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Cap. Manuel de Oliveira Vidal
Sempre
aliei, não sei porquê, o nome do Cap. Manuel Vidal ao Maria das Flores, se bem que ele tenha comandado durante bastantes
mais anos, outros navios.
Manuel de Oliveira Vidal Júnior,
filho de Manuel de Oliveira Vidal e de Rosa Chuva Deus de Oliveira, nasceu em
Ílhavo, a 19 de Novembro de 1921, um de cinco irmãos. Oriundo de família
humilde e de parcos recursos viu-se obrigado a frequentar o seminário, com 10
anos, onde não quis continuar tendo saído, passados dois. Empregado de seguida,
numa mercearia de Lisboa, era uma espécie de «paquete» que fazia recados e
entregava mercadoria na casa dos fregueses. Aí ganhava alojamento, alimentação
e «uns dinheiritos», de que entregava a maior parte à Mãe, que vivia com muitas
dificuldades. Via comercial, cumpriu os estudos com facilidade, cavalgando
alguns anos, sempre em regime de trabalho e estudo, aceitando que pessoa da sua
intimidade lhe tivesse pago o curso da Escola Náutica. Mais tarde, já com
possibilidades, e num acto solidário, lembrando-se das dificuldades por que
passara, fez o mesmo a outros ílhavos
necessitados.
Do
casamento em 1947 com Maria Vitória Namorado Ferreira, nasceram o Vítor Manuel e
a Maria Vitória Namorado de Oliveira Vidal. Foi com a Torinha que conversei sobre o Pai,
pelo qual mostrou grande apreço e admiração, quer afectiva, quer
profissionalmente. Além de ter subido na vida, a pulso, por mérito próprio e
muito trabalho, dedicou a sua vida ao mar, nunca perdeu nenhum homem nem
«sujou» a cédula de ninguém – orgulhava-se a Vitória, ao rememorar a vida do
Pai. Iria ver que elementos teria guardado dele e, encontrar-nos-íamos, um dia
próximo, na Costa Nova, para mos ceder. E assim foi.
Manuel
Vidal era portador da cédula marítima nº 24377, passada pela Capitania do Porto
de Aveiro, em 22 de Janeiro de 1944.
Começando
na pesca do bacalhau, em plena 2ª Grande Guerra e estando ainda muito presente
na memória dos ílhavos, a perda do Maria da Glória e do Delães, em 1942, ainda apanhou duas
campanhas de viagens «em comboios», ao ter embarcado, como piloto, pela
primeira vez, no lugre Neptuno II, na campanha de 1944, do
comando de Mário Paulo do Bem.
O já referido Neptuno 2º, lugre-patacho
de madeira, construído em Vila do Conde, em 1873, reconstruído em 1926, por
Manuel Maria Bolais Mónica, e armado em lugre,
fez a última campanha ao serviço da Parceria Geral de Pescarias, no ano de
1938.
Quando foi comprado pela Empresa de Pesca
de Portugal, Lda., de Ílhavo, da gerência de Francisco Abreu, para a campanha
de 1939, passou a chamar-se Neptuno
Segundo.
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Lugre-motor Neptuno Segundo. Foto Sindicato
Em 26 de Novembro de 1944, foi abaixo o lugre-motor Maria Frederico.
Sempre que falo de bota-abaixo, recordo o
ar festivo que a Gafanha respirava – gente empoleirada por todos os cantos e
recantos, filarmónicas em toque brilhante, o estralejar de foguetes
ribombantes, navios embandeirados em arco prontos a receber um novo colega,
pequenas embarcações pela ria, na esteira do recém-chegado navio, prontas a
recolher o madeirame sobrado – uma tensão, uma ansiedade, um nervosismo, que,
normalmente, acabavam em grande regozijo, manifestado pelo calor de muito sentidas
palmas.
O dueto da oficialidade, nas campanhas de
1945 e 46, manteve-se: piloto/imediato,
Manuel Vidal, sob o comando de Mário Paulo do Bem.
Entre campanhas, mais para superar as
dificuldades de início de carreira, fez curtas viagens de comércio, em 1945 e
1946, no navio São Ruy, como 2º
piloto, e noutro, como imediato, imperceptível o nome, na Cédula de Inscrição
Marítima.
