sábado, 16 de março de 2013

A primeira galeota!...


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São 11 de Março. Eis o primeiro pregão! Galeooooota!
Andava à coca do primeiro anúncio, porque a época dela estaria prestes a chegar. Foi hoje. Este ano, pareceu-me ser mais cedo! Mas, com tempos tão incertos que têm estado, tudo é possível…
Galeooooota!
Eram quase seis da tarde e coquei à janela, por dentro dos vidros, dado o frio que fazia. Idêntica vendedeira, à de outros anos, de negro trajada, de balde amarelo na mão, com os pexinhos apreciados por alguns.
Por mim, nem por isso, mas para amanhã, já tenho almoço destinado. Foi mesmo o Marintimidades que me fez descer e comprar, para ter o prazer de recontar a apanha da galeota.
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 – Cara! – resmunguei eu – …um pires de chávena de café, rasinho, dois euros?
 – É a primeira, minha senhora!
 – Bote mais uma manchinha! – retorqui.
 – Num posso, que no é minha!
Mas, a vendedeira, da Costa Nova, calou-me com mais uns fiapitos de pexito.
 – Ah, até nem bendi mau, da framácia inté qui.
 – Boas bendas!

Galeooooota!

Pregão único, mas bem timbrado, prolongado e amiúde!
Compradoras assomam às portas!
Dura, de um mês a mês e meio, a venda da galeota pelas ruas de Ílhavo e zona das Gafanhas, porta a porta. Recordo os pregões desde sempre!...
No início da safra, é sempre cara como fogo; pudera! há um ano que não se lhe chinca!!!! Mas à medida que se banaliza (por se ir transformando no lingueirão), o preço desce, permitindo que bolsas menos abonadas lhe acedam.
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Sempre mais preocupada com as embarcações e processos de pesca usados do que com os prazeres gastronómicos, ia frequentemente até à Costa Nova (junto à Biarritz e San Sebastian), observar a sua apanha e ver as redes, bastante sui generis, nos trapiches, a secar. Pelos anos 80 recolhi os dados, que, agora, me dão um jeitão.
Hoje era capaz de já ter preguiça de andar de botas de água pela borda da ria ou junto às coroas, para gravar conversas e bater chapas.
A rede da galeota é uma arte de cerco ideada especialmente para a captura daquele peixe.
Consta, essencialmente, de uma tira de rede, que adelgaça para os calões, tendo, no centro, um rectângulo de pano branco. Este pano, antigamente um lençol já puído, é, actualmente, substituído por um cortinado também fora de moda, de nylon, de textura adequada.
O comprimento da rede é de cerca de 30.00 metros e os calões medem cerca de 0,40 m. de altura. A arte é feita com rede usada, de traineira.
Uma bateira vulgar (ou qualquer outro género de embarcação de fundo chato), é o tipo de embarcação utilizada neste processo de pesca.
 
 
A rede junto ao calão

 
Fica um pescador em terra aguentando o cabo do reçoeiro, enquanto a bateira se afasta da margem, largando a rede, a favor da corrente.
A partir do meio da rede, a embarcação dirige-se para a margem, completando o cerco, para o que fez um percurso, sensivelmente, em semicírculo.

 
 
A zona do pano branco da rede

 
Abicada a bateira, os pescadores saltam para a água e, em conjunto com o que havia ficado na margem, alam a rede. Vão-lhe dando sacudidelas rítmicas, para espantar e conduzir o peixe para o pano. Percorrem a tralha da cortiça, até que ao chegar ao centro, com a galeota agrupada junto ao pano, levantam a rede fora de água, deitando o produto do lanço no quete da embarcação.


 
Pescadores levantam a rede

 
A galeota, quando perseguida, esconde-se na areia branca, enterrando-se rapidamente. A arte aproveitou engenhosamente esta particularidade, pois o pano branco consegue enganar a galeota, dando-lhe a ilusão de areia. Por vezes, apenas dois pescadores lançam a rede.
A época da galeota começa em meados de Março e prolonga-se até aos fins de Abril, variando ligeiramente com a influência das condições meteorológicas, das marés, da transparência e calmaria das águas.
A galeota mais apreciada pelos entendidos é a primeira, por ser mais pequena (a larva do lingueirão). Depois de crescida, já não é tão saborosa (dizem os degustantes).

Apanhado o petisco sazonal, é preciso fazer o seu escoamento imediato no mercado da Costa Nova, nos restaurantes da zona, porta a porta, em grito estrídulo:

Galeooooota!

Compradoras aparecem às portas!

 
Avia-se a freguesa…
 

Curioso o processo de venda, no passeio ou à porta, medindo a porção a fornecer à cliente, pelas mais variadas e expeditas maneiras: a mais típica, a concha da mão, formada pelo indicador enrolado, circundado pelo polegar; o copinho de vidro, em alternativa ao pires da chávena de café e, modernamente, também, o copinho de iogurte.

 
 
A vendedeira prossegue…

 
E o pregão continua, estridente e bem-sonante: Galeooooota!
Regateia-se preço e medida; se a vendedeira é enganadeira, basta-lhe fechar mais os dedos, variando a capacidade da concha. Ou tenta pôr mais água enquanto a freguesa prefere o peixinho a nadar menos.
Em anos de fartura, no final de época, até se pode ajustar também ao quilo.
O petisco mais vulgar será a caldeirada; mas também há quem faça, posteriormente, uma papa rala de farinha de pau, recuperando a molhanca da caldeirada. Existe ainda uma receita mais sofisticada: as pataniscas (bolos) de galeota.
Galeooooota! Galeooooota! – Ouve-se cada vez mais ao longe!!!
 

Fotografias – Cedência de Paulo Miguel Godinho

Ílhavo, 11 de Março de 2013

Ana Maria Lopes
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3 comentários:

Anónimo disse...

Ao princípio, receei que se esquecesse do pormenor da medida na "concha"da mão,mas não falhou!...Confesso que desconhecia os pormenores da pesca...Fiquei "edificado"...Também há sessenta (ou setenta?...)e tal anos que não ouvia/lia a palavra "chincar".Normalmente era no jogo do "botão à parede" "Chincou-lhe!..."
Cumprimentos,"kyaskyas"
Nota:Sou quasi inepto em "mail"...Gosto destas incursões na Costa Nova apenas de "marginal" e "lomba"limitada pela casa do Sr.Pinto Basto,a Sul,e pela Quinta do Cravo,a Norte.E,claro,da Biarritz e de S.Sebastian,Ria de manhã,Mar à tarde.E ver chegar os"de Julho",depois "os de Agosto"e "os de Setembro"E 15 dias de Outubro,com a chegada dos "matolas"na camionete do Luso,com molhos de carqueja e colchões enrolados no tejadilho...Ou,dito de outro modo,gostávamos era de ter 15/16 ans!...

Ana Maria Lopes disse...

Caro conterrâneo:
Aprecio os seus comentários. Obrigada. Acrescentam sempre algo de novo. Teve grandes e «passadas» vivências, pela sua juventude, na Costa Nova, como já me tem dito.
Cumprimentos.

Anónimo disse...

Sou da serra. Transmontana. Mas adoro o mar. Este texto deliciou-me. Obrigada.