quarta-feira, 27 de junho de 2018

Homens do Mar - Manuel de Oliveira Vidal Júnior - 48


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Cap. Manuel de Oliveira Vidal

Sempre aliei, não sei porquê, o nome do Cap. Manuel Vidal ao Maria das Flores, se bem que ele tenha comandado durante bastantes mais anos, outros navios.
Manuel de Oliveira Vidal Júnior, filho de Manuel de Oliveira Vidal e de Rosa Chuva Deus de Oliveira, nasceu em Ílhavo, a 19 de Novembro de 1921, um de cinco irmãos. Oriundo de família humilde e de parcos recursos viu-se obrigado a frequentar o seminário, com 10 anos, onde não quis continuar tendo saído, passados dois. Empregado de seguida, numa mercearia de Lisboa, era uma espécie de «paquete» que fazia recados e entregava mercadoria na casa dos fregueses. Aí ganhava alojamento, alimentação e «uns dinheiritos», de que entregava a maior parte à Mãe, que vivia com muitas dificuldades. Via comercial, cumpriu os estudos com facilidade, cavalgando alguns anos, sempre em regime de trabalho e estudo, aceitando que pessoa da sua intimidade lhe tivesse pago o curso da Escola Náutica. Mais tarde, já com possibilidades, e num acto solidário, lembrando-se das dificuldades por que passara, fez o mesmo a outros ílhavos necessitados.
Do casamento em 1947 com Maria Vitória Namorado Ferreira, nasceram o Vítor Manuel e a Maria Vitória Namorado de Oliveira Vidal.  Foi com a Torinha que conversei sobre o Pai, pelo qual mostrou grande apreço e admiração, quer afectiva, quer profissionalmente. Além de ter subido na vida, a pulso, por mérito próprio e muito trabalho, dedicou a sua vida ao mar, nunca perdeu nenhum homem nem «sujou» a cédula de ninguém – orgulhava-se a Vitória, ao rememorar a vida do Pai. Iria ver que elementos teria guardado dele e, encontrar-nos-íamos, um dia próximo, na Costa Nova, para mos ceder. E assim foi.
Manuel Vidal era portador da cédula marítima nº 24377, passada pela Capitania do Porto de Aveiro, em 22 de Janeiro de 1944.
Começando na pesca do bacalhau, em plena 2ª Grande Guerra e estando ainda muito presente na memória dos  ílhavos, a perda do Maria da Glória e do Delães, em 1942, ainda apanhou duas campanhas de viagens «em comboios», ao ter embarcado, como piloto, pela primeira vez, no lugre Neptuno II, na campanha de 1944, do comando de Mário Paulo do Bem.
O já referido Neptuno 2º, lugre-patacho de madeira, construído em Vila do Conde, em 1873, reconstruído em 1926, por Manuel Maria Bolais Mónica, e armado em lugre, fez a última campanha ao serviço da Parceria Geral de Pescarias, no ano de 1938.
Quando foi comprado pela Empresa de Pesca de Portugal, Lda., de Ílhavo, da gerência de Francisco Abreu, para a campanha de 1939, passou a chamar-se Neptuno Segundo.
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Lugre-motor Neptuno Segundo. Foto Sindicato

Em 26 de Novembro de 1944, foi abaixo o lugre-motor  Maria Frederico.
Sempre que falo de bota-abaixo, recordo o ar festivo que a Gafanha respirava – gente empoleirada por todos os cantos e recantos, filarmónicas em toque brilhante, o estralejar de foguetes ribombantes, navios embandeirados em arco prontos a receber um novo colega, pequenas embarcações pela ria, na esteira do recém-chegado navio, prontas a recolher o madeirame sobrado – uma tensão, uma ansiedade, um nervosismo, que, normalmente, acabavam em grande regozijo, manifestado pelo calor de muito sentidas palmas.
O dueto da oficialidade, nas campanhas de 1945 e 46, manteve-se:  piloto/imediato, Manuel Vidal, sob o comando de Mário Paulo do Bem.
Entre campanhas, mais para superar as dificuldades de início de carreira, fez curtas viagens de comércio, em 1945 e 1946, no navio São Ruy, como 2º piloto, e noutro, como imediato, imperceptível o nome, na Cédula de Inscrição Marítima.
Mas, na safra seguinte, a de 1947, Manuel Vidal ascendeu ao lugar de capitão do Maria Frederico, cargo que exerceu, até 1952 (6 viagens), até ao seu tragicamente belo naufrágio. Ritmo de viagem e de pesca sempre intenso, mas nada de relevante a apontar – a rotina sofrida e perigosa de que já temos, assiduamente, falado e ouvido falar.
Foi seu piloto o «arrojado» Artur Oliveira da Velha, nas campanhas de 1947, 48 e 49 e João Juff Tavares Ramos, entre 1950 e 52.
  