Mas, na safra seguinte, a de 1947, Manuel
Vidal ascendeu ao lugar de capitão do Maria
Frederico, cargo que exerceu, até 1952 (6 viagens), até ao seu tragicamente
belo naufrágio. Ritmo de viagem e de pesca sempre intenso, mas nada de
relevante a apontar – a rotina sofrida e perigosa de que já temos,
assiduamente, falado e ouvido falar.
Foi seu piloto o «arrojado» Artur Oliveira
da Velha, nas campanhas de 1947, 48 e 49 e João Juff Tavares Ramos, entre 1950
e 52.
A bordo do Maria Frederico
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O Maria
Frederico, lugre-motor de madeira, foi
construído a pedido de Francisco António Abreu, gerente da Empresa de Pesca de
Portugal, Lda., por António Pereira da Silva, na Gafanha da Nazaré. Tal empresa
tinha instalações de secagem na Malhada – a conhecida seca do Abreu –, mais
tarde pertença da P. Tavares Mascarenhas, vendida a Pascoal & Filhos, SA,
em Maio de 2004.
O lugre
Maria Frederico teve uma curta
existência, pois, em 12 de Julho de 1952 naufragou, por incêndio, no Virgin
Rocks, tendo sido abandonado e salva toda a tripulação. Pelo menos, o capitão
foi trazido para Portugal pelo arrastão
Pádua, do capitão João Cristiano.
Mais do que mil palavras, vale esta imagem.
Arrepiante incêndio no Maria Frederico
Entre comandos, o «nosso capitão» fez a
viagem de 1953, de imediato, no Senhora
do Mar, navio-motor, de aço, construído
para Mariano & Silva, Lda., nos estaleiros da CUF, em Lisboa, tendo sido capitão,
João José da Silva Costa, da Figueira da Foz.
E chegou o ano do Maria das Flores. Perdoem-me os familiares, mas não sei se me
interessou mais a biografia marítima do capitão se o historial do navio. Claro,
durante cinco anos, completaram-se. O Maria
das Flores, lugre de madeira de
três mastros, meio atamancado, imagine-se, foi construído para João Carlos
Tavares, residente em Estarreja, no Bico da Murtosa, por José Maria Lopes de
Almeida, de Pardilhó, em 1946. Mas, já fez essa viagem como propriedade da
Empresa Comercial & Industrial de Pesca «Pescal».
Foi uma odisseia tal bota-abaixo e, com
material inédito cedido pelo Comandante António Bento, dediquei-lhe três posts no meu blogue Marintimidades – O desencalhe do Maria das Flores.
Foto aérea da construção, cedida por
P.H.C.
Segundo notícias do jornal da época, O Ilhavense, no dia 18 de Fevereiro de
1946, pelas 16 horas, num estaleiro do Bico da Murtosa, ter-se-á consumado o
bota-abaixo do lugre com motor, construído em madeira, armado de três
mastros, Maria das Flores.
Mas, cortado o cabo da bimbarra, o navio, porém, não deslizou
imediatamente, procedendo-se então aos trabalhos próprios de emergência, até
que 45 minutos depois, o Maria das
Flores deslizou na carreira para ir encalhar no lodo da ria. Não deixou de
se festejar. Mas depois de uma verdadeira saga, cheia de contratempos, a
reboque do Vouga, só chegou à
Gafanha da Nazaré no dia 3 de Maio, tendo-se feito a amarração, frente à
Delegação da CRCB.
A 5 de Maio, depois da desmontagem e
arrumação de todo o material, ficou o navio liberto, para poder seguir viagem
para Lisboa, em conformidade com as exigências legais recomendadas pelas
autoridades marítimas. Que tal?
Mas, foi apenas na safra de 1954,
substituindo o também conterrâneo capitão Manuel Pereira Teles, que o Capitão
Vidal tomou posse do comando do dito Maria
das Flores. Não terá sido um ramo de espinhos? Até não.
Maria
das Flores, em 1955, na Groenlândia
A bordo do Maria das Flores
Foi o
Maria das Flores um dos primeiros navios, que, na safra de 1956, tendo naufragado em Agosto, o lugre-motor Novos Mares,
por explosão a bordo, motivada por um curto-circuito, ouviu a explosão. Por
solidariedade dos homens do mar, em situação de perigo, foi
o navio do Cap. Vidal que recolheu 32 tripulantes, bem
como o Labrador, que albergou os
restantes.
