O dia seguinte acordou
nublado e muito calmo. Não se via o sol nem o vento. Por certo a viagem
nocturna terá sido mais lenta. Ainda navegávamos, mas já estávamos perto do
destino pretendido, que era o pontal da Galega, pesqueiro que fica a cerca de
14 milhas da barra de Aveiro, para noroeste.
O navio tinha canas de
pesca que já tinham sido preparadas para todos se poderem divertir um pouco
durante este dia.
Mas os meus planos não
passavam pela pesca. Pensava mais em começar por tomar um banho revigorante e
nadar em mar aberto – mais uma coisa inédita na minha "lista de coisas a
fazer, se possível".
Entretanto, o pouco vento
que havia de manhã tinha desaparecido por completo. Achei muita piada à
descrição que aparece numa tradução da escala de Beaufort a que tive
acesso – "mar de azeite". Não me lembraria de melhor expressão. Era
mesmo, tal e qual.
-
Não sei se seria do frio
ou da vontade de pescar, mas ainda não tinha aparecido ninguém interessado
nesse banho. Por isso, tive de ser eu a perguntar se não podia dar um mergulho.
– Claro que sim –
respondeu o comandante – nesse caso, só temos que baixar um bote para a água,
por uma questão de segurança. Faça como preferir: pode descer no bote, descer
pela escada, ou atirar-se da borda.
– Hum, atirar-me da
borda, não. Já estou velho para essas coisas. Prefiro descer no bote – respondi
eu.
O problema era mesmo eu
achar que a água devia estar gelada e que ainda morria de hipotermia ou algo do
género.
Por isso, lá desci no
bote com o membro da tripulação que tinha sido destacado para me acompanhar.
Não levei máquina fotográfica porque tinha medo que se molhasse e preferia
viver o momento a ter que ficar atrás da máquina.
Afastados uns metros do
navio, com os meus óculos de piscina bem apertados, mergulhei o mais fundo que
consegui, na remota esperança de ver algum golfinho que estivesse à minha
espera. Mas nada – para baixo, tudo escuro como breu e para cima, só a silhueta
do bote. Sem guelras nem pulmões gigantes, tive que regressar à superfície.
E ao regressar, dei de
caras com o navio, visto de fora, pois claro – um doce para a vista. Nem me tinha dado conta que ainda não o tinha
visto de fora, nem sequer quando saí no bote a caminho da água supostamente
gelada. Todo o cenário era idílico para a minha memória recheada de imagens
antigas de lugres bacalhoeiros fundeados, enquanto os seus dóris tinham saído para a pesca. E mais – com este tempo nublado e
com um mar que mais parecia um espelho de água, dava mesmo a ideia de estar a
ver o Santa Maria Manuela na
Groenlândia, onde estas calmarias eram mais frequentes.
Bom, acordei do sonho e
decidi nadar um pouco...
-
Ainda fiquei algum tempo
na água. Já tinha frio, embora ainda não tivesse escamas. Quando já estava a
subir as escadas definitivamente, para ficar no navio, ouço o comandante do Santa Maria Manuela a dizer:
– Vejam! Há golfinhos à
proa. Estão muito perto. Não querem ir no bote lá ter com eles? Têm que ser
rápidos. Eles estão a afastar-se.
De certeza que eles
ouviram as minhas preces ou os meus pensamentos. Nem pensei duas vezes –
atirei-me outra vez para a água e subi para o bote. Outros dois colegas de
viagem juntaram-se a nós. Tinha esperança que a minha mulher aparecesse para
nos acompanhar, mas isso não aconteceu.
O pequeno bote zarpou a
grande velocidade na direcção dos golfinhos. Os meus colegas tinham trazido
máquinas fotográficas e eu não, por causa da azáfama do banho e do medo que a
máquina se estragasse. Mas depois voltei a pensar – ainda bem que não trouxe –
será bom para desfrutar do momento.
E não foi preciso esperar
muito. Em menos de um minuto estávamos junto deles. Eram pelo menos vinte. A
minha boca só se abria de admiração e emoção. Os seus corpos eram visíveis
debaixo de água. Apareciam de todos os lados a grande velocidade! Saltavam,
brincavam, eram curiosos. Empurravam-se uns aos outros, como crianças que se
querem chegar mais à frente para ver melhor.
Parecia que estávamos no
meio de um espectáculo de golfinhos, mas este era genuíno e de grande beleza.
Nenhum deles parecia medir mais de 3 metros e a maioria teria menos de 2
metros.
Ainda bem que não levei
máquina fotográfica. Depois de passar algum tempo a assistir ao espectáculo, no
meio da alegria, perguntámos ao comandante do bote se achava que podíamos
tentar nadar com eles. Ele respondeu que sim, que não via nenhum motivo contra.
Então mergulhámos o mais
rapidamente que conseguimos, mas... Que é deles? Desapareceram! De dentro do
bote disseram:
– Assim que vocês
mergulharam, eles fizeram o mesmo e já não os vimos mais.
-
Os golfinhos apareceram
passados uns momentos a uns bons 500 metros do bote, na direcção contrária à do
navio. Mas estavam muito mais nervosos e ariscos e já não estavam tão brincalhões
nem curiosos.
-
Na altura, pensei que
fosse a última oportunidade para tentar o encontro imediato no meio deles. Com
autorização do nosso comandante, lá me atirei novamente. A mesma cena de fuga
endiabrada repetiu-se, com uma pequena diferença: dentro de água, ouvi as suas
vozes com grande perfeição, tal e qual as dos muitos filmes e discos em que as
vozes destes simpáticos mamíferos marinhos foram registadas. Só que fiquei com
a nítida sensação destas serem ligeiramente diferentes, em tom de lamento, como
quem diz "nós até estávamos a gostar da brincadeira, mas não gostamos de
estranhos e vocês têm que ficar mais tempo para nos conhecermos melhor".
Sendo assim, lá subi
desgostoso para o pequeno bote e tinha acabado de acrescentar uma linha na
minha "lista de coisas a fazer, se possível". O que será? É fácil:
nadar com golfinhos, claro!
Com tudo isto, já
estávamos, com certeza, a mais de uma milha do navio, que se via com grande
nitidez, no meio da calmaria. O comandante do bote ainda disse:
-
– Os golfinhos já se
estão a afastar demasiado. É melhor regressarmos, não vá a nossa gasolina
acabar.
– Claro que sim –
respondemos todos.
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Quando cheguei ao navio,
tiritava de frio. E a dor de cabeça que me atormentava desde manhã cedo tinha
aumentado de intensidade. Por isso, decidi tomar um comprimido para o enjoo e
deitar-me debaixo dos cobertores. Adormeci.
-
-
E o relato do meu filho
Paulo Miguel Godinho continua.
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Costa Nova, 23 de Agosto
de 2013
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1 comentário:
Relato espectacular de uma aventura bem vivida, ilustração perfeita e bem selecionada. Aqueles dois meninos não mais irão esquecer esta viagem, pena é que tenham sido iludidos pelo magnifíco estado do tempo que apanharam... recomendo uma outra viagem, agora com "brisa" para poderem comparar, e se mentalizarem que... o mar não é sempre de azeite!
Parabéns pelo trabalho e... boas viagens futuras.
JR
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