Uma
fotografia sem data e sem elementos identificativos perde grande parte do seu
valor, dispersando-se no tempo…
Se
fornecer tantos dados que no-la permitam balizar na cronografia, pode ser um
manancial precioso de conhecimento.
É
o que se passa com esta excelente imagem, pela informação que nos faculta.
Jorra de cada canto…
O
que é que nos ensinou ou nos fez rever, reescrever ou meditar?
De
assunto em assunto, fomos navegando…ou melhor, sobrevoando a zona dos
Estaleiros Mónica na Gafanha da Nazaré, pelo ano de 1959. Já lá vão 53, meio
século e pico…
Foto aérea dos estaleiros Mónica, em dia festivo
Vejamos
– em primeiro plano uma doca flutuante, que ainda hoje existe na Gafanha a
funcionar. Foi mandada vir da Inglaterra pelo Mestre Mónica, para acolher o
lugre-patacho Gazela Primeiro,
propriedade da Parceria Geral de Pescarias, do Barreiro, para suportar uma
grande intervenção de restauro.
Para
dirigir tal trabalho foi destacado o Capitão Marques da Silva, nos seus joviais
28 anos.
Do
espólio sobrante do grande incêndio que devorou os Estaleiros Mónica, existem
no MMI, apenas arquivos relativos às décadas de cinquenta e sessenta.
À
primeira vista, chamou-nos a atenção uma pasta de 1959-60, dedicada à reconstrução do Gazela. Para além de dois planos do navio, anotados, sobretudo nas
ditas áreas de intervenção, um dossier
de correspondência pormenorizada entre armador e estaleiro também nos cativou.
Segundo
nos revelou o amigo Marques da Silva, a reparação foi profunda – visava a
verificação do cavername, pelo que
foi necessário retirar para substituir a quilha
e a sobrequilha.
O
respeitável Mestre Manuel Maria Mónica, que acompanhava, de alma e coração, os
trabalhos de reparação deste velho navio, mantinha uma boa relação com todos os
elementos da tripulação.
O
seu desaparecimento inesperado (a 16 de Julho de 1959), após os trabalhos de
orientação da colocação da nova quilha,
foi um rude golpe sentido muito sentido por todos.
E
que mais? De lupa em punho, as letras alinhadas na doca, os enfeites, os navios
embandeirados em arco, um movimento inusitado no cais, punham-nos uma questão.
Que se teria passado?
Fomos
lendo, fazendo deslizar a lupa ou o zoom,
conforme os suportes:
ESTALEIROS
MÓNICA E OPERÁRIOS SAUDAM O PRESIDENTE AMÉRICO THOMAS, SALAZAR E THEUTÓNIO
PEREIRA. VIVA PORTUGAL
Uma
saudação típica do regime em vigor que Mestre Mónica, todo situacionista,
idealizou e ajudou a desenhar com a sua própria mão, referiu-nos Marques da Silva.
A
vizinha cidade de Aveiro festejava as suas bodas milenares, pelo que o
Presidente da República e sua comitiva aí estariam presentes, entre 4 e 6 de
Julho de 1959.
Chegámos
à identificação segura da data, mesmo na ausência de imagem datada.
Transportados
de Lisboa a bordo de navios de guerra, desembarcaram os ilustres visitantes, no
Forte da Barra. Depois do acto inaugural das obras do porto de Aveiro, o
cortejo, passando pela Gafanha, dirigiu-se à cidade milenar, para inaugurar as
novas instalações do porto de pesca costeira (Jornal do Pescador. Agosto de 1959, pp. 22-23) de Aveiro (Aos 5
dias do mês de Julho de 1959… – rezava uma lápide –), junto ao Canal das Pirâmides, quando elas ainda
existiam.
Era
a moderna lota, hoje completamente em estado de ruina e degradação.
E
que mais nos é dado observar na imagem? Um mar de cavername e de esqueletos náuticos. Entre eles, sobranceira pelo
tamanho e pompa, a monumental construção que ocupava a carreira, na grandiosidade dos seus vários andares.
A
Nau S. Vicente, na carreira do estaleiro do Mestre Manuel
Maria. Pelo sul deste, o que foi do seu irmão António Mónica, à data já
falecido. Ao largo, um horizonte despido, salpicado de umas casitas. A Gafanha da Nazaré de ontem e… a de
hoje?
Mais
vale quedarmo-nos por aqui, para continuar a catar pormenores que nos fascinam.
Há
imagens que valem a pena, pelo valor documental. Reportam-nos a uma passado
recente, com o qual não concordaremos, mas de uma forma extremamente viva e
reveladora. Dos estaleiros, nem marca. O Gazela ainda navega, mas por outras águas que não as nossas.
E
lá vão os tais 53 anos, hoje, dia 5 de Julho.
Foto
gentilmente cedida pelo Capitão Marques da Silva
Ílhavo,
5 de Julho de 2012
Ana Maria Lopes
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2 comentários:
Bom dia.
Uma verdadeira raridade esta foto. Excelente artigo mais uma vez nos oferece.
Atentamente,
www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt
Muito interessante, como sempre.Também é um passatempo meu, desencantar as histórias escondidas em imagens antigas... Muitas vezes consegue-se de repente após anos à procura...
LMC
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