Foi sempre seu imediato Fernando Luís
Magalhães do Amaral, de Lisboa.
Mas o Maria
das Flores também não teve um longo percurso, tendo naufragado em Setembro
de 1958, ano marcado por muitas tormentas e uma boa meia dúzia de naufrágios.
Em entrevista, a bordo…
Em entrevista proferida ao Jornal do Pescador, de Novembro de 1958,
pp. 35 a 38, o Capitão Manuel Vidal, à chegada do arrastão Álvaro Martins
Homem, que trouxe os náufragos do navio em causa, mostrava-se agastado e
abatido pela perda do seu navio, tendo declarado que este ano de 1958 fora de excepcional
mau tempo. Cinco ciclones abalaram a segurança dos navios portugueses e alguns,
como o Maria das Flores, abriram
água e afundaram-se, outros tiveram de arribar várias vezes, pois, além dos
ciclones, os mares do Norte foram sacudidos por violentos temporais. Perderam,
por esse motivo, muitos dias de pesca, de que resultou terem deixado de pescar
uma quantidade preciosa de quintais de bacalhau. O Maria das Flores, que tinha a bordo, mais de 7.000 quintais,
durante o mês de Julho, só pôde pescar onze dias, em Agosto, apenas nove e três
dias, em Setembro. O navio andou três dias consecutivos em risco de se afundar,
entrando a água abundantemente nos porões, sem que as bombas a conseguissem
esgotar, por mais decididos que fossem os tripulantes e, por maiores que fossem
os seus esforços. Estiveram três dias e três noites sem saberem o que era um
minuto de descanso, não tendo conseguido salvar o navio, que se afundou ao cabo
de mil tormentos. Nesse ano, tiveram idêntico destino, o Cruz de Malta, o Labrador,
o Milena, o Ana Maria e o Santa Isabel.
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Em 1959, «o nosso capitão» passou a
comandar o navio-motor, de ferro, Senhora da Boa Viagem, construído em 1956,
para a Atlântica – Companhia Portuguesa de Pesca, de Lisboa, nos Estaleiros de
Viana dos Castelo. Fora «o seu navio», entre 1959 e 1975, durante dezassete
anos.
Segundo diploma que me foi dado observar,
o Cap. Vidal foi homenageado pela Mútua dos Navios Bacalhoeiros, ao prestar
assistência ao navio Rio Antuã, comandado
por Francisco Teles Paião, em Abril de 1967 – numa situação de dificuldade, em
mares gélidos – uma entrada de água inexplicável, à popa, junto do leme, que a
bomba não esgotava.
Como outros capitães de Ílhavo, que já me
passaram pela pena, foi agraciado, em 1969, com a medalha naval Vasco da Gama,
pelos serviços relevantes prestados, na marinha mercante.
Após a campanha de 70, o Senhora da Boa Viagem foi transformado
para o sistema de redes de emalhar com
lanchas, em cuja mudança, o capitão tivera um papel fundamental.
Lancha, junto ao navio
Em descarga de peixe, da lancha
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Sendo pessoa que procurou ter uma
intervenção cívica, foi sócio do Sindicato Nacional dos Capitães, Oficiais
Náuticos e Comissários da Marinha Mercante, tendo tido um papel fundamental na fundação
do Sindicato dos Oficiais em Ílhavo, no edifício do Illiabum Clube, 2º andar, à
Rua Arcebispo Pereira Bilhano, em 1951, a que se manteve sempre ligado.
A família passou a viver em Campo de
Ourique, a partir de 1954, tendo mudado para Nova Oeiras em 1962, tendo-se
aposentado o Cap. Vidal em 1975. Em 1979, regressaram a Ílhavo, donde nunca se
haviam desligado, em especial por laços familiares.
Fumador inveterado, na vida de mar, nunca
conseguiu deixar tal vício, que lhe passou a atacar fortemente os pulmões.
Depois de uma cirurgia pulmonar em 1988 e
de um novo internamento em Coimbra, veio transferido para o Hospital de Ílhavo
na véspera da sua morte, depois de ter manifestado vontade de vir morrer à sua
terra. E assim nos «deixou» no dia 1 de Dezembro desse mesmo ano, com 67 anos.
Fotografias cedidas pela família e por outras fontes
Ílhavo, 26 de Junho de 2018
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Ana
Maria Lopes
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