Dirão:
– mas será que «ela» ainda não se calou com os talheres do Titanic?
Já
estavam adormecidos e recatados, mas, neste caso, vieram desafiar-me a mim e a
eles. E, quando a participação me entusiasma, singela que seja, não a recuso.
E, aceitei-a com entusiasmo.
Partiu
de Paulo Trincão, na altura, Professor da UA., que tinha em mãos um projecto
financiado pelo programa COMPETE-QREN, que tinha a
ver com a acção «Biodiversidade nos Supermercados».
Escrever
um livro tendo como público-alvo crianças dos 4 aos 8 anos, com o objectivo de as
levar a aceitar uma alimentação saudável, fazia parte do projecto.
E
neste caso, a história dos talheres do Titanic, os da «estrelinha» no cabo,
ajudariam com a sua magia a convencer a menina, a comer peixinho cozido
acompanhado de batata e couve-flor. E enloilada pela história, o prato ficou
rapadinho e muitos conceitos apreendidos.
E
onde entro eu? – exactamente no final. Os autores deste livro infantil, Paulo
Trincão (texto) e Cristiana Sampaio (ilustração) vieram a saber que uma das donas
de colheres do Titanic era uma pessoa conhecida e amiga.
O
Prof. Paulo Trincão também quis quebrar a tal magia, ver as colheres,
fotografá-las e pedir-me se eu contava em linguagem infantil, tudo quanto sabia
acerca delas e o que tinha feito mais para as tentar identificar. E mais uma
vez, a história aqui vai, um pouco mais ficcionada, visto que se destina ao nível
etário em causa.
Noite de consoada
do Natal de 2012…
Em redor da mesa, familiares reunidos, aquecidos
pelo calor humano e pela fogueiraça, que reluzia, crepitando, na lareira. Três
gerações em volta da mesa. Dos mais velhos às crianças.
Ia ser servida a canja, quando a minha netinha de
nove anos, a Beatriz, me retorquiu:
–
Ó Avó, não tens talhares do Titanic?
Vimos-te, há tempos, na televisão com eles… e também já os conhecíamos.
Podíamos comer a sopinha com as colheres da estrelinha, as do Titanic…
–
Ó querida, tenho sim e gosto muito delas, mas, agora, a Avó já não as tem, ali,
na vitrina, e estão longe, num cofre-forte, guardadas. Vamos marcar isso para a
próxima vez.
O Jorge, o irmão mais velho, para «picar» a irmã,
interveio:
–
Ah, eu já comi sopa com a Avó com as colheres do Titanic.
E assim tinha acontecido.
–
Mas havemos todos de saborear esse momento, noutro dia. Está bem?
Os talheres mágicos, salvados do Titanic,
também a mim me encantaram e seduziram toda a vida.
Existem nesta casa, desde que me lembro, seis
colheres sóbrias e pesadas, de prata, com a estrela relevada, no cabo, logotipo
da WSL, companhia a que o Tinanic pertenceu. Desde sempre o meu
Avô me contou a história deles, repetida mais tarde pela minha Avó, após a sua
partida.
O Titanic,
paquete colossal e luxuoso, naufragara contra um malvado e gélido iceberg, na sua viagem inaugural, quando
saiu de Southampton (Reino Unido) em direcção a Nova Iorque, na madrugada do
fatídico dia 14 de Abril de 1912.
Por essa altura, costumavam os veleiros portugueses
da pesca do bacalhau partir dos diversos portos que os apetrechavam, em
direcção aos Grandes Bancos, de onde voltavam por meados de Setembro a
Novembro. Ora, consta que, em Ílhavo, algumas famílias possuem talheres
provenientes do Titanic, mas todos
com a mesma origem. E o que nos dizia a tradição?
Na primavera de 1912, ao dirigirem-se para a pesca,
pescadores do lugre Trombetas, da
praça da Figueira da Foz, «pescaram»
uma cómoda que boiava, mais ou menos no sítio, um pouco mais a norte, onde
tinha naufragado o luxuoso paquete. Era seu capitão, à época, o ilhavense João
Francisco Grilo, de alcunha, Frade, casado com a irmã Rosário da minha bisavó,
a «arraisa» Joana Caloa. Nesse mesmo ano, o meu Avô, Manuel Simões da Barbeira,
mais conhecido por Capitão Pisco, sobrinho e afilhado do achador, capitaneara o lugre Golfinho, também da mesma praça da
Figueira da Foz. Entraram essa barra, ambos, a 27 de Outubro de 1912, testemunha o jornal «A Voz da Justiça», da
Figueira da Foz.
O capitão, à chegada, deu contas do achado ao seu armador, da Lusitânia
Companhia Portuguesa de Pesca, mas, talvez, tendo este ficado com alguns
talheres, não deu grande importância ao assunto e aconselhou o Capitão Frade a
trazê-los para Ílhavo, ficar com alguns e distribuir os restantes por
familiares e amigos. Foi esta a origem das minhas, hoje, seis colheres de
prata, com a estrela relevada da WSL.
Esta história mítica, mas «com pernas para andar»,
porque as coincidências e probabilidades são mais que muitas, manteve-se
dezenas de anos no seio destas famílias ilhavenses que não gostavam muito de
falar do assunto – fui constatando.
Nos anos oitenta (1985), a descoberta e localização
dos despojos do Titanic, no fundo do
mar, e as diversas explorações subsequentes, trouxeram de novo «o navio ao de
cima».
Também o grandioso filme, em 1997, Titanic, empolgou os espectadores e fez
dos actores Leonardo di Caprio e de Kate Winselet, um par romântico do cinema,
bem como a música, que enleva e inebria.
O interesse pelas colheres mágicas ressalta-me, e,
na qualidade de Directora do Museu Marítimo de Ílhavo, na década de noventa,
tinha gosto em certificar mais esta tradição. Eis que o National Maritime
Museum – Greenwich – Londres, em 1994, em grandes parangonas, anuncia a
exposição – The Wreck of Titanic. Sorvi a informação e pus-me lá, em dois
tempos. Mas, embora tenha apreciado muito, talheres iguais não eram
apresentados. Desconfiei…, mas, o peso da tradição ilhavense tinha mais força.
Dez anos após, o Mercado Ferreira Borges, no Porto,
exibiu uma exposição idêntica, que também não me elucidou completamente. Foi
preciso chegar a uma terceira exposição apresentada na Estação do Rossio, em
2009, em Lisboa, quando, ao visitar a secção de objectos de cozinha, da baixela
e faqueiros da sala de jantar, não me contive que não soltasse uma exclamação
de alegria e espanto. Disse para o meu neto, que me acompanhava.
–
Jorge, aqui estão talheres (eram vários) do Titanic iguaizinhos às colheres que temos lá em casa. Sorriu com um
brilho nos olhos. Pois, pudera, já tinha comido sopa com elas!!!!!!!!!
Constatei que o Catálogo desta exposição, que
guardo com carinho, tem fotografado o cabo de uma colher igualzinha às
referidas. Muito forte razão para o comprar de imediato.
-
Ílhavo, 30 de Novembro de 2013
-
Ana Maria
Lopes
-
Nota
– o livro, pelo menos esta edição, não é vendável. Imagino que seja divulgado
pelo Departamento de Biologia da UA, em acções formativas.
-
Ílhavo,
4 de Junho de 2014
-
Ana Maria Lopes
-
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