Há dias, o amigo João Reinaldo, depois da procissão do Senhor Jesus dos Navegantes, confidenciou-me que tinha uma questão a pôr-me, relativamente à Bandeira dos Oficiais, porque haviam constatado que a insígnia estava algo danificada e que necessitaria de restauro.
Depois de nos informarmos acerca da peça (de que se revelou haver duas), uma mais antiga que a actual, observámo-las, para propor um possível restauro aos Amigos do Museu, cuja intenção seria participada à Unidade Directiva da instituição museológica.
Após a sua observação, começámos imediatamente por concluir que não seria uma, a original, e outra, a réplica, porque, embora os motivos bordados fossem os mesmos, os dizeres diferiam.
A primeira, cujo navio, à popa, desfraldava uma pequena bandeira monárquica, referia:
CLASSE MARÍTIMA
ILHAVENSE
A segunda, cuja bandeira, à popa do navio, já era republicana, rezava:
ASSOCIAÇÃO DOS OFICIAIS DA MARINHA MERCANTE
ÍHAVO – 1921 – 1926
A partir daqui, muitas dúvidas se puseram: o nosso amigo Vitorino Ramalheira, o menos jovem dos presentes, disse lembrar-se de ir a uma sede da tal Associação, pela mão do seu Pai, ali pela Praça da República.
Entretanto, em local, a meu ver, não muito adequado para conversas sobre bandeiras, em despedida de um colega Oficial à sua última morada, encontraram-se alguns dos mais velhos oficiais da nossa praça.
Chegaram-me alguns recados não muito elucidativos sobre o assunto, mas eu é que não descansei mais, no sentido de me informar melhor.
A origem da bandeira, por agora, passou a interessar-me bastante mais que o seu restauro.
Data de 1921, que fazer? Se coincide exactamente com o ano da criação do Jornal O Ilhavense, toca de começar a percorrê-lo (nesta época, há algumas faltas de números), pelo menos durante essa meia dúzia de anos.
A história – logo nos primeiros nºs entre 1922 e 23 – confirmou a existência de uma Associação de Oficiais da Marinha Mercante, em Ílhavo, fundada a 1 de Janeiro de 1921, com sede provisória no salão do «Club dos Novos». Fiquei a saber quem foi constituindo a sua Direcção e Assembleia Geral, bem como os assuntos pelos quais mais se interessava – a necessidade de um navio-hospital que acompanhasse a frota, proposta da criação da Escola Náutica, cumprimento da lei no que concerne a matrículas, etc.
Qual não foi o meu espanto, quando, ao chegar a casa me deu para teclar a referência em causa na Internet e me apareceram cerca de 70 páginas, em PDF, dignas de crédito, pois eram constituídas por documentação legal, vários Estatutos que se foram reformulando uns aos outros, uma acta e o rol dos 152 sócios, quase todos nomes que nos são familiares.
(Sic) São, então, aprovados os estatutos de uma nova associação de classe (é porque houve uma anterior, como indicia a existência da bandeira mais antiga), a constituir em Ílhavo, sob a denominação de Associação de Classe dos Oficiais da Marinha Mercante Portugueza.
Em acta da Assembleia Geral de 23 de Janeiro de 1927 (via Internet), num dos últimos pontos, é tratado o assunto da bandeira:
(Sic) A «Bandeira Marítima», por costume estabelecido entre os marítimos de Ílhavo, vai, todos os anos, na procissão do Senhor Jesus dos Navegantes. Essa bandeira vai ser substituída por uma nova da Associação.
Estaria esclarecida a questão da existência das duas bandeiras e a origem, pelo menos da segunda.
E quem a teria bordado? Leonilde da Velha, hábil neste tipo de labores? Seria uma hipótese, divulgada em desdobrável de uma exposição de trabalhos desta hábil Artista, em Abril de 1992, a meu ver, não muito viável.
Nota – Nem sempre os dados nos surgem quando os procuramos e, há uns dias, tive acesso ao Livro de Actas da AOMMI, aberto em 26 de Dezembro de 1920, para tal fim.
Antes da reunião da fundação (1921), já citada, houve uma reunião preparatória em 6 de Dezembro de 1920, no salão do «Club dos Novos», donde saiu a constituição de uma Comissão instaladora. Segundo os associados, esta AOMMI deveria ser independente, embora intimamente ligada à Liga de Oficiais da Marinha Mercante de Lisboa.
Numa tarde outonal de um domingo já frescote, fui perpassando os olhos pelo tal Livro de Actas, e constatei:
– (…) que só cerca de um ano mais tarde, a sede da Associação se transferiu do salão do «Club dos Novos» para um prédio alugado ao Senhor António Dias Afonso, na Praça da República, junto ao prédio pertencente ao Senhor Joaquim Machado (acta de 31 de Janeiro de 1921).
– (…) que a Direcção mandasse fazer uma bandeira de gala, própria, em vez de chamar a si a bandeira marítima que existe nesta vila ( acta de 8 de Fevereiro de 1921).
– (…) que a bandeira de gala tem um regulamento com onze esmiunçados artigos (acta de 8 de Dezembro de 1926).
– (…) que José de Oliveira da Maia Alcoforado ofereceu umas fitas da cor da Bandeira Nacional para a bandeira de gala da colectividade ( acta de 18 de Dezembro de 1932).
Esta é a última acta registada neste Livro de Actas, tendo restado ainda algumas folhas em branco.
(Cont).
Fotografias – Da autora do blog
Ílhavo, 13 de Novembro de 2011
Ana Maria Lopes
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3 comentários:
Obrigado por ter atendido o meu apelo e pelo seu valioso e meritório empenho na descoberta e divulgação da verdadeira história das Bandeiras dos Oficiais de Ílhavo.
Fico ansiosamente a aguardar mais revelações na continuação anunciada.
Bem haja
João Reinaldo
Sempre fascinantes, estes assuntos do Mar...
Muito obrigado pela partilha de conhecimentos.
Luís Miguel Correia
Quando publicou este "post",tentei publicar um "aditamento",que me pareceu interessante para os ilhavenses,embora não tratando da bandeira do I.Clube.
É que foi a D.Leonilde da Velha que BORDOU a bandeira dos EUA que,pelas mãos de Neil Armstrong(o 1ºhomem a pisar solo lunar...)foi desfraldada na lua.Evento registado abundantemente...
Caberá este facto nos "comentários"ao seu "post"?...
Cumprimentos,"kyaskyas".
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