À laia de explicação...
O
meu “linguajar dos ílhavos” tem andado meio engadanhado! Bai ò no bai?
Nada
de especial, mas gostaria de deixar o meu contributo, para um assunto que
sempre me apaixonou.
Comecei
por, no ano de 1967, ter feito um inquérito linguístico, na Gafanha da Nazaré,
para um trabalho universitário. A grafia usada era, por imposição do professor,
o alfabeto fonético, que, então, estava em vigor para tal fim.
No
final dos anos 60, para a minha tese de licenciatura, “O Vocabulário Marítimo
Português e o problema dos mediterraneísmos”, fixei um glossário marítimo,
também grafado em alfabeto fonético, com cerca de 830 entradas.
O
bichinho ficou-me…
Ao
longo da vida quando enveredei pela escrita de alguns livros, quantos
glossários não fiz, bem como de livros de pessoas amigas, que achavam que eu
tinha muita paciência para construir glossários.
Passados
uns anos, estando na Escola Preparatória de Ílhavo, a leccionar a disciplina de
Português e a orientar estágio na Profissionalização em Exercício, em Maio de
1985, o 1º grupo levou por diante um levantamento de regionalismos. A minha
colega e amiga Isabel Cachim Madaíl deu-nos uma grande ajuda, pondo-nos à
disposição um levantamento e recolha, que tinha feito, por gosto próprio,
durante vários anos.
Mais
um intervalo…
Um
belo dia, veio-me à mão, numa livraria, o “Dicionário de Falares das Beiras” de
Vítor Fernando Barros, editado em 2010, que comprei e li com afinco. Não era
bem o que eu esperava, mas lá fui tirando algumas ilacções.
O
gosto pelo linguajar dos “ílhavos” ia-me acicatando, devido ao contacto escrito
que com ele ia tendo, através dos diversos textos que Senos da Fonseca, ia, com
alguma graça e expressão, escrevinhando. E o primeiro foi «O Labareda», editado
em 2007, tendo eu dado uma ajudinha nas suas 356 notas de rodapé, que tinham a
ver com o linguajar local.
Mais
uns anos de intervalo, quando, por 2017, comecei a registar um glossário, com
um critério pré-definido, sendo as minhas fontes de consulta, as seguintes:
.
Os meus próprios conhecimentos como “ilhava”, que sou, e os conhecimentos
resultantes dos vários glossários em que já tinha colaborado.
.
“Falares de Ílhavo”, de Manuel Machado da Graça, cuja compilação se pressupõe
ter sido feita no final dos anos 30, início dos anos 40 do século passado, com
três diferentes originais, numa edição de João Machado da Graça, de 50
exemplares, em 2001.
.
“Regionalismos
de Ílhavo” de Isabel Maria Cachim, Madaíl, dactilografados em Maio de 1985,
mais tarde publicados no jornal “O Ilhavense”, esquartejados por letras, em
alguns números.
. “Costumes e Gente de Ílhavo” de Diniz Gomes,
que, segundo o autor, foi por ele escrito sem preocupações de natureza
literária em linguagem a todos acessível, com dizeres familiares e correntes do
vocabulário popular, tanto do nosso Ílhavo, a que sempre recorreu, por vício de
origem ou paixão bairrista. Em dois volumes, foi o primeiro editado em 1941 e o
segundo, em 1947. Em aulas quinzenais de leitura, na disciplina de Português,
usei com frequência, alguns contos destes, para despertar nos alunos o uso de
alguns termos regionais, usados em contexto normal. A saber… “Mulheres de
Ílhavo”, “A Bateira do Catraló”, “Homens de Ílhavo” e outros. Gostava, mas não
lhes dava o valor que dou agora, em que os li e reli, em busca do tradicional e
puro, mais relevantes.
. Além de “O Labareda”, 2007, que já citei, de Senos
da Fonseca, serviram-me de base de consulta, do mesmo autor, os livros “Marés”
de 2008, “Costa Nova – 200 anos de História e Tradição –, 2009, pp. 166 a 168, “A
Barca da Passagem na Maluca”, 2010, Postais, in “Os novos Maias na Costa
Nova”, 2014, “O Naufrágio do Senhor dos Aflitos”, 2018 e “Saga Maior”,
do mesmo ano. O autor, sem dúvida, tem um grande conhecimento destes linguajares
e usa-os com grande facilidade em contextos brejeiros e não só, como sentia ser
assim, à época – há cerca de 100 anos… Ao fazê-lo, talvez se sinta o rapazote
que foi convivendo com gente mais velha, em vielas, carris e nas areias da
Costa Nova, assistindo ao burburinho e movimento das artes de arrastar.
.
“Contos
da Terra dos Ílhavos” de Licínio Amador, 2010.
.
“Linguajar dos ilhabotos”, de Manuel Teles,
2017, que, gentilmente, me cedeu, a meu pedido – umas tantas páginas de
palavras e expressões, que aqui incluo, identificadas como todas as outras.
. “Meu crido home”, carta recebida no bacalhau e
encontrada dentro de um velho baú, corria o ano de 1930. Organizada e preparada
por Maria José Cachim. Apesar de bastante conhecida, não deixo de a transcrever
mais adiante. É uma pérola do linguajar ilhavense.
A
história ainda não acabou… Numa actividade literária na Biblioteca de Ílhavo,
por Abril de 2018, encontrei-me com Domingos Cardoso, que me deu a novidade que
estava mesmo a ultimar um grande trabalho de recolha de linguajares,
expressões, frases, dizeres, provérbios, que daria ao prelo, por Junho do mesmo
ano, com o título de “Palabras co Bento no Leba”.
Perante
a notícia, que recebi com agrado, no dia seguinte, encaixotei o “meu” material
dactilografado e manuscrito e parti para nova “emposta”.
Até
que um belo dia do passado Outubro, Senos da Fonseca me pediu a brochura de
Manuel da Graça, que não encontrava, dando-me conta de um trabalho que trazia
entre mãos, mais para distrair, “O linguajar dos ilhos”, que constava de
uns quantos textos dele, originais ou refeitos, bem recheados do nosso antigo
linguajar, de que, no final, faria um levantamento de palavras e expressões
locais.
Certo.
Trocámos umas impressões sobre o trabalho que eu tinha posto de lado e ele
incentivou-me a acabá-lo, se isso me dava prazer, em tempos ainda pandémicos. E
até deu. Dentro dos parâmetros que havia definido, já está quase arrumado. Não
terei, possivelmente, interesse, em publicá-lo, mas, para uso interno ou para
meia dúzia de amigos interessados, será sempre mais um.
Fevereiro
de 2022
Ana
Maria Lopes
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