quarta-feira, 6 de março de 2019

São Jorge, uma relíquia de peça...


Era uma vez um São Jorge… e então? Que se segue?
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Num sábado, 10 de Março de 1956, com 12 anos, fui madrinha do navio-motor São Jorge, propriedade da Empresa Testa & Cunhas, construído na Gafanha da Nazaré, nos estaleiros de Manuel Maria Mónica. Passados 63 anos, ainda é um assunto que me toca, de que tantas vezes já falei. E esta vai ser mais uma.
As cerimónias de bota-abaixo fascinavam-me. Não me imaginava personagem principal do que para mim, com aquela idade, era um conto de fadas…
Um belo dia, apareceu-me ali em casa, no Curtido de Baixo, o Sr. António Cunha, então gerente da Empresa, a convidar-me para madrinha do São Jorge, que estava, então, em construção.
Porquê eu? Que sensação! Madrinha de um navio? Parecia-me convite só para gente importante e crescida!
O nervosismo e a ansiedade intensificavam-se à medida que a data se ia aproximando…
No sábado escolhido, o dia estava bonito, mas com um ventinho norte a soprar com alguma intensidade.
Aguardava a hora da maré o São Jorge, na carreira, donairoso e altaneiro, na imponência da sua altura, de cores claras, hasteando o mareato colorido, da proa à popa, esvoaçando ao vento.
Um bota-abaixo na Gafanha era sempre um acontecimento festivo: no estaleiro e em todos os caminhos em redor via-se muita gente para assistir ao sempre emocionante espectáculo. Ansiedade! Emoção! Expectativa! E na ria, toda a frota bacalhoeira, embandeirada em arco pela «camaradagem» de mais um barco que a ia enriquecer.
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Na carreira, antes do bota-abaixo
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O São Jorge era um navio-motor que deslocava mil toneladas com capacidade para catorze mil quintais de pesca.
E a razão do nome?
São Jorge é um nome que anda ligado à História de Portugal, desde que Portugal nasceu. Era o grito de guerra – «S. Jorge e Portugal!» – que levava vitoriosamente os nossos exércitos até à derrota dos inimigos. Quis a empresa dar-lhe esse nome como um símbolo e eu, como madrinha, ofereci-lhe uma bonita imagem do Santo a cavalo, de espada em riste, a lutar com o dragão, que sempre viajou durante dezenas de anos, a bordo, na câmara dos oficiais, desde 1956 até 1972, ano em que a empresa o vendeu. Era hábito que esta câmara tivesse uma imagem ou fotografia alusiva ao nome do navio e, neste caso, foi esta.
Nessa altura, chamou-me o Dr. António Alberto Cunha, à empresa, para me entregar a dita imagem do santo que, como madrinha, ofertara ao navio. Passou a fazer parte dos meus bibelots de estimação, para que olhava com enlevo.
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Aquando da montagem da exposição Faina Maior, propus ao grupo de trabalho que tal peça fosse incorporada no painel «câmara dos oficiais», por empréstimo. Aí esteve nove anos, até que, quando deixei a direcção do museu, trouxe a minha peça comigo, para ocupar o lugar que ficara vazio, na minha casa.
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À direita, em cima, confirma a presença, na exposição dos anos 90
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Mas, o tempo passa, já lá vão quase 20 anos e comecei a sentir que o lugar ideal para aquela peça era mesmo a câmara dos oficiais da exposição Faina Maior, no MMI.
Noutro dia, em conversa com a conservadora do Museu, Catarina Resende, veio à baila o sempre tão delicado assunto da doação ou do depósito de peças em museus, desde que o donatário exija a exposição definitiva, e contei-lhe, entusiasmada, esta história, com o pedido que fizesse chegar a quem de direito, a minha intenção de oferecer a peça, a imagem e respectiva peanha, tão vividas, que tanto balanço suportaram a bordo do navio, em alto mar.
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São Jorge, em peanha, adequada ao balanço marítimo
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Tendo sido a resposta positiva, assim a entreguei no museu, para que viesse a ser recolocada na câmara dos oficiais da Faina Maior, como tinha acontecido nos anos 90. E, desta vez, foi de vez.
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Ílhavo, 06 de Março de 2019
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Ana Maria Lopes-

4 comentários:

  1. Parabéns, Drª.Ana Maria. A peça é lindíssima.
    Depois de "viajada" a bordo do navio "S.Jorge", ficará como recordação da sua madrinha num lugar de destaque - novamente exposta Câmara dos Oficiais, na sala da "Faina Maior" do Museu Marítimo de Ílhavo.

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  2. Os meus Parabéns Ana Maria. O Museu ficou com mais uma linda peça digna de museu!

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  3. Os meus parabéns Dra Ana Maria...durante vários anos, trabalhei na empresa Testa & Cunhas e é com saudades que recordo os tempos que por lá passei. Ainda hoje, tenho bem presente a sua voz meiga e doce...
    Foi um prazer trabalhar com aqueles que infelizmente ja partiram (Dr Cunha, Antonio Amador)
    Não faço ideia se o Sr José Amador ou a D. Cecília serão vivos mas provavelmente ja não.
    Na altura também havia pelo menos um sócio do Porto mas ja não me recordo do nome. Ahhh e o Dr Artur, além da Sra, claro.
    Não sei se me falhou alguém ��
    Quero dizer-lhe que aprecio muito os posts que publica, é uma verdadeira mulher dedicada ao mar e às suas gentes. Obrigada por assim ser...

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