A bordo do Maria Frederico
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O Maria Frederico, lugre-motor de madeira, foi construído a pedido de Francisco António Abreu, gerente da Empresa de Pesca de Portugal, Lda., por António Pereira da Silva, na Gafanha da Nazaré. Tal empresa tinha instalações de secagem na Malhada – a conhecida seca do Abreu –, mais tarde pertença da P. Tavares Mascarenhas, vendida a Pascoal & Filhos, SA, em Maio de 2004.
O lugre Maria Frederico teve uma curta existência, pois, em 12 de Julho de 1952 naufragou, por incêndio, no Virgin Rocks, tendo sido abandonado e salva toda a tripulação. Pelo menos, o capitão foi trazido para Portugal pelo arrastão Pádua, do capitão João Cristiano.
Mais do que mil palavras, vale esta imagem.
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Arrepiante incêndio no Maria Frederico
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Entre comandos, o «nosso capitão» fez a viagem de 1953, de imediato, no Senhora do Mar, navio-motor, de aço, construído para Mariano & Silva, Lda., nos estaleiros da CUF, em Lisboa, tendo sido capitão, João José da Silva Costa, da Figueira da Foz.
E chegou o ano do Maria das Flores. Perdoem-me os familiares, mas não sei se me interessou mais a biografia marítima do capitão se o historial do navio. Claro, durante cinco anos, completaram-se. O Maria das Flores, lugre de madeira de três mastros, meio atamancado, imagine-se, foi construído para João Carlos Tavares, residente em Estarreja, no Bico da Murtosa, por José Maria Lopes de Almeida, de Pardilhó, em 1946. Mas, já fez essa viagem como propriedade da Empresa Comercial & Industrial de Pesca «Pescal».
Foi uma odisseia tal bota-abaixo e, com material inédito cedido pelo Comandante António Bento, dediquei-lhe três posts no meu blogue Marintimidades – O desencalhe do Maria das Flores.
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Foto aérea da construção, cedida por P.H.C.
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Segundo notícias do jornal da época, O Ilhavense, no dia 18 de Fevereiro de 1946, pelas 16 horas, num estaleiro do Bico da Murtosa, ter-se-á consumado o bota-abaixo do lugre com motor, construído em madeira, armado de três mastros, Maria das Flores.
Mas, cortado o cabo da bimbarra, o navio, porém, não deslizou imediatamente, procedendo-se então aos trabalhos próprios de emergência, até que 45 minutos depois, o Maria das Flores deslizou na carreira para ir encalhar no lodo da ria. Não deixou de se festejar. Mas depois de uma verdadeira saga, cheia de contratempos, a reboque do Vouga, só chegou à Gafanha da Nazaré no dia 3 de Maio, tendo-se feito a amarração, frente à Delegação da CRCB.
A 5 de Maio, depois da desmontagem e arrumação de todo o material, ficou o navio liberto, para poder seguir viagem para Lisboa, em conformidade com as exigências legais recomendadas pelas autoridades marítimas. Que tal?
Mas, foi apenas na safra de 1954, substituindo o também conterrâneo capitão Manuel Pereira Teles, que o Capitão Vidal tomou posse do comando do dito Maria das Flores. Não terá sido um ramo de espinhos? Até não.
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Maria das Flores, em 1955, na Groenlândia
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A bordo do Maria das Flores
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Foi o Maria das Flores um dos primeiros navios, que, na safra de 1956, tendo naufragado em Agosto, o lugre-motor Novos Mares, por explosão a bordo, motivada por um curto-circuito, ouviu a explosão. Por solidariedade dos homens do mar, em situação de perigo, foi o navio do Cap. Vidal  que recolheu 32 tripulantes, bem como o  Labrador, que albergou os restantes.
Foi sempre seu imediato Fernando Luís Magalhães do Amaral, de Lisboa.
Mas o Maria das Flores também não teve um longo percurso, tendo naufragado em Setembro de 1958, ano marcado por muitas tormentas e uma boa meia dúzia de naufrágios.
