domingo, 20 de julho de 2014

Uma janela para o sal - XVIII

-
O barco que parte
-
O barco parte, e para trás, fica uma safra...
Essa barca de sal abençoada ruma agora em direcção ao cais, onde atracam outras tais, para tão ansiada largada.
A viagem tem início. Haja vento favorável, mãos hábeis para a manobra e este ser de rudes tábuas deslizará, decidido, sobre as águas.
-
 
Entre o pregueado do pano e o entrelaçado dos cabos, desbravando o complexo aparelho, prepara o barqueiro o içar da vela.
Tem pressa de partir.
Sai com a maré, que o vento está de feição… 


 -
Ei-lo que parte!
Essa barca de pouco calado, carregada até às «aferas», arrasta precioso lastro.
Sulcando e marulhando as águas da laguna, possantemente, navega segura, às mãos do seu comandante.
Este, emproado e firme no manejo, monta o dorso do seu corcel, tomando-lhe as rédeas com saber.
Da proa à popa, ele governa os 18 metros de tabuado, à sirga, com tira-vira. Assim, liberto do leme, solta-se para outras manobras. E não são poucas... essas águas não dão tréguas. Haja maré!
São barcos, são barqueiros que navegam sem medo. Cruzam-se com outras gentes e entes, passam pontes, comportas...
Sempre atentos à maré, rumam ao encontro da ria aberta.

 
São registos, são recortes de gente crente.
O barqueiro que voga pela Ria projecta o olhar na lonjura, prevendo o seu destino, ora certo, ora incerto, mas sem nunca perder o rumo. Tem pressa, leva frete.
Sob céu limpo e sol intenso, a contra-luz, dominam as silhuetas que se destacam pela sua firmeza – homem, barco e ave.
São seres alados, que ali plasmados sobre fundo azulão, parecem voar até ao infinito…Ambicionada pretensão, a da liberdade.
Congela-se o momento, mas o tempo, esse, perdura na memória…
 
 
O majestoso saleiro, que agita e revolta as águas à sua passagem.
Rasga com a sua ossada de tábuas o caminho, deixando para trás um profundo sulco negro, descrito em esteira de espuma, que suavemente se vai dissipando…
É grande o encantamento!
Sereno, ruma ao seu destino. Entre a  incerteza do caminho espera-o a certeza do seu poiso…
-
Imagens | Paulo Godinho | Anos 80
-
01| 04 | 2014
-
Texto | Etelvina Almeida |Ana Maria Lopes
-

2 comentários:

Anónimo disse...

Se bem compreendi o (excelente...)texto,"sirga" seria o "cabo",de "ida-e-volta"lançado dos dois "lados" do leme até a um "moitão" (?)preso à bica da proa,e que permitia,além da situação descrita no texto,comandar o leme quando se navegava "à vara",ou por ausência de vento,ou (calculo...)quando se percorria um canal estreito e não se podia "bolinar"...Na juventude (ignorante,nem sabia o que era "amuras a bombordo",como fui uma vez interpelado por um rapazola, timoneiro de "Optimist"...)julgava que "ir à sirga" era "ir de tôa",ou seja,puxado,de terra,por um ou 2 cabos,como,por exemplo,os "barcos rabelos",nos rápidos onde morreu o Barão de Forrester,ou quando,simplesmente,não havia vento favorável para subir o Douro...
Sempre a aprender!...Cumprimentos,"kyaskyas"

Ana Maria Lopes disse...

Obrigada, caro conterrâneo, pelo seu comentário. Cumprimentos