(Cont.)
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– Houve
salvados?
– Quando saltei
para o meu dóri, levava comigo todos os livros e documentos de bordo, incluindo
dois diários do piloto, mas o meu dóri foi ao fundo, sendo eu salvo nessa
ocasião, por outro dóri que veio em meu auxílio, perdendo-se os livros e os
documentos.
– Depois…
– Às três horas
da manhã, como visse que já nada se podia fazer, para salvamento do navio,
mandei remar para terra, em busca de local para desembarque
– Que foi…?
– Perto de uma
povoação chamada Saint Shotts.
– Não voltaram
ao navio?
– Voltámos por
um cabo de vaivém que se estabeleceu de terra para o barco.
– E fizeram,
então, alguns salvados?
– Apenas alguma
roupa dos tripulantes e alguns objectos de insignificante alor, pois o navio já
estava raso de água e impossibilitava, em absoluto, os trabalhos de salvação.
Vendo que nada mais se podia ali fazer, voltámos a terra e fomos, então, em
busca das autoridades. De Saint Shotts, comuniquei para Trepassey, povoação
distante daquela cerca de vinte milhas. Telegrafou-se para o cônsul de Portugal
em Saint John’s, Sr. João José Denis.
– O local onde
encalharam é de boa navegação?
– Não. Até lhe
chamam o cemitério dos navios. Dias antes de nós, naufragou um vapor inglês,
que ainda lá vimos, morrendo toda a tripulação. Contam-se já perto de vinte, os
barcos encalhados.
– Passaram
muitas torturas?
– Muitas
torturas e muita fome. Saint Shotts é uma povoação pequena, com cerca de 20
habitantes e onde não há recursos de espécie alguma. Havia de ser uma hora da
tarde quando, extenuados, nos desjejuámos com uma chávena de chá.
– As autoridades
fizeram-se demorar?
– Só passadas
algumas horas depois que telegrafei é que chegaram ao local do sinistro o Juiz
de Trepassey, o oficial da Alfândega e um polícia.
– E o nosso
cônsul?
– Telegrafou
imediatamente ao Juiz de Trepassey, pedindo que nos fossem dados imediatos
socorros. Também o nosso conterrâneo Sr. Copérnico da Rocha* foi incansável e
dispôs tudo para que nada nos faltasse. Fomos transportados para Trepassey em
pequenos carros, por caminhos perigosíssimos, tendo ficado no local do
naufrágio um polícia de guarda ao navio e aos salvados. De chegada a Trepassey,
também lá estava o cônsul de Saint Jonh’s.
– Que providências
tomou o cônsul?
– Averiguados
todos os detalhes do naufrágio, e informado de que nada mais se podia fazer e
vendo que os marinheiros estavam passando as piores privações, dormindo no
soalho de uma sala e cheios de cansaço e fome e tendo ido ao local do sinistro
comigo, com o piloto e autoridades verificaram a situação e posição do navio,
ordenou, então, a nossa partida para Saint John’s, onde embarcámos a bordo do
paquete «Nova Scotia» que nos transportou ao Havre, tomando neste ponto o vapor
«Pancras», que nos desembarcou em Leixões.
– Vieram todos?
– Vieram 23
homens. Os restantes 5, em cujo número se contam o piloto, Sr. José Fernandes
Matias de Melo e o contramestre Sr. Joaquim Fernandes Serrão, devem estar a
chegar a bordo do vapor «Catalina»
– Quantos homens
eram de Ílhavo?
– Seis. E outros
tantos da Gafanha. Os restantes eram da Nazaré, da Figueira e do Algarve.
E o nosso
entrevistado, sem dar mostras de aborrecimentos pelas nossas constantes e
contínuas interrogações, cerrou neste momento os olhos.
Calámo-nos.
Naquele instante, devia passar-lhe pela mente a recordação de um sonho feito
saudade, evocando as horas tormentosas do naufrágio em que correndo da proa à
popa, gritava aos seus homens:
– Coragem,
marinheiros!
Antes fosse um
sonho!
Mas,
infelizmente, a perda do «Ilhavense I» fora uma dura e cruel realidade!
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Degustem
esta entrevista levada a cabo há 86 anos, tal como eu a saboreei, apesar de
todo o seu dramatismo.
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*Ainda conheci o
Sr. Copérnico Rocha e sua Esposa, quando vinha a Ílhavo, irmão de Conceição e
Rosa Rocha, tio de Maria da Conceição Rocha Mano e de José (Zeca) Mano.
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Costa
Nova, 19 de Setembro de 2015
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Ana Maria Lopes
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