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No dia 8 de Agosto, abriu ao público o Centro de Religiosidade Marítima. Depois de ter conhecimento do seu percurso expositivo, de ler lido e visto algumas apreciações na imprensa escrita e televisiva (Programa Ecclesia, na RTP 2), só o pude visitar no princípio de Outubro. Expõe ao público um espólio valiosíssimo, com diversas origens. Na entrada, sobranceira à exposição temporária da colecção de santos de porcelana da Vista Alegre (a que já dediquei um “post” especial), como seu guardião, encontra-se a estátua monumental do “Homem do Gabão”, do escultor ilhavense Euclides Vaz, legada ao Município em 1991 e só agora exposta, depois de bem restaurada. Símbolo do pescador ilhavense, com o seu gabão de burel e grande fateixa ao ombro, parece ter um olhar vago, em direcção ao mar.
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Como,
em relativamente pouco espaço, nos é fornecida uma assombrosa quantidade de
peças e de informação, vou-me deter naquelas que me chamaram mais a atenção.
Os
objectos aqui presentes vieram da colecção do Museu Marítimo, alguns de
privados e a maioria, da Igreja paroquial de Ílhavo, principalmente os que não
estão a uso, provenientes da Capela das Almas de Ílhavo., demolida em 1910.
Ao cimo das escadas, a máquina do relógio da torre da Igreja com os seus pesos e o sino da ronda, que veio da Capela das Almas. Em contraposição, a bússola e bitácula de navio bacalhoeiro.
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Na sala contígua, domina um painel encomendado ao artista ilhavense Júlio Pires, que representa vários momentos da vida desta terra – tempestade no mar, mágoa das mulheres que ficam em terra, procissão do Senhor Jesus dos Navegantes. Muito colorido, preenche completamente o espaço.
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Começo
a ficar cansada e ainda há tanto para ver. Recordo os objectos que me chamaram
mais a atenção. Prometi a mim própria, visitar de novo o CRM, começando pelo
segundo andar para apreciar melhor as peças que já não foram devidamente
apreciadas.
A viagem ainda vai, agora, começar – “Ora bamos lá cum Deus”. Na parede da direita, a enxárcia executada com a prestimosa colaboração do Capitão Marques da Silva, com cabos, escadas e nós de marinharia específicos.
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Encantou-me um nanquim de João Carlos, a “Nau Catrineta”, que já conhecia bem, duas belas “carrancas”, a roda do leme do lugre “Senhora da Saúde”, que sempre me apaixonou.
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Passando
aos ex-votos, que testemunham a fé ilhavense e devoção ao Senhor dos
Navegantes, já ladearam o altar do Senhor Jesus, na nossa Igreja Matriz, já se
exibiram no Museu Marítimo de Ílhavo, até que voltaram à fonte (espólio da
Igreja Matriz). Podem ser pictóricos, jarras de porcelana ou prata, flores
artificiais em papel, tão características de Ílhavo, feitas por Jorgelina Vaz,
ou até de ouro. Também podiam ser partituras musicais, como as que estão
expostas, do compositor, João da Rocha Carola, escritas para missa dos
navegantes, em 1884.
O lugre “Navegante”, que vai sempre no andor do Senhor Jesus, em tempo de procissões, foi um ex-voto de Domingos Pena, executado, a bordo, em 1919.
Que
bem que conhecia, passaram-me pelas mãos, as bandeiras, bordadas a seda e a
ouro, oferta dos oficiais e dos marinheiros, expostas em móvel adaptado e
construído para o efeito, de modo a protegê-las da luz.
Bela
colecção de faixas igualmente bordadas e destaque para um nanquim do artista
João Carlos, auto-retrato, com a mulher, Silvina e o filho, em devoção ao
Senhor Jesus.
No acesso à sala dos tesouros, talvez porque já cansada, andei um pouco perdida. Mas, de repente, dei com ela. Destaco a extraordinária custódia renascentista de 1575, encomendada por D. Pedro de Castilho, então prior de Ílhavo.
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A direita, um retrato de D. Manuel Trindade Salgueiro, pintado por Rui Pedro Pacheco.
Nas
vitrinas que circundam a sala, vemos tesouros espirituais, objectos selecionados
de D. Manuel Trindade Salgueiro, de D. Júlio Tavares Rebimbas, do arcebispo
Pereira Bilhano e de D. Celeste Maria Santos, benemérita de Ílhavo. Até umas
famosas arrecadas em ouro, esmaltadas a verde e branco, com aljôfres!...
Chegada à sala das devoções da Vila de Ílhavo, surpreendi-me pela grandiosidade das enormes imagens, como que suspensas no ar, no contexto de procissões e da Semana Santa.
Chamou-nos
a atenção, uma colecção de alminhas, o belo altar de calcário, dignamente
restaurado e a quantidade e qualidade de paramentos bordados a ouro.
Apesar
de já ter conhecimento de algumas peças, não diria que o espólio da Igreja
Matriz era tão imponente, rico e grandioso.
Parabéns a toda a equipa do MMI., que se viu, durante alguns meses, envolvida neste trabalho e aos técnicos de restauro. Parabéns a Hugo Calão, curador do Centro de Religiosidade Marítima, que, com o seu saber e bom gosto, protagonizou o deleite dos visitantes.
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Fotos da CMI., de H Calão e J. Parracho, a quem agradeço.
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Ílhavo,
22 de Outubro de 2021
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Ana
Maria Lopes
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