segunda-feira, 1 de julho de 2013

Recriação da «pesca do chinchorro» na Torreira

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A ria, na zona norte têm andado muito activa. E andarilhámos para lá.
Vimos publicitado, há uns dias. Não podíamos faltar: recriação da pesca do chinchorro, «com lanços para a borda», na praia do Monte Branco, Torreira – Murtosa, pelas 9 h e 30.

 
Não podíamos faltar e assim foi. Que grande madrugada! Mas que belo dia de calor estival, ao sabor da brisa lagunar e do pé na areia e na água.
Ao chegar, quando se começa a sentir aquele odor a maresia, numa comunhão de céu, água e serranias longínquas envoltas em neblina, o espírito brilha, em fulgor, tanto quanto a laguna espelha a luz do sol, que, de ter acordado, ainda se espreguiça.
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Toda a embarcação que navegue na ria, para quem está na borda, tem um efeito de contraluz, que seduz os espíritos mais sensíveis.


Efeito de contraluz
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A belíssima, colorida, e elegante bateira da chincha (ou chinchorro) e os seus camaradas já treinavam, fazendo exercícios de aquecimento e encadeando os assistentes, ao rasgar com seus longos remos, o brilho estonteante das águas.
Ambiência e cenário não nos faltavam.
Com maré cheia, em acolhedora baía em que a água banha a areia, em seis ou sete lanços, os «artistas» e embarcação recriam o espectáculo.
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Quis olhar com outros olhos, pois ainda me lembro de se pescar à chincha, na Costa Nova, alando a rede para a borda, para as coroas ou para a própria bateira. Mais tarde, alguns grupos de veraneantes amigos também promoviam, para seu deleite, as próprias chinchadas (uma, pelo menos, por ano, em meados de Agosto, era designada a chinchada monumental). Dia de arromba para esses pescadores por um dia, em contacto directo com a ria, de calção ou calça arregaçada – daí a expressão de «ir à chincha».
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A arte do chinchorro, maior que a da chincha é uma arte lagunar de arrasto. Duas mangas de cerca de 25 metros conduzem à bocada, onde se insere o saco de cerca de 4.50 m, que vai adelgaçando, em direcção ao fundo. As mangas terminam pelos paus de calão, a que se prendem os cabos que manuseiam a rede – o do reçoeiro, que fica em terra e o da mão de barca, que regressa à borda, depois de largada a arte. A tralha das pandas, actualmente formada por pequenas bóias de esferovite atijolada, debrua a parte superior da rede, enquanto a tralha dos chumbos constituída por pequenas malhas de cerâmica de dois furos, os pandulhos, fazem mergulhar a rede, bordejando-a, inferiormente.
Explicada no essencial a arte, vamos à faina.


Impulsionada a bateira…
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Impulsionada a bateira, dois ou três homens ficam com o cabo de terra, nas mãos, aguentando-o fortemente, de água pela cintura.


Seguram o reçoeiro

Num remar batido, lesto e ritmado, com dois longos remos, terminados pelas macetas, junto ao punho, a bateira afasta-se.


A bateira lançando a rede
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Vai lançando a rede em arco, até que abica e dois ou três camaradas saltam para a água, sustendo o cabo da mão de barca.
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Seguram o chicote da mão de barca…
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Entregam-se atentamente ao alar das redes, puxando as mangas, deixando-as descair uma sobre a outra e, ao mesmo tempo, fechando o cerco.
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Alam a rede, fechando o cerco
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Hoje, o resultado da pescaria não foi nada animador – nada mais que uns peixitos prateados e saltitantes, umas enguiazitas serpenteantes e, que se visse mesmo, uma solha maior, espalmada. Caranguejos, de várias espécies, esses, eram mesmo em abundância. E os lanços repetiram-se as vezes necessárias à observação dos mirones e até que a caldeirada, a preparar na praia, lhes compensasse o esforço. Putos de ontem, homens de hoje! Homens da ria, habituados a tirar dela o seu sustento! Grande gente, experiente, sabedora e trabalhadora! Dignos de apreço! Desejarão, porventura, outra vida para seus filhos!
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E eu, tão, tão encalorada, calcava a areia escaldante. Face afogueada e brilhante, olhos ardentes e lábios salgados, desejava mesmo uma sombra pacificadora e uma aguinha fresca.
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E aí me estatelei na areia, ao abrigo do excesso de sol, mas não da paisagem – pinos e arbustos verdejantes, recortados no azul do céu, reclinavam sobre a areia que a água lambia, na sua languidez habitual.
E ao longe, observava os preparativos da caldeirada à moda antiga. Com um tacho pendurado numa vara enterrada, em diagonal, na areia (o vasculho, auxiliar da arte), e uma fogueira improvisada com umas ramagens e uns gravetos, o que dava mesmo nas vistas era o colorido dos «pozes de enguia».
E entretida a olhar as bandeiras novinhas em folha que flutuavam, plasmadas no azul do céu, do que me lembrava mesmo é que faz muita falta, na nossa Costa Nova, uma praia fluvial protegida, com condições adequadas, uma praia mesmo AZUL.
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Quem se lembra do que sobrou do Bico, saboreou e viveu os prazeres da ria, das embarcações e das barracas riscadas da Biarritz e até de San Sebastian, sente-lhe mesmo muito a falta, sobretudo para os jovens de agora.
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Imagens – AML
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Praia do Monte Branco, 29 de Junho de 2013
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Ana Maria Lopes
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3 comentários:

João Reinaldo disse...

Com tanta clareza e pormenor, qualquer serrano menos esclarecido, fica habilitado a ir à chincha... Parabéns pelo texto, fotos e pela coragem de se fazer à ria nesse dia tórrido do fim de Junho.

Anónimo disse...

O "Bico",com meia dúzia de barracas,e onde a rapaziada(capitaneada pelo meu primo Victor Gomes")jogava umas "futeboladas"e de onde eu,quando a maré vazava,"embarcava"encafuado numa câmara de ar de avião,a caminho da Biarritz,para o banho da manhã (à tarde era o mar...);onde abicavam os biplanos anfíbios Tiger Moth de S.Jacinto,e,às vezes os bonitos bimotores Grumman,desembarcando o Tenente Agostinho...Bons tempos!...Cumprimentos,"kyaskyas"...

Ana Maria Lopes disse...

Caro conterrâneo:

Grata, pelo seu credível e vivido testemunho, envia cumprimentos
Ana Maria