Cap. Carlos Fernandes Parracho
Ainda
conheci razoavelmente o Cap. Carlos Parracho, tive tempo para isso, mas
lembro-me, sobretudo, da família, na casa da Costa Nova. Ficava, exactamente,
nas traseiras da minha, com entrada para a Avenida da Bela Vista, com partilha
de uma entrada de viela comum.
Filho
de António Fernando Parracho e de Rita de Jesus, nasceu em Ílhavo, na Freguesia
de S. Salvador, a 11 de Dezembro de 1904. Praticamente, na viragem do século… A
família Parracho, conhecida por cá e por outras localidades ribeirinhas, teve
fortes ligações ao mar. O Cap. Parracho, de alcunha, o Marcela, era irmão mais velho do Cap. João Fernandes Parracho,
conhecido por Vitorino, também ele
homem da Faina Maior, que velejou, igualmente, pelos navios da Figueira da Foz,
antes de os trocar pelos da praça de Aveiro, a quem já dediquei umas páginas no
livro «Tributo a Capitães de Ílhavo».
Assim
aconteceu com este irmão. Do casamento com Silvina da Rocha Bilelo, conhecida
por Silvina Carrancho, em 1924,
nasceram três rapazes e duas raparigas. Os três rapazes, Aníbal Rocha, António
Manuel e Carlos Alberto foram também oficiais da Marinha Mercante. Aliás, foi o
mais velho, o Cap. Aníbal Parracho, último capitão do Gazela Primeiro, na safra de 1969, já de provecta idade, que se
deslocou ao Museu acompanhado do filho Carlos Júlio, também ele capitão da
Marinha Mercante, para conversar comigo, fornecer-me elementos e recordar
episódios marítimos referentes ao Pai. Não eram muitos, mas…os possíveis.
Segundo
a convicção do filho, o Cap. Carlos Parracho, sempre andou no bacalhau, onde se
iniciou com doze anos, seguindo o percurso dos «meninos» do seu tempo. Mar e
mar…
Desde
que existem informações credíveis, o seu nome aparece como piloto do lugre-motor Trombetas, nas campanhas de 1936 a 1939, sob a orientação do
capitão figueirense Elias Andrade Bilhau. Este lugre, de madeira, tinha sido construído para Lusitânia Companhia
de Pesca, Lda., em Fão, em 1922. No ano de 1938, sofrera um terrível acidente
de que o jornal O Ilhavense de 28 de
Maio do mesmo ano, nos dá conta:
– Na
manhã do dia 10 deste mês, a 42 º-29’ de latitude Norte e 41 º-10’ de longitude
Oeste, pelas 7 horas e meia da manhã, o Trombetas
foi apanhado por um violentíssimo tufão, que lhe varreu ao mar nove homens, dos
quais dois se conseguiram salvar muito a custo. O vagalhão que lhe invadiu o
convés, arrastou-lhe 35 «dóris», partiu-lhe o leme, o albói da ré e 2 faróis de
borda, levou-lhe a agulha, avariou-lhe a instalação eléctrica e o motor, que só
passou a trabalhar para vante.
O navio conseguiu
chegar a Ponta Delgada no dia 16, onde ia reparar as avarias para, de novo, se
fazer ao mar, rumo à Groenlândia, em busca do pão daqueles que vão para a pesca
do bacalhau.
Embora
do mesmo armador, Lusitânia Companhia de Pesca, Lda., Carlos Parracho
estreou-se como capitão em 1940, do lugre
de madeira Leopoldina, construído em
Caminha, por A. Dias dos Santos Borda, em 1899. Em 1906, tornou-se propriedade
da Lusitânia. Aí perfez três anos de mar – de 1940 a 1943. Neste período, teve
como imediato, em 1940, o ílhavo Júlio
António Lebre.
O lugre Leopoldina
Continuando
pela Figueira da Foz, o Capitão Marcela,
como era mais conhecido, e ao serviço da Lusitânia, mais uma vez, chegou a
altura de mudar o estrafego (aprestos)
para o convés do Luzitânia III. Este
lugre de madeira construído por José da Silva Lapa, em Vila Nova de Gaia, em
1918, cessou a sua actividade em 1945, exactamente na terceira safra em que o
nosso capitão por lá se manteve – de 1942 a 1945. Foi um dos primeiros navios a
instalar motor propulsor, para a campanha de 1932. Teve como imediatos, António
Mesquita Ribeiro, da Figueira da Foz (1943 e 44) e o ilhavense António de Morais
Pascoal, em 1945, em início de carreira.