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Em entrevista, a bordo…
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Em entrevista proferida ao Jornal do Pescador, de Novembro de 1958, pp. 35 a 38, o Capitão Manuel Vidal, à chegada do arrastão Álvaro Martins Homem, que trouxe os náufragos do navio em causa, mostrava-se agastado e abatido pela perda do seu navio, tendo declarado que este ano de 1958 fora de excepcional mau tempo. Cinco ciclones abalaram a segurança dos navios portugueses e alguns, como o Maria das Flores, abriram água e afundaram-se, outros tiveram de arribar várias vezes, pois, além dos ciclones, os mares do Norte foram sacudidos por violentos temporais. Perderam, por esse motivo, muitos dias de pesca, de que resultou terem deixado de pescar uma quantidade preciosa de quintais de bacalhau. O Maria das Flores, que tinha a bordo, mais de 7.000 quintais, durante o mês de Julho, só pôde pescar onze dias, em Agosto, apenas nove e três dias, em Setembro. O navio andou três dias consecutivos em risco de se afundar, entrando a água abundantemente nos porões, sem que as bombas a conseguissem esgotar, por mais decididos que fossem os tripulantes e, por maiores que fossem os seus esforços. Estiveram três dias e três noites sem saberem o que era um minuto de descanso, não tendo conseguido salvar o navio, que se afundou ao cabo de mil tormentos. Nesse ano, tiveram idêntico destino, o Cruz de Malta, o Labrador, o Milena, o  Ana Maria e o Santa Isabel.
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Em 1959, «o nosso capitão» passou a comandar o navio-motor, de ferro, Senhora da Boa Viagem, construído em 1956, para a Atlântica – Companhia Portuguesa de Pesca, de Lisboa, nos Estaleiros de Viana dos Castelo. Fora «o seu navio», entre 1959 e 1975, durante dezassete anos.
Segundo diploma que me foi dado observar, o Cap. Vidal foi homenageado pela Mútua dos Navios Bacalhoeiros, ao prestar assistência ao navio Rio Antuã, comandado por Francisco Teles Paião, em Abril de 1967 – numa situação de dificuldade, em mares gélidos – uma entrada de água inexplicável, à popa, junto do leme, que a bomba não esgotava.
Como outros capitães de Ílhavo, que já me passaram pela pena, foi agraciado, em 1969, com a medalha naval Vasco da Gama, pelos serviços relevantes prestados, na marinha mercante.
Após a campanha de 70, o Senhora da Boa Viagem foi transformado para o sistema de redes de emalhar com lanchas, em cuja mudança, o capitão tivera um papel fundamental.
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Lancha, junto ao navio
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Em descarga de peixe, da lancha
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Sendo pessoa que procurou ter uma intervenção cívica, foi sócio do Sindicato Nacional dos Capitães, Oficiais Náuticos e Comissários da Marinha Mercante, tendo tido um papel fundamental na fundação do Sindicato dos Oficiais em Ílhavo, no edifício do Illiabum Clube, 2º andar, à Rua Arcebispo Pereira Bilhano, em 1951, a que se manteve sempre ligado.
A família passou a viver em Campo de Ourique, a partir de 1954, tendo mudado para Nova Oeiras em 1962, tendo-se aposentado o Cap. Vidal em 1975. Em 1979, regressaram a Ílhavo, donde nunca se haviam desligado, em especial por laços familiares.
Fumador inveterado, na vida de mar, nunca conseguiu deixar tal vício, que lhe passou a atacar fortemente os pulmões.
Depois de uma cirurgia pulmonar em 1988 e de um novo internamento em Coimbra, veio transferido para o Hospital de Ílhavo na véspera da sua morte, depois de ter manifestado vontade de vir morrer à sua terra. E assim nos «deixou» no dia 1 de Dezembro desse mesmo ano, com 67 anos.
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Fotografias cedidas pela família e por outras fontes
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Ílhavo, 26 de Junho de 2018
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Ana Maria Lopes
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