O barco que chega…
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Depois de tanta feitura e mimo de lamas e de águas
moiras, eis que o oiro branco reluz ao sol, amontoado pelas eiras. Chega a hora do adeus e...
negócios feitos, o barco chega. É o «mercantel», saleiro de nome, por sal transportar.
É ao romper do dia que se soltam as amarras...Homens ágeis nas manobras
projectam os seus gestos pelo canal, anunciando um alvorecer agitado. É dia de
trabalho, o sal espera-os...
São barqueiros, corados pelo sol
e curtidos pela dureza da faina na ria.
Já hábeis desde tenra idade, sabiamente governam o possante barco de forma
magistral pelas estreitas veredas da laguna.
De olhar atento e corpo activo, eles equilibram-se, correndo pela proa e
pelos bordos embreados. Sempre em maneios, a gingar de vida... têm pressa.
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Ei-los que partem!
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Às portas da cidade, paciente, o barqueiro
espera...
Comportas abrem e fecham. Vez à vez, despacham-se homens e barcos. A ria lá
fora aguarda-os.
O sal já luz na eira da marinha,
na Cale da Veia...ofuscando os olhos mais sensíveis
Mas é este saleiro, de traço
rude, que empavona a sua gente quando o sol o beija pela manhã.
O tabuado grotesco assente por sábias mãos gera uma forma de rara beleza.
A sua decoração tradicional sai do punho do homem da laguna.
Por fora, no costado, leves apontamentos florais dão um ar da sua graça.
Mas é no interior que mais sobressai a sua beleza.
As suas pinturas e desenhos são sóbrios e inocentes, ou, algures, mais
elaborados - de formas geométricas, com traçado rigoroso ou orgânico e até
expressivo.
Transporta apontamentos de cores fortes, insinuantes e arrojadas que
preenchem motivos simbólicos e comunicam vivências, pensares e sentires.
Não passa indiferente a decoração – tem presença o barco!
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Lançado de proa, abica-se para o céu e avança pelas
águas, firme, imponente e em pose de «gente» que sabe para onde vai.
Possante e veloz, lá desliza ele, vazio de trabalho,
ainda.
De vela içada e aprumada ao vento, aproveita a boleia da
Natureza. «Calcorreando» toda a laguna, de lés a lés, a barcaça procura o sal
que lhe há-de temperar o grosso cavername,
até a carga aferir....
Mercantel ou saleiro de
grande porte e forte, está sempre pronto para toda a arte e faina na
laguna...queira o homem trabalhar.
Cale da Veia – o barco chega ao seu destino
Abicando-o ao monte, o barqueiro finca com força e destreza a vara no muro da marinha,
aproximando-o...
Os seus músculos retesam a cada movimento – já cansado e
escravizado pela vara calejadora, que lhe rói o peito, o barqueiro atraca ali
mesmo o barco, onde o sal os espera.
Os trabalhos começam cedinho. Vai-se dar a tirada do sal!
São homens valentes, de vontades feitas à vida...!
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Imagens | Paulo Godinho | Anos 80
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25| 02 | 2014
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Texto | Etelvina Almeida |Ana Maria Lopes
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