quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

O Primeiro Navegante




Em Agosto, prometi voltar a este navio e cá estou. Sempre que encontro novas imagens do naufrágio, a motivação aumenta.

O lugre, de madeira e quatro mastros, com potente motor Diesel de 425 HP, foi construído na Gafanha da Nazaré por Manuel Maria Bolais Mónica para a Empresa Ribaus & Vilarinhos, Lda.
Lugre sólido e elegante, media 44,17 metros de comprimento, entre perpendiculares, 10,13 m. de boca e 5,13 de pontal; tinha uma tonelagem bruta de 482,77 toneladas e líquida, de 329,23, capacidade para 12 000 quintais de bacalhau e albergava uma tripulação de 56 homens e 53 dóris.


O Primeiro Navegante



Curiosamente, o seu bota-abaixo aconteceu pelos fins de Abril de 1940, num domingo, coincidindo exactamente com o seu congénere, de três mastros, Dom Deniz.
Imediatamente após o corte da bimbarra e o tradicional baptismo, pela menina Eneida Souto, filha de Alberto Souto, o Primeiro Navegante começou logo a deslizar, rasgando as águas da ria, triunfal e airoso.

Se a Gafanha da Nazaré, em dia de bota-abaixo, era sempre aquele dia festivo que já descrevi noutros registos, imaginemos o que não teria sido com um duplo lançamento de unidades bacalhoeiras. Certamente, com toda a frota embandeirada em arco, alegria redobrada, muita ansiedade, muita emoção, muita gente, muito discurso, muita aclamação, muito ressoar de foguetes e de silvos de embarcações.


Depois de seis “normais” viagens, debaixo dos costumados perigos, sob o comando de João Maria Vilarinho (1940 a 1942 e 1945), José Simões Ré (1943), José Maria Vilarinho (1944), chegou o regresso fatídico de 1946, de novo com José Maria Vilarinho, segundo informação das fichas do GANPB. Também zoou, na altura, que o irmão João poderá ter feito apenas a viagem de Leixões para cá.

Prestes a encalhar…


A 14 de Outubro, o Primeiro Navegante entrara em Leixões, para aliviar 3 000 quintais de peixe, tendo voltado a sair, para se fazer à nossa barra. Tinha o destino marcado. Não há que fugir.

No dia 24 do referido mês, perante um cais apinhado de gente para assistir ao sempre emocionante espectáculo da entrada, pairavam também, lá fora, o Lousado, o Navegante II, o Ilhavense II, o Santa Mafalda, o Maria das Flores, o António Ribau e o Viriato. Vinha o Maria das Flores, a entrar, rebocado pelo “Marialva”, quando o “Vouga” lançou o cabo ao Primeiro Navegante, iniciando o caminho já percorrido com os outros navios. Em frente à Meia Laranja, alterosas e repetidas vagas conjugadas com violentas rajadas de vento, encheram todo o poço do navio, que desgovernou e tomou proa ao sul, sendo impelido para cima da coroa ali existente, apesar de todos os esforços do rebocador “Vouga”. Também o “Marialva” veio em auxílio do lugre, perante o perigo iminente que ele corria, mas os seus esforços também foram em vão.

Embora com dois ferros no fundo e o motor a trabalhar com toda a força, segundos depois, o Primeiro Navegante, batido pelo mar e pelo vento, varava na praia em frente ao “nosso” Farol.


Irremediável naufrágio


Terá sido indescritível o momento de aflição e angústia, acorrendo ao local toda a gente, em altos gritos. Só quando houve a certeza de que a tripulação estaria salva, é que o ambiente serenou um pouco.

Durante as marés baixas, foram-se salvando os haveres, apetrechos e a carga possível. Até parece – quem sabe, sabe – que o motor foi reaproveitado para o Adélia Maria (seria segredo?).

Durante uns tempos, como hoje, sempre que soa a tragédia, a gente das redondezas acorreu, em romaria, para ver, “claramente visto”, o que o mar consegue fazer.

Desta vez, vão aparecendo alguns testemunhos fotográficos reveladores e aquele donairoso lugre de quatro mastros foi servindo de repasto ao mar, que o desmantelou, destruiu e destroçou, acabando por o devorar na totalidade.


Últimos destroços…



Foram já alguns, os navios que se perderam naquele fatídico local, de que vou dando conta, sempre que encontro dados suficientes e rigorosos.

Fotografias – Arquivo pessoal da autora e de Reimar

Ílhavo, 26 de Fevereiro de 2009

Ana Maria Lopes

4 comentários:

  1. Boa noite.

    Sem dúvida arrepiante, não só para quem o presenciou carregado de homens a bordo mas também a última foto já com o navio desfeito, a lembrar uma carcassa de um qualquer leviatã marinho dado à praia. "Flotsam & Jetsam", como lhes chamavam os antigos Islandeses (desde o séc. IX) aos cetáceos que davam às praias e os aproveitavam para vários fins.
    A foto do navio na praia é uma das melhores que já vi sobre bacalhoeiros e merece moldura, numa parede. São duas serpentes dragonadas pintadas à proa? Os motivos com os quais estes lindos lugres eram adornados são "detalhes" sobre os quais há muito pouca informação. Embora com influências Norte-Americanas, a ver se um dia a Drª nos pode dizer um pouco mais sobre estas pinturas.

    Sempre em agradecimento à autora deste blogue, que nos presenteia com tais memórias, atentamente,

    www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt

    ResponderEliminar
  2. Sempre trágico assistir-se em directo a um naufrágio. O mais dramático da nossa história moderna vitimou o paquete a vapor PORTO à entrada da barra do Douro.

    ResponderEliminar
  3. Más que infelicidade na altura ,um lindo veleiro com motor ,encalhar a entrada de Aveiro e, como não foi pussivel salvar o dito Navegante ?que pela foto éra igual ao Dom Diniz ,más como dis a Dra Ana Maria outros encalhes aconteçeram ,então as causas éram mais as correntes da Ria e ainda hoje temos ém Aveiro essas contrariedades das correntes da barra de Aveiro ,que com a vazante manda respeito ,e eu sei daquilo que falo !Más hoje com as evoluções das coisas ,já é mais fácil entrar e sair a barra de Aveiro e Bem Haja as melhores condições e aroveitamentos para todos .Um abraço para todos e um bem haja DRA ANA MARIA .Saúdações Maritimas .J.Pontes

    ResponderEliminar
  4. Boa Tarde,

    Graças a este excelente blog que sigo com toda a atenção descobri, julgo eu, algo interessante.

    Em conversa com a minha Avó ela contou-me que o seu pai foi sócio da empresa de pesca e que um dos lugres da empresa tinha afundado perto da barra. Foi com grande interesse que decidi partir à descoberta, como é hábito meu.

    Depois de alguns minutos no google encontrei este post no seu blog e fiquei intrigado, será este? Será a empresa a Ribaus & Vilarinho?

    Ora não sabendo se este facto é totalmente verdadeiro, parti do pressuposto que mais valia tirar a história a limpo do que ficar na dúvida para.

    Tendo em conta o seu excelente conhecimento por esta arte será que me poderá ajudar, ou orientar?

    Ficava desde já agradecido.

    ResponderEliminar