domingo, 7 de dezembro de 2014

Memórias «líquidas» de Ílhavo - I

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Trazia no baú virtual duas imagens, já há uns anos, conseguidas num arquivo confiável, cá em Ílhavo.
Vi-as, apreciei-as, sorvi-as, mexi-lhes, toquei-as, em papel. Dá-me mesmo mais prazer. O virtual tem os seus encantos, benesses, modernidades, mas o tradicional, neste caso, a imagem em papel tem outra sedução.
Para dissertar sobre elas, no Marintimidades, tinha a consciência de que não sabia o suficiente e que tinha vivido uma infância mais singela, mais caseira. Teria amigos/ que, uns anitos mais velhos/as, passavam e repassavam pelos tais riachos e brincavam frequentemente por esses ribeiros e regueiros, em que a vila de Ílhavo era fértil, todos com a mesma origem.
Lembro-me muito bem de alguns lavadouros, sobretudo do da Fontoura, por onde passava com frequência e há muito menos tempo, de um existente no fim de Alqueidão, para quem levava o destino da Malhada.
Melhor ainda me recordo termos tido, em tempos idos, uma lavadeira, que levava a roupa, semanalmente, que, sem saber ler nem escrever, se entendia com o rol da roupa, com toda aquela sinalética habitual, não trocando sequer uma peça. E não estava marcada… A memória necessita ser exercitada…Grandes mulheres foram as lavadeiras, elas, as verdadeiras artistas destes cenários.
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Lavadouro da Fontoura. 1940

Mas, as ditas imagens forneciam muitas informações e suscitavam muitas memórias.
O seu destino foi, pois, o Facebook, que uns renegam e outros muito apreciam.
Precisavam de ser comentadas por muitas mentes e foi o que conseguimos, através de várias participações, reminiscências e comentários, por vezes de maneira saudosista e enlevada.
Portanto, agradeço sinceramente todos os «likes» e todas as simples manifestações de apreço. Atrevo-me a editar, já que o Facebook é público, as opiniões mais informativas e/ou mais poéticas. Cada um sente como sente e escreve como escreve.
Será uma recolha escrita de «nós», ilhavenses. Vamos a ver se tecnicamente, atino com isto. Foi um desafio posto a mim própria, em dia pardacento, morrinhento e chuvoso, de poucos entreténs e atavios. Tentando encadeá-las o melhor possível! O que nem sempre consegui na íntegra, porque foram partilhadas e suscitaram comentários noutros locais. Seria preciso entrar no âmago facebookiano. Aprende-se sempre…

Vamos a isso.



Optei pela de aspecto menos antigo, para este primeiro exercício de pesquisa e composição.
 
Ana Maria A propósito de um dos antigos Lavadouros de Ílhavo, tenho aqui uma imagem de lavadeiras, no rio, com as suas tripeças, não datada. Alguém me consegue dar umas dicas?
Alguém conseguirá identificar esta imagem? Local e data possíveis?
Maria Dolores – Ui! Isto é muito antigo!
Etelvina Almeida – Belo registo... Deve ser muito antiga.
Ana Maria É e é de cá. Coloquei-a a ver se alguém conseguia identificá-la.
Carlos Oliveira – Já estive a olhar para a excelente fotografia alguns minutos. Não consigo identificar o local. Mas posso especular com base no caudal de água da levada e a geografia do terreno. Ou é na vala Madriz ou vala real junto ao Soalhal ou é junto à Malhada, caso seja do lado de Ílhavo. Se for do lado das Gafanhas não tenho a menor ideia de onde seja. Mas pode muito bem ser do lado das Gafanhas pois consigo identificar as árvores como sendo pinheiros e austrálias, arvores estas que predominam sobretudo nos areais.
Ábio de Lápara Não tenho memória deste trecho. A presença da Ria com aquela dimensão e o rio com aquele caudal, desloca, na minha opinião, a imagem para norte, já fora do nosso concelho. A época em que foi obtida, ronda a viragem do século XIX para o XX. Como o tema é a tripeça, alguém sabe o porquê dos 3 pés?
Paulo Silva Flautas Se não é aqui parece!
Quanto ao caudal, não sabemos o caudal da época nem sequer qual era a época, mas o caudal supostamente era muito maior no passado!

 
Vista aérea – Aponta a via da Malhada
 
Ana Maria Obrigada pelas respostas. Não posso concordar nem discordar, porque não sei. Ábio, explica lá a razão dos 3 pés. Pelo aspecto e vestuário, aposto também na data que propões. Mais início do século XX.
Senos Fonseca – Eu olhei vezes sem conta para esta foto. Estou convencido que foi a que antecedeu o lavadouro ao fundo de Alqueidão, abaixo da Fonte dos Amores. Não vejo que outro local possa ser. Esta fotografia anda por várias mãos, e nunca se adiantou muito.
Ana Maria Somos todos muito novos, pelos vistos, mas «postei» uma outra, em que as lavadeiras têm lenços e chapéus. Procura lá e opina...
João José Lavadouros em Ílhavo só me lembro do da Fontoura e o do Casal.
Ana Maria Lembro-me de um lavadouro, em Ílhavo, no final da rua de Alqueidão, já ali mesmo pertinho da Malhada.
Ábio de Lápara – Percorri a memória dos vales que desaguam na ria ao longo do nosso concelho. A começar pelo que fica a nascente da Coutada. Terminava nas marinhas e o fundo paisagístico poderia ser o da foto. O vale a poente da Coutada não tem bacia para aquele caudal. No verão servia para fazermos "poisos" para armar as "palmas" de caçar os pardais sequiosos do trigo comido nas searas. Os locais mais notáveis eram o poiso do Mastrago e o da Maluca. O vale seguinte é o que atravessa Ílhavo, que desce da Légua, percorrido por vários ribeiros onde, aí sim, se lavava muita roupa ao longo dos seus cursos. Mas duvido que em algum desses pontos o fundo paisagístico da foto pudesse ser aquele. Depois só o vale do Soalhal, que desce de Vale de Ílhavo, poderia corresponder àquela imagem. Fiquemos pois no que nos parece porque a investigação está cara!
Já agora, respondendo à pergunta lá de trás, as tripeças tinham 3 pés, porque 4 eram demais, e dois eram insuficientes! Na verdade, 4 pés no fundo irregular do ribeiro deixariam a tábua sempre instável com um pé mal assente. Três nunca falha!!!
Maria Sílvia Eu «Inda» agora aqui cheguei, e gostei do que vi e li. O tema reportou-me à minha meninice, recordando um ribeiro que deslizava, suavemente, ao longo de toda a Avenida 25 de Abril. Quem se lembra desse tempo sem o Atlântico-Cine-Teatro, sem a Garagem Vizinhos & Vieira, enfim, em toda a extensão da Avenida corria o «rio», onde, desde o Colégio até onde hoje se encontra a Farmácia Moderna, as tripeças abundavam, (sem que suas donas receassem o seu furto) e, até ainda lembro, do sabão nelas deixado. A sua preocupação residia em que, esta presença, lhes garantisse o lugar para a tarefa do dia seguinte. Frequentando a minha 1.ª classe, por aqui passava todos os dias e, embora pequenina, reparava na resistência destas pobres mulheres quando, de Inverno, em águas tão geladas, ali as via metidas! Porém, quando de regresso a casa à hora do almoço, ao atravessar o Jardim Henriqueta Maia, já ouvia o som de suas timbradas vozes cantando, ora, triste, ora alegremente, o Melhor de AMÁLIA!!! Tempos idos em que, de saudade só me trazem a alegria da minha infância! Era triste a vida das lavadeiras, e elas bem a deixavam estampada nos lindos mas tristes fados que, tantas vezes cantavam!......
Ana Maria Observou, realmente. Ficou-lhe gravado todo esse processo. Obrigada, cara Sílvia. Memórias que não esquecem!
Maria do Rosário Celestino – Adorei o seu relato, Maria Sílvia! Desconhecia a existência de tal ribeiro e de todos os outros pormenores que abordou! Muito obrigada, pela informação, que me deu! Fico encantada a ouvir todos estes relatos do passado!
João Simões Xis Maria Sílvia, pois nesse tempo onde fica a garagem dos Vizinhos e, em frente, onde está a Galera e ainda na Travessa da Gruta eram sítios onde lavavam as roupas pois passei parte da minha meninice por esses lados, enquanto a minha mãe lavava a tal dita roupa para ganhar alguns patacos.
Amélia Marabuto – No Rio Pereira também havia um lugar onde se lavava a roupa. E bem me lembro de ver as pessoas com as bacias de zinco à cabeça com a roupa lavada! Também me lembro de ouvir dizer que iam lá lavar as tripas dos porcos, mortos pelo Sr. Ismael! Tempos idos...

Continuarei, relativamente à outra imagem, se tiverem gostado.
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(Cont.)
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Ílhavo, 7 de Dezembro de 2014
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Ana Maria Lopes
 

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