper" "Cutty Sark" armava em galera ; a "Ferreira" armava em barca.Portanto "imaginei"a perda da mastreação.Como "barca" conservou a velocidade,chegando a atingir,em competição com outro "clipper","Thermopilae",a velocidade de 16 nós.( à vela!...) Forçando a memória,lembro-me de haver na Costa-Nova um barco de recreio chamado "Clipper"
Cumprimentos,"kyaskyas"

vieira da silva disse...

Ana Maria: estas notas biográficas que tem vindo a escrever são muito valiosas para nos dar a conhecer os Homens que escolheram uma vida de desassossego durante longos meses sobre as águas irrequietas do mar imenso. Vai seguramente valer a pena reunir todos estes textos num futuro livro que espero que se acrescente à lista das suas obras. Obrigado pela forma como nos vai apresentando estas pessoas que merecem ser registadas na nossa memória.