Quando pretendo explorar um assunto e ele se vai esclarecendo, se lhe vão juntando pequenos dados, tudo caminha no mesmo sentido – é como que uma tragédia grega que atinge o seu clímax.
O processo, neste caso, não é bem o mesmo, porque desde que me lembro, comecei a ouvir falar do Titanic, em casa dos meus avós maternos, a propósito, de umas simples, mas fortes e sóbrias colheres de sopa, de prata, com uma estrela relevada, na extremidade do cabo, logotipo da White Star Line. Estas colheres faziam parte de um dos faqueiros do luxuoso Titanic. Como, porquê e a que propósito?
Colheres de prata do Titanic?...
Aqueles dados foram-se avolumando na minha cabeça, até porque o meu Pai, de vocação nada marítima, manifestava um certo endeusamento pelo Titanic, o maior vapor da época, o mais luxuoso, o”inafundável”, como diziam, que chegou a desafiar os desígnios de Deus, acabando por naufragar num acidente fatídico, ao colidir, na sua viagem inaugural, com um gigantesco iceberg, na noite de 14 de Abril de 1912, sem que a orquestra nunca tivesse parado de tocar, para não aumentar o pânico entre os passageiros.
Em 1958, a história do Titanic encheu os ecrãs do cinema com o film”A Night to Remember”, com Kenneth More, no principal papel. A preto e branco, transmitia-nos todo o drama por que aquela gente passara, a maioria, sem retorno. Ainda muito jovem, vi-o no Teatro Aveirense, mas aí, então, não pensava muito nas colheres com as quais convivia.
Ainda adolescente, era-me contado que aquelas colheres tinham sido encontradas nos restos de um riquíssimo aparador, só com uma gaveta, com a inscrição TITANIC. Não nos esqueçamos, pois, de confrontar datas e percursos. De Abril a Setembro era a altura do ano em que os lugres bacalhoeiros faziam, parcialmente, uma rota idêntica à do Titanic, que, ao sair, na sua viagem inaugural, de 1912, em 10 de Abril, de Southampton para Nova Iorque, via Cherbourg e Queenstown, naufragara em 14 de Abril, às 11.40 p. m.
Postal naïf do naufrágio
Tal “cómoda” teria sido “pescada”, de bordo de algum lugre bacalhoeiro, por pessoa amiga ou aparentada do meu Avô, que havia distribuído parte do faqueiro por algumas, poucas, famílias ilhavenses.
Era o que a tradição oral ia revelando e lá que tinha alguma lógica, tinha. E, se para experimentar a sensação, um belo dia, puséssemos uma mesa requintada com as presumíveis colheres, para saborearmos a sopa, Avó e netos, imaginando-nos passageiros, de 1ª classe, do tal mítico Titanic, no mundo do faz-de-conta?
Os anos foram passando, sem nada de especial referente ao assunto, a não ser algumas notícias relativas a sobreviventes ainda “vivas” do naufrágio.
E o trazer agora à cena o assunto do Titanic, se bem que estivesse “em agenda”, ocorreu, porque li, há uns meses (18.10.2008), a notícia de que Millvina Dean, de 96 anos, a última “sobrevivente” do Titanic, ainda viva, anunciou que ia leiloar todos os objectos que tinha, da época, para poder pagar o lar de terceira idade onde habita.
Dean tinha apenas dois meses quando seguiu a bordo do famoso navio, ao colo da mãe, tendo revelado que não tinha memória do sucedido e assim teria preferido ficar, do que ter visto o blockbuster de 1997 "Titanic”. Millvina é actualmente a única sobrevivente do Titanic, depois da morte da sua compatriota, Barbara Joyce Dainton, há dois anos (2007).
(Cont.)
Fotografias – Arquivo pessoal da autora e de Reimar
Ílhavo, 1 de Fevereiro de 2009
Ana Maria Lopes