Naquela
altura, demandar o porto da Figueira era uma aventura… então, o Luzitânia, no regresso da viagem de
1945, ao fazer-se à barra, a reboque do vapor
Setúbal, encalhou. Conseguindo
safar-se, voltou a encalhar, num banco de areia, em frente ao Mercado
Municipal. O próprio rebocador Setúbal também «sonhou o fundo» e bateu
com a quilha na areia, avariando o leme e o hélice. O Luzitânia teve que ser aliviado, abrindo-se-lhe também um canal,
fazendo escavações dia e noite, durante os períodos do baixa-mar.
Mesmo
à boca da barra e na ansiedade do retorno ao seio da família, estes achaques
esperavam os nossos homens do mar. Quem diria!...
Chegou
o ano de 1946 e até 49, Carlos Parracho comandou o navio Bissaya Barreto. Este, construído também para a Lusitânia Companhia
Portuguesa de Pesca, Lda., por Benjamim Mónica, na Figueira da Foz, em 1943, foi
o primeiro navio-motor de pesca à
linha construído de madeira. A ele voltaremos.
Navio-motor
Bissaya Barreto, na Figueira da Foz…
Durante
estas quatro safras, sem muito de especial a referir, realçando sempre a dureza
da vida do mar em tais condições, teve como imediatos, os ilhavenses João André
Alão, de alcunha, o Rigueira (1946 e
47), Paulo de Oliveira Bagão (1948) e Amândio Fernandes Matias, de alcunha, o Parracá (1949).
Chegado
a metade do século, na safra de 1950, o «nosso capitão» comandou o navio-motor, de madeira, Cova da Iria. Ex-Vilas Boas, foi construído para a Parceria Marítima do Douro, por
José Mónica, nos estaleiros da Afurada, em 1944. Adquirido pelo armador João
Maria Vilarinho, participou na campanha de 1949. Este ano de 50 trouxe muito
que contar a Carlos Parracho, que naufragara, com água aberta, no dito Cova da Iria, em viagem da Groenlândia
para Portugal, por se lhe ter partido o leme sob violento temporal.
Em
imprensa da época, colhi alguns destes dados. Na viagem da Groenlândia para
Portugal, em inícios de Setembro, a tripulação vinha toda satisfeita, com uma
boa pescaria de 14.000 quintais. Não contava com um valente temporal que, a
setecentas milhas dos Açores, tivera que enfrentar. Logo de início, partiu o
leme, que, por ordens do capitão, foi substituído por uma esparrela (leme improvisado). Também não durou muito e, violentamente,
foi espatifado. Capitão, imediato, Francisco António Bichão, de alcunha, o Saltão, e o contramestre, então ferido,
iam morrendo. Com o ímpeto do temporal, o navio, desgovernado, atravessou-se e
ficou à mercê do vento e do mar. Assim que o capitão deu ordem aos tripulantes
para arriarem os botes e neles se fazerem transportar para o Inácio Cunha, aqueles 78 homens
trataram de abandonar o Cova da Iria,
manobra delicada e de muito risco, devido ao estado do mar, e que teve de ser
feita com toda a prudência. À medida que os dóris se iam afastando, o capitão,
agarrado à amurada, ia contando os seus homens, não fosse algum ficar por lá,
atordoado. Depois, ordenou aos principais da equipagem e, conforme o regulamento
internacional, que acelerassem o afundamento do navio, incendiando-o.
O
mar, dominando o Cova da Iria,
galgava-o já por todos os lados, impossibilitando o comandante de sair da
ponte. Então o Capitão Marcela, sobre
a ponte de comando ao ver-se sem bote, não hesitou e lançou-se à água. Os
homens dos botes, ao avistarem-no, remaram em seu auxílio e conseguiram
agarrá-lo, quando as forças já lhe faltavam.
O
Capitão do Inácio Cunha, João dos
Santos Labrincha, assim que o seu camarada se aproximou da borda do seu navio, foi
ampará-lo, conduzindo-o ao camarote, enquanto os outros náufragos foram confortados
pelos outros membros da companha do Inácio
Cunha, partilhando os seus beliches.
O
navio salvador chegou no final de Setembro ao porto de Leixões com os náufragos
do Cova da Iria (existe uma foto comprovativa
desta chegada), tendo tido uma calorosa e emocionante recepção da parte dos familiares,
autoridades, armadores e entidades relacionadas com o navio.
O
jornal O Ilhavense do primeiro de
Dezembro de 1991, pela pena de Fernando Parracho, recorda este naufrágio, ao
mais minucioso pormenor.
Navio-motor
Cova da Iria
Mas,
nem tamanho susto fez com que o Cap. Parracho suspendesse alguma viagem. Na
safra de 1951, já estava a postos para comandar o Groenlândia.
Ex-Viana, ex-lugre-escuna Groenlândia,
foi reconstruído para Armazéns José Luís da Costa & Ca. Lda., nos
Estaleiros de António Mónica, na Gafanha da Nazaré, em 1940.
Durante
os quatro anos que o comandou, de 1951 a 54, teve como imediatos Manuel Joaquim
Pinto, de Aveiro (51), Cesário Augusto Fernandes da Cruz (52) da Gafanha da
Encarnação, João André Alão (53),de alcunha, o Rigueira, de Ílhavo e Vital Grandvaux Barbosa, de Lisboa.
Que belo exemplar de bacalhau!...
E
em 1955, transferiu-se, numa «nova emposta» para o navio-motor de madeira, Paraíso.
E que navio vem a ser este? O Bissaya
Barreto, que o nosso capitão já comandara, quando procedia a reparações no
Douro, fora destruído por um incêndio, em Janeiro de 1950. Entretanto,
reconstruído para a Empresa de Pesca de Portugal, de Ílhavo, em 1955, por José
Gomes Martins (o Viola), na Gafanha
da Nazaré, cá o temos de volta aos bancos, apelidado de Paraíso, com o capitão Marcela,
no seu comando, tendo levado como imediato, Belarmino Ascenção de Oliveira,
residente em Ílhavo.
Navio-motor
Paraíso
E
em 1956? Comandou o navio-motor Rio Antuã, ex-Bissaya Barreto, ex-Paraiso,
que, em 1956, passou a pertencer à Empresa de Pesca de Aveiro, com o nome de Rio Antuã. Como imediato, continuou com
Belarmino Ascenção de Oliveira, seu imediato, na viagem anterior.
E,
a nível da oficialidade, na safra de 1957, foi seu imediato Carlos Augusto
Correia Nóbrega da Silva, de Aveiro e, piloto, Aníbal Carlos da Rocha Parracho,
seu filho mais velho, que acima referimos como o nosso guia para a elaboração
deste trabalho – encontro de gerações, frequente em Ílhavo.
Durante
mais 3 anos, de 1958 a 60, pai e filho ocuparam os dois lugares de topo, no
navio Rio Antuã.
Cap. Carlos Parracho, a bordo…
E,
na campanha de 1961, mais uma «emposta», já quase com sessenta anos, desta vez,
para o lugre-motor Adélia Maria, onde já navegaram outros
oficiais com quem tive uma ligação muito próxima.
E
aí fez cinco viagens, até 1965, tendo sido seu imediato, sempre, um seu outro
filho, António Manuel da Rocha Fernandes Parracho, já falecido. Na última
viagem, de 65, maleitas do coração atormentaram-no e, por ordem do médico do
Gil Eannes, esteve mais «recolhido»,
ficando o seu filho mais à frente das preocupações do navio e da pesca. E assim
deixou definitivamente o mar, após uma longa carreira, tendo-se aposentado em
Janeiro de 1972.
O lugre com motor, de madeira, com quatro mastros, Adélia Maria, da praça de Aveiro, foi
mandado construir para o armador José Maria Vilarinho, por João Bolais Mónica,
na Gafanha da Nazaré, em 1948.
Lugre-motor
Adélia Maria, na Groenlândia
Mesmo
com problemas de coração, ainda viveu bastantes anos no nosso Ílhavo,
saboreando uma merecida aposentação. Frequentava assiduamente o Sindicato dos
Oficiais, no segundo andar do edifício do Illiabum Clube, onde, com diversos
colegas e amigos, jogava cartas e conversava sobre a evolução da vida do mar.
«Partiu», descansado, e com o sentimento do dever cumprido, em 23 de Janeiro de
1993, com 89 anos.
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Imagens
amavelmente cedidas pelo filho Aníbal Parracho.
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Ílhavo,
19 de Dezembro de 2017
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Ana Maria Lopes
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1 comentário:
Obrigado, por mais uma das "suas" biografias, esta para mim muito importante,o meu pai (felizmente ainda entre nós) foi o 3º Motorista nas campanhas de 1961;62 e 63. já lhe tinha perguntado várias vezes quem era o Capitão do navio, mas apenas se recordava qe o Capitão era pai do Emediato,finalmente a Sra. Dra. esclareceume.
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