Desafiado
a algo dizer – embora sem delírios (?!!) que a autora reconhece no meu palrar –
para assim dar conta das Chinchadas Monumentais organizadas pelo grupo dos «sete
magníficos», anos seguidos, na Costa
Nova, no dia 15 de Agosto, de cada ano.
-
O
grupo era constituído por Francisco Meneses, Zé Parada, José Ançã, João Carlos
Loureiro, Jorge Picado, Carlos Duarte, Manuel Cândido Amador e eu.
-
Ano
após ano, púnhamos de pé uma complexa organização. Prévia e atempadamente
apregoada, nos característicos «avisos» programáticos saídos da mão prodigiosa
do João Carlos Loureiro (o mesmo acontecendo no S. Martinho).
Chinchada
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Eram
distribuídos aos amigos de aqui, mas e também, muito especialmente aos ílhavos que a profissão desviara para
Lisboa: Alberto Bixirão, João Bela, Fernando Lau, e outros. Também em
particular atenção para os amigos do grupo, embora de uma outra geração mais
velha, onde pontificava meu Pai (sempre a adorar estar perto do filho e dos
amigos), o Cap. Zé Vaz, inefável e inenarrável contador de estórias apimentadas, homem de um humor fino e privilegiado, o
«Teiguinha», irmão de peito de meu Pai a quem consagrava verdadeiro culto;
Ferreira Jorge, o eterno sonhador, homem de carácter a que Ílhavo tanto deve,
amigo do seu amigo, que foi um meu companheiro de jorna, até ao seu fim. E
muitos outros. Todos podiam convidar os seus amigos. Que por vias disso, nossos
amigos eram. E é por isso que a fotografia apresentada pela AML, foi cedida
pelo juiz Dr. Lamas, um dos convidados habituais. Juntamente com o Juiz de
Vagos, o «El Gordito», senhor de uma alegria contagiante, que parecia ter, no
lugar do estômago, antes uma esponja sequiosa. Outro habitué era o velho «Monchaine». Trazia sóbrio e direito, o D.
João, Visconde de Taboeira, e o levava deitado, majestosamente embalado, para a
cama de dossel e colgaduras onde deveria sonhar com o encargo real de vedor da
adega celestial.
Binhos
O
grupo organizador, esse ia, responsavelmente, de véspera, para o local, onde se
ia dar a batalha de fruição das vitualhas divinais. Que as mãos experientes dos
master chiefs gourmets – Fonseca
& Meneses – iriam certamente prodigalizar.
Obrigatório,
era cumprir «as vésperas». Ainda que reduzida a sua celebração, ao grupo
organizador, eram, depois de terminados os arranjos do campo, mercadas por
opípara jantarada. Cada um tinha a sua função: o Parada era o organizador do campus; o Zé Ançã era o homem que
tratava das buídas – que se requeriam
muitas e boas – sendo seu especial encargo encanteirar (em segurança) os pipos.
E apor-lhes à distância de uma mão, duas confortáveis cadeirinhas (para o dito
D. João e para o El-Gordito), que gostavam em particular, de degustar em
repouso, o bairrada seleccionado. Os irmãos Amadores eram os achegadores das vitualhas,
transportadores dos mantimentos e seus guardadores. E claro, os contabilistas,
que ali não havia borlas para ninguém. O João Carlos era o fazedor da
complicada engenhoca, o assador campal onde ao outro dia se churrascava, umas vezes, uma vitela
inteira, outras, mais comedidamente, um caprichoso suíno de boa seba.
-
Voltando
à foto. Pelo que relatarei, creio ter-se tratado da «Monumental Chinchada» de
1971. E explico porquê.
Os
primeiros lanços da chinchada, nesse ano, a que eu, liberto dos afazeres da
cozinha ainda assisti, terão começado pelas 7 da manhã. Às oito aparece-me o
Cap. José Negócio (vindo da lota de Matosinhos onde era o capataz) com uma
enorme lagosta viva. Enorme (!), pois nunca tinha visto alguma com aquela
envergadura. Nem nunca mais vi. Talvez com uns bons 5 kg. Então logo me lembrei
de uma partida. Entreguei ao Carlos Duarte (ou José Ançã) a lagosta, pedindo-lhes
que, sorrateiramente, a levassem no saco, e, no momento da chegada da rede,
fossem por detrás, e a lançassem na sacada da rede da chincha. Assim acontecido,
imagine-se o pandemónio, quando, no meio de umas tuberculosas tainhas e do
escasso, surge aquele monstro marinho.
A
chinchada era acompanhada, por terra, por um balcão de vime, que continha
bebidas para retemperar as forças aos participantes, após cada lanço. Dirigia e
carregava, o bar, o Alberto Bixirão. Logo o bar se transformou altar de tasca,
onde todos quiseram celebrar e discutir o milagre, digno de sermonário e responso.
Só ali faltava o Padre António Vieira.
Mas
a chinchada continuou. E eis que num lanço em frente à mota da barca, quando
subiam a cortiçada para evitar o salto da tainha, o Zé Ançã exclama:
-
Eh pá cuidado; anda aqui tubarão….Bateu-me numa perna, e não vos digo nada.
Claro
que todos se riram da brincadeira.
-
Vê lá se te come a mãozinha da direita e viras XUXALISTA….logo lhe atiraram…
O
melhor estava para acontecer. Aberta a sacada, depara-se com uma enorme
corvina. E que corvina (!): mais de doze quilos.
Só
me lembro do desalento dos arrais das bateiras:
-
E anda um home a esgalmir, noite e
dias, a apanhar escasso …e vêm estes pis…… e é o que se vê. É que nunca na p… da
nossa vida vimos tal coisa.
Ora
certo é que no grupo, quando o caso da lagosta começou a ser murmurado, logo se
pensou que a corvina também fora lá posta. O difícil foi convencê-los da
fortuna. No cartaz do ano seguinte, lá aparece a corvina pendurada no pinheiro,
tal como esteve no ano anterior.
Corvina
E
o certo é que a corvina, foi assada (no forno de lenha) e comida, na cena
seguinte, em casa do Sr. Manuel Casal.
E
eram assim, as nossas «Chinchadas Monumentais». Que procuravam não deixar
morrer a tradição, como as que relato no livro «Costa-Nova-do-Prado – 200 Anos
de História e Tradição».
Como
terminavam? Bem aí é que era chegada a hora dos valentes. Íamos jantar à casa
da Barra, e depois era chegada a minha vez de levar os mais teimosos a casa. Toda a gente se
habituara a que, sucedesse o que sucedesse, eu estaria mais ou menos sóbrio
para levar a casa a procissão dos anjos que se não atrevessem a ir pelos
seus pés. Felizmente que ainda não havia balão.
-
Mas
ficamos por aqui, assim manda a desafiante….
Costa
Nova, 14 de Fevereiro de 2014
SF
Nota
– Agradece-se ao autor, assim como se salvaguardam os direitos